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O 2,4-D da discórdia!

Uma das coisas mais difíceis de fazer na vida é provar o óbvio, mesmo que a realidade esteja diante do nariz. Essa parece ser a polêmica envolvendo uso do herbicida 2,4-D, (o ácido diclorofenoxiacético, um dos elementos componentes do agente laranja usado como desfolhante na Guerra do Vietnã). O conflito está concentrado entre os produtores de soja, que alegam que o produto é essencial para a condução das lavouras (usado para o controle da erva daninha chamada – buva), e os produtores de frutas, oliveiras e de erva mate do Rio Grande do Sul, que alegam prejuízos econômicos enormes. O 2,4-D – produto banido na Austrália e no Canadá e, desde 2006, se encontra sobre processo de reavaliação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O produto, segundo técnicos da área da saúde, está associado à diversas doenças, como câncer, malformações congênitas e distúrbios neurológicos, especialmente, no desenvolvimento da doença neurodegenerativa de Parkinson.

Os danos do produto à saúde, ao meio ambiente e a outras culturas, são decorrentes da deriva, que é o deslocamento da calda para fora do alvo desejado, causado em grande parte pela ação do vento, escorrimentos ou mesmo volatilização do diluente e do produto. Para diminuir os impactos, os produtores devem utilizar técnicas adequadas na aplicação do produto, além de respeitar as condições climáticas (ventos de 4 a 10 km/h, umidade do ar superior a 55% e temperatura inferior a 30°C), e utilizar pulverizadores com bicos e regulagens adequadas, a deriva pode ser minimizada. Entretanto, esses procedimentos condições são de difícil observação e aplicação na prática, na medida em que necessitam de equipamentos adequados e são dificultadas pelas condições peculiares dos agricultores e da própria atividade agrícola.

Independente da polêmica, mas a observância das condições de uso e aplicação de qualquer produto químico com riscos potenciais à saúde e ao meio ambiente, exigido por lei, é o acompanhamento técnico especializado. A prescrição da receita agronômica é a orientação técnica sobre o uso do qualquer agrotóxico deve realizada por um profissional capacitado e legalmente habilitado (engenheiro agrônomo ou técnico agrícola), que se responsabiliza pela emissão da Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) e no acompanhamento técnico da aplicação dos produtos na cultura/solo, através do uso correto oferecendo a segurança da saúde pública. Contudo, a ART, conforme a Lei n° 6.496, de 7 de dezembro de 1977, se tornou apenas em uma prerrogativa burocrática para a concessão de crédito rural e na aquisição dos produtos. Essa fragilidade por certo, deveriam obrigatoriamente demandar uma abordagem mais eficaz por parte dos conselhos profissionais que regulam as atividades de serviços na área da agricultura, por se tratar de uma problemática de saúde pública e de meio ambiente.

Contudo, na realidade isso são outros quinhentos. Em uma dissertação de mestrado que sendo concluído por mim, sob a orientação do professor Dr. Valdecir José Zonin, realizada no curso no Programa de Pós- Graduação em Ciência e Tecnologia Ambiental na Universidade Federal da Fronteira Sul (PPGCTA-UFFS), levantamos dados amostrais entre os agricultores familiares nos municípios de Barão do Cotegipe, Sertão e Viadutos, sobre a disponibilidade de assistência técnica no uso dos agrotóxicos e na regulagem dos equipamentos utilizados. Os dados mostraram que 72,2% da amostra, os agricultores familiares não tiveram nenhuma orientação técnica e os agricultores realizaram as operações de preparo dos produtos e regulagem dos equipamentos por conta própria, para 9,3%, essa tarefa foi acompanhada por cooperativas as quais os agricultores são associados, 9,3% recebeu capacitação formal por  meio do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR) e 7,4% o acompanhamento foi realizado pela empresa que elaborou o projeto técnico de crédito. Significa dizer, que parte expressiva dos agricultores estão utilizando os agrotóxicos por conta própria sem acompanhamento técnico sistemático.

A polêmica sobre o uso do herbicida 2,4-D, apenas arranha e expõe uma parte muito reduzida sobre o problema do uso de produtos na agricultura que representam riscos à saúde e ao meio ambiente. No centro do debate está a necessária e urgente revisão do modelo agrícola embasado no crescente uso de agroquímicos, em que os agricultores estão sendo transformados em consumidores e primeiras vítimas da exposição e danos. Além disso, a problema revela a fragilidade e a precariedade das estruturas técnicas de apoio aos agricultores, especialmente, aqueles que se encontram em situação de vulnerabilidade social e produtiva.

A sociedade em geral exige produtos seguros e saudáveis, contudo, evita e escamoteia o debate em assumir abertamente que a atividade agrícola se transformou em atividade econômica. Além disso, os riscos da agricultura são privados, com pouco ou nenhuma política pública de proteção. Significa dizer, os agricultores necessitam ser remunerados pelo trabalho realizado na produção de alimentos e na adoção de técnicas que de igual forma, protejam, conservem e recuperem os passivos ambientais.

As demandas estruturais da agricultura e das regiões rurais não é uma problemática de mercado, é uma questão de Estado, mas duvido muito que venha a ser, no curto e médio prazos.

Eliziário Toledo

Sociólogo, mestre em Desenvolvimento Rural (PGDR/UFRGS – 2009), doutor em Desenvolvimento Sustentável (CDS-UnB – 2017), mestrando em Ciência e Tecnologia Ambiental (UFFS – 2018).

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