Um turista na capital
O período de férias é típico, para muitas pessoas, para viajar. Sair um pouco da rotina, respirar outros ares, viver novas experiências e descansar. Isso faz muito bem à saúde mental, nos reequilibra e pode ser estimulante para repensarmos a vida.
Estamos ainda vivenciando o contexto da pandemia e tudo o que ele trouxe de modificações no nosso cotidiano. Ficamos expostos diante de um vírus que alterou nossa sociabilidade, nos adoeceu, tirou a vida de pessoas próximas e distantes e nos fez ter a certeza de que somos muito frágeis. Diante disso, qual o sentido da vida e daquilo que fazemos? Passar a vida toda buscando dinheiro e bens de consumo será que é uma boa? O que realmente importa?
Essas questões de cunho filosófico e existencial seguirão nos acompanhando, seja em casa ou nas férias em outros lugares. Saímos de casa, trocamos de roupa, mas não temos como sair de nós mesmos. As minhas “férias”, entre aspas mesmo, não têm sido um período de muitas viagens. Sou uma das pessoas que respeita os protocolos sanitários e as recomendações dos(as) cientistas. Então, fiquei muito em casa neste último período e, mesmo vacinado com duas doses e o reforço, ainda não me sinto totalmente à vontade em alguns lugares públicos de grande circulação de pessoas.
Fui bem pontualmente à Praça da Bandeira e à Praça Jaime Lago para ver as decorações de Natal. Antes, fui de máscara, e respeitando os distanciamentos mesmo ao ar livre, ao Colosso da Lagoa no quadrangular final da Série B de 2021. Devido à organização familiar, fui (e estou) no meu período de férias a Porto Alegre.
Estou trabalhando e morando em Erechim desde 2010. Nesse período, fui criando laços com a cidade e com o ritmo de vida do interior gaúcho. Com o passar do tempo, já tinha a sensação de que estar em Porto Alegre, meu local de moradia de quase toda a vida antes de vir para Erechim, me permitia ver a cidade com outros olhos. Não que a capital me fosse estranha, mas não era mais a mesma coisa. Quando retornava a Erechim, estava voltando para casa.
Esse sentimento se acentuou um pouco nesse período de fim de 2021 e início de 2022. Simplesmente, quando vi, estava me sentindo um turista na capital. Percebi novos prédios, senti falta de outros, revisitei uma livraria que está no mesmo lugar, mas que não é mais a mesma coisa. Essa ideia de que as coisas “são as mesmas, mas não são mais como eram” é resultado da minha subjetividade. Eu era, eu fui de Porto Alegre. Eu estou de(em) Erechim.
Nas minhas redes sociais, quase todas as postagens remetem a Erechim. Perto das 13h eu abri o aplicativo da Rádio Cultura e não o da Rádio Gaúcha, pois mais me interessava escutar o BV Esportes gravado do que o Sala de Redação ao vivo. Talvez por uma certa vaidade de participante do BV, mas, sobretudo, pelo reconhecimento do lugar, das nossas coisas, das pessoas, do ambiente que é familiar.
Porto Alegre segue sendo familiar, mas hoje é um parente distante, sabe? Sabemos quem é até ali, mas, de fato, deixamos de conhecer. Paradoxalmente, quanto mais desconheço Porto Alegre, mais conheço uma outra cidade, uma outra capital gaúcha. Por isso, posso ser um turista por lá (em reação a Erechim) – mesmo que esteja escrevendo daqui (Porto Alegre).
Quero sentir e viver muitas vezes essa Porto Alegre de minhas memórias afetivas, a cidade do Grêmio, da UFRGS, das livrarias, do Guaíba, do aeroporto e, sobretudo, da minha família. Quer ir à capital na mesma medida que me alegra voltar a Erechim, lugar da UFFS, da Rádio Cultura, onde minha filha nasceu e tomei as vacinas da Covid bem atendido na UBS do Bela Vista.
Na verdade, não tenho apenas um canto no mundo, mas um espaço divido (e somado) entre duas cidades próximas em sua distância de cerca de 400km. Bom ter o avião agora, pois a saudade de um e outro lugar vai me acompanhar sempre. Mas, para que a pressa de chegar ou de sair? O bom de ser turista é poder contemplar, vagarosamente, aquilo que sempre esteve ali e eu não via.
Thiago Ingrassia Pereira
Professor da UFFS Campus Erechim
