Medida Provisória 844/18 – O Novo Marco Regulatório do Saneamento
Estamos vivendo um período da história onde as instituições democráticas brasileiras, já fragilizadas, estão sendo postas à prova. Um dos alvos da vez são as empresas de saneamento. O Governo Federal, através da Medida Provisória nº 844/18, pretende claramente entregá-las à iniciativa privada. O faz, motivado pela pressão do grande capital, que quer dominar essa fatia do mercado, o saneamento e, dentro de um cenário de crise hídrica, visa tornar a água, um produto e não um direito universal.
A Medida Provisória 844/18, altera o Marco Regulatório do Saneamento no Brasil, que hoje é regulamentado pela Lei 11.445/07, que estabelece as diretrizes do setor, sobretudo, o tratamento de água e esgoto.
No art. 4º, a MP, amplia as competências da ANA – Agência Nacional das Águas, que centralizaria a administração da área de Saneamento, até então sob a responsabilidade do Ministério do Meio Ambiente. A ANA não tem estrutura e nem mesmo expertise para assumir um setor tão abrangente, o Saneamento Básico, que compreende muito mais do que o controle de micro bacias hidrográficas, atribuição principal dada hoje à ANA.
A Agência teria competência, pela MP 844/18, para declarar situação crítica de escassez quantitativa ou qualitativa de recursos hídricos. O que podemos projetar é a manipulação dessa ferramenta para justificar aumentos pontuais nas contas, similares aos que já oneram a população nas bandeiras tarifárias na energia elétrica.
O modelo a ser adotado é o mesmo já empregado em outros setores já privatizados, onde podemos ver no Artigo 4°-A, com emprego de palavras de efeito, como: “estimular a livre concorrência, a competitividade e a sustentabilidade econômica”, que na prática só servem para onerar o usuário dos serviços.
O artigo 10-A da MP 844/18 exige que os municípios, antes da celebração do contrato de programa, realize um chamamento público quanto ao interesse de empresas em disputar a concessão dos serviços de saneamento. Apenas em não havendo prestador privado interessado, o município, aí sim, poderia proceder a celebração do Contrato de Programas com dispensa de licitação. Este artigo vem carregado de inconstitucionalidade, pois a gestão associada de serviços públicos entre entes federados está consagrada no Art. 241 da Constituição Federal.
Mais, a MP tira o poder das Câmaras de Vereadores, ao prever que a anuência do titular dos serviços (município) seja feita por ato do Poder Executivo.
Outro ponto importante a ser levado em consideração é que a MP 844/18 não contempla a prática de subsídio cruzado, onde cidades de maior porte que geram lucro compensam regiões e municípios mais pobres e deficitários ou de baixa densidade demográfica, que certamente serão preteridas pelas empresas privadas, ficando esse ônus com as Companhias Estaduais, causando um desmanche das Empresas Públicas.
Não é de hoje que grandes organismos privados pressionam governos nas mais diversas esferas do poder, para ficar com essa fatia do mercado, a fim de matar a sua sede e colocar o lucro acima dos interesses das comunidades e, para isso, contam com o apoio da grande mídia, que foca suas atenções na crise hídrica e na falta de investimento público em Saneamento Básico.
Voltando um pouco ao passado, na década de 90, quando o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, verdadeiros entusiastas das privatizações do setor de saneamento venderam aos países a ideia de Estado incompetente e da eficiência do setor privado. Agora, após análise do resultado dos serviços privados em vários países, chega-se a conclusão de que as privatizações fracassaram porque não conseguiram cumprir os contratos firmados. Na maioria dos casos, a reestatização foi e está sendo uma resposta às falsas promessas dos operadores privados.
A proposta de privatização da água do Governo Federal, escancarada através da MP 844/18, vai na contramão da história. Estudos apontam para a incompatibilidade entre o papel social de uma Companhia de água e saneamento com as necessidades de um grupo privado. A MP 844/18 privilegia claramente a concorrência e retira todos os pontos de obrigatoriedade de controle social garantidos pela lei Nº 11.445/07 e acaba com o instrumento da gestão associada de serviços públicos e o contrato de programas. Destrói o subsídio cruzado praticado pelas Companhias Estaduais que possibilita que os municípios mais rentáveis financiem os menores e deficitários.
O objetivo real do Governo, através da MP 844/18, é tomar para si as Companhias de Saneamento e entregá-las ao mercado por preços módicos, inclusive fatiando o setor onde somente áreas com lucratividade elevada serão adquiridas pelos conglomerados internacionais, ficando com o Estado a parte não interessante, ou seja, a porção não lucrativa da atividade.
Podemos concluir que a Medida Provisória 844/18 que, segundo o Governo Federal, veio para ser o Marco Regulatório do Saneamento, na verdade é o Marco Regulatório da Privatização e somente a mobilização de todos, aliado a um forte trabalho de conscientização da sociedade pode iniciar um processo de resistência à MP 844/18 e a todas as formas de violência contra as classes menos favorecidas. Água é um direito do cidadão, não mercadoria!
Por Neori Pavan – Sindiágua/Corsan – Erechim