As eleições de outubro e a agenda ambiental: uma miragem!

A agenda ambiental é um daqueles assuntos enquadrados no escopo do politicamente correto, do parecer ser sem ser, em que se fala muito, mas faz-se muito pouco. Por outro lado, a destruição sistemática da natureza, que não é nenhuma novidade, tem sido acompanhada por décadas de muitas conferências em lugares paradisíacos, programas, tratados e discursos políticos bem elaborados e cheios de promessas e vazios de ações práticas.

No caso das eleições brasileiras de outubro, nem nos discursos dos candidatos, o assunto tem aparecido, e quando surge vem sobre o sinônimo da “sustentabilidade”, outro conceito vazio que serve para dizer quase tudo ou para dizer quase nada. O matemático e economista romeno Nicholas Georgescu-Roegen (o fundador da bioeconomia, a economia ecológica) duvidava fortemente da disposição e altruísmo das gerações atuais em abrir mão do conforto e das facilidades oferecidas pela vida moderna, em nome do bem-estar das gerações futuras.

O Brasil fez história com essa abordagem na Conferência de Estocolmo em 1972, ao liderar 77 países (do total de 113) ao defender abertamente no evento, o crescimento econômico a qualquer custo expresso no slogan: “Bem-vindos à poluição, estamos abertos a ela. O Brasil é um país que não tem restrições, temos várias cidades que receberiam de braços abertos a sua poluição, porque nós queremos empregos, dólares para o nosso desenvolvimento”. O principal argumento da época é que a principal poluição era a miséria (que ainda perdura). A ideia era de “desenvolver primeiro e pagar os custos da poluição mais tarde”, defendida pelo então ministro Costa Cavalcanti. A filosofia era que todos tinham o direito de crescer economicamente, mesmo que às custas de grande degradação ambiental, que em grande parte, esse sentimento ainda é preponderante no pensamento da sociedade.

Por outro lado, ainda é válido o pressuposto que qualquer defesa das demandas urgentes de proteção e conservação ambiental significa de antemão pisar no freio da expansão das atividades econômicas. Grosso modo, significa reduzir os atuais padrões de consumo, o uso sem controle sobre os recursos naturais disponíveis, e do mesmo modo, a necessária percepção e adoção de mudanças pela pressão das transformações profundas no mundo do trabalho.

Talvez, por essas razões e entre outras, é que a agenda ambiental não se estabelece e nem prospera fortemente na medida em que impera o simulacro artificial, característica central do debate político. As controvérsias são escamoteadas e evitadas, pois a “sustentabilidade”, exige algumas vezes frear a produção para atender as exigências de conservação dos recursos e bens da natureza, proeza de difícil concretização. Contudo, a prioridade para os mundos da política é conseguir votos (no curto prazo) e evitar ou mascarar assuntos que desagradem ou que faça o eleitor pensar criticamente. Se o leitor quiser fazer um teste, questione os nossos candidatos a deputado federal, estadual e ao Senado, o que pensam ou o que já fizeram (ou como pretendem fazer) objetivamente em favor da agenda ambiental. A conversa sobre o tema, por certo não será muito longa.

Para as eleições de outubro, considerando a evidente, mas a negada bancarrota do país, as prioridades do debate estarão focadas para encontrar “soluções” para os 14 milhões de desempregados, alternativas mágicas para a problemática de violência, para o “flagelo” da corrupção, e as intermináveis e mirabolantes saídas para as “recentes” crises da educação e saúde. Esses temas certamente polarizarão a atenção dos candidatos reforçando a tendência de que a questão ambiental seja um tema periférico no debate eleitoral, como o fora nos anteriores.

A problemática ambiental, apesar de cada vez mais frequente é tratada pontualmente, para ilustrar entre os anos de 2003 e 2016, a crise hídrica teve quase 5 mil eventos e cerca de 50 milhões de brasileiros foram afetados, esse problema é recorrente e somente entre na agenda política quando a crise atinge o auge da escassez. Os números de 2018 não são menos preocupantes, já foram 918 municípios atingidos com crise hídrica, segundo dados do Ministério da Integração Nacional. Pouco se fez ou se faz preventivamente em ações de médio e longo prazo (educação ambiental, pagamento por serviços ecossistêmicos, programas de recuperação de fontes e de áreas de preservação permanente – APPs).

Outro tema que dificilmente tira o sono dos candidatos é o que fazer com a produção e destino adequado dos resíduos sólidos. A lei aprovada em 2010, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/10), que demorou quase 20 anos para entrar em vigor e continua sendo fonte de controvérsias e promessas não cumpridas. Mas o problema é urgente, dos quase 70 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos coletadas no Brasil anualmente, 42% ainda têm como destino lixões e aterros controlados, considerados ambientalmente inadequado.

Segundo dados da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (ABRELPE, 2018) o país teria que investir R$ 11,6 bilhões até 2031 na infraestrutura para universalizar a destinação final adequada dos resíduos sólidos. A este valor se somam R$ 15,59 bilhões ao ano para custear a operação e manutenção das plantas que deverão ser construídas, e grande parte desses serviços estão a cargo dos municípios que sempre alegam falta de recursos para os investimentos.

Infelizmente, sabemos que isso não vai ocorrer e o problema de saúde pública vai ser agravado pelos lixões que continuarão contaminar os mananciais de água, mas esses temas passam longe da atenção dos candidatos que continuam fazendo política requentada a bases de “promessas” que dificilmente serão cumpridas. Além disso, uma parte expressiva dos eleitores ainda acredita que a temática ambiental é coisa de “bicho grilo”, mas os desastres ambientais se multiplicam desde longa data: o incêndio na Vila Socó em 1984, a contaminação por césio 137 em Goiânia em 1987, o vazamento de 1,3 milhão de óleo na Baía de Guanabara (RJ), em 2000, vazamento de barragem de celulose em Cataguases (MG), e da barragem de rejeitos de ferro em Miraí (RJ) em 2003, chuvas torrenciais que causaram destruição na região serrana do Rio em 2011, rompimento da barragem de Mariana (MG) em 2015. Grande parte deles, os responsáveis continuam impunes, ou as penas foram insignificantes.

Ao considerar os rumos da política, das “propostas” dos candidatos, a ideia de “sustentabilidade”, a continuidade dos desastres, a passagem de Giuseppe Tomasi di Lampedusa descrita no romance “Il gattopardo” se torna reveladora e emblemática “A não ser que nos salvemos, dando-nos as mãos agora, eles nos submeterão à República (do interesse deles). Para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude”.

 

Por Eliziário Toledo 

Sociólogo, mestre em Desenvolvimento Rural (PGDR/UFRGS – 2009), doutor em Desenvolvimento Sustentável (CDS-UnB – 2017), mestrando em Ciência e Tecnologia Ambiental (UFFS – 2018)

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