Pe. José Carlos Sala, Pároco da Paróquia Santa Luzia de Erechim, presidiu missa na igreja da sede paroquial, com apresentação oficial do novo quadro, chamado “Pantocrator”, nesta quarta-feira, 11. A missa contou com o coral N. Sra. de Fátima.
No final da celebração, Pe. Sala fez uma sucinta explicação do quadro, pintado pela artista plástica Ercilda Helfenstein Gadzinowski (1945), licenciada em Artes Plásticas pela Universidade Luterana do Brasil, com mais de 35 anos de experiência na prática e ensino de pintura.
Segundo Pe. Sala, “Pantocrator” é uma palavra de origem grega que significa “todo-poderoso” ou “onipotente”, palavra que ocorre seguidamente na versão grega do Novo Testamento, e provém de “pan” (“tudo ou todo” e “krátos” (do verbo “kratein”, que significa governar), ou então: “pan creator”, em latim, que significa: criador de todas as coisas.
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Abaixo, catequese do Pe. Sala sobre o quadro e também dados biográficos da artista do mesmo.
“O quadro artístico chamado ‘Pantocrator’”
“Seguramente, não podemos viver sem pão, mas também é impossível existir sem beleza… A beleza salvará o mundo!” (Fiódor Dostoiewski, escritor, filósofo, jornalista russo, 30/10/1821-28/01/1881)
Todos os povos buscaram na arte um caminho de acesso ao mistério, um vislumbre do sagrado. No cristianismo, a arte e a beleza sempre tiveram papel fundamental na expressão e manifestação da fé, especialmente pela arquitetura, pintura e música sacra. Todos nós já experimentamos este ‘deslumbramento’ ao entrarmos em alguma igreja e termos sido extasiados por alguma pintura, algum ícone sagrado, ou por alguma música vocal ou instrumental que, por uma força mistérica e oculta, nos transportou para o sagrado e nos convidou à contemplação e à oração!
A genuína arte sacra não é produto de um conceito puramente pessoal do artista, mas necessita estar em profunda sintonia com as razões fundamentais da fé. Portanto, a fonte de toda a arte sacra está na teologia e na liturgia. Todo o artista cristão, além de homem/mulher de fé, deve buscar nas sendas da teologia e da liturgia as razões para o fazer artístico. “Fostes integrados na construção que tem como fundamento os apóstolos e os profetas, e o próprio Jesus Cristo como pedra mestra” (Ef 2,20).
Em sintonia com estes princípios da arte sacra, a igreja da Paróquia Santa Luzia – Diocese de Erexim – passou por singela restauração (projeto de Rose Hachmann e Cassio Kursvel, arquitetura e urbanismo), e incluiu nela uma pintura do Cristo na parede de fundo do presbitério, bem ao centro, tornando o interior da igreja um espaço Cristocêntrico, de modo que, de todos os pontos somos convidados a nos voltarmos para o centro, para o Cristo. Ele domina os olhares de todos os que entram no templo.
Esta obra, chamada de PANTOCRATOR, pode ser vista em muitas igrejas. Com alguns traços próprios de cada artista, contudo, a obra é inspirada na iconografia oriental da igreja dos primeiros séculos e seus elementos principais aparecem de maneira muito clara na explicação de seus significados. Cada gesto, cada tom, cada cor, cada detalhe tem um significado. Não quer ser uma fotografia, tampouco um elemento decorativo, mas um quadro teológico e catequético, que possa ajudar os fiéis na educação e formação da fé e crescimento da espiritualidade; uma visão do sagrado que proporcione a compreensão do mundo espiritual para a nossa capacidade de entendimento terreno, um instrumento de Deus que nos oriente para a contemplação do absoluto.
O projeto foi idealizado pelo pároco, Pe. José Carlos Sala, e executado pela artista plástica Ercilda Helfenstein Gadsinovski.
O PANTOCRATOR
Nas restaurações dos presbitérios e demais espaços para a celebração litúrgica, a Igreja Católica, a partir da reforma litúrgica do Concílio Vaticano II, vem adotando a representação clássica e hierática do Cristo denominada PANTOCRATOR, a representação mais genuína da tradição cristã para se referir ao Cristo. “Pantocrator” é uma palavra de origem grega que significa “todo-poderoso” ou “onipotente”, palavra que ocorre seguidamente na versão grega do Novo Testamento, e provém de “pan” (“tudo ou todo” e “krátos” (do verbo “kratein”, que significa governar), ou então: “pan creator”, em latim, que significa: criador de todas as coisas.
O semblante tem expressão de autoridade segura e olhar de misericórdia. Ao fixarmos o nosso olhar no olhar do Cristo, encontramo-nos com o todo-misericordioso e cheio de compaixão: “… Jesus viu uma grande multidão e encheu-se de compaixão por eles, porque eram como ovelhas que não tem pastor” (Mc 6,34); o Deus que, movido de compaixão, vai ao encontro do povo que sofre: “… eu vi a opressão do meu povo” (Ex 3,7). Ao nos encontrarmos com o olhar de Cristo, sentimos sua presença de ternura, compaixão, bondade e misericórdia! Um amor que vai até ao limite de doar a própria vida. Seu olhar revela presença que renova a vida, especialmente onde a vida está indefesa, ameaçada, oprimida e machucada: “Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10,10).
Está sentado ao trono, a reger e governar tudo o que foi criado. A posição frontal de seu rosto sugere que Ele é quem se dirige a nós, antes de nós nos voltarmos para Ele. “Deus nos amou primeiro”, o nosso amor é apenas uma resposta ao anterior amor de Deus (cf. 1 Jo 4,19). Ele é anterior a nós e não é refém de sentimentos humanos. Ele é simplesmente o Cristo de Deus, o que o Pantocrator expressa para quem se aproxima do altar da partilha. É ele que fala quando se leem as sagradas escrituras; é ele quem preside a mesa Eucarística quando os fiéis se reúnem em comunhão (Cf. SC 7). É o centro de convergência do Antigo e do Novo Testamento.
O rosto do Cristo, com barba larga e cabelos longos é inspirado no “mandylion”, tecido sobre o qual ficou expresso seu rosto quando do encontro com Verônica no caminho do calvário.
Ele é o ressuscitado por ter passado pela cruz e recebe do Pai o domínio de todo o universo. Os sinais do ressuscitado estão expressos nas marcas dos pregos da cruz nos pés e mãos.
Ele tem uma túnica vermelha, sinal de sua humanidade, sinal do martírio e da vida doada. Sobre a túnica, um manto azul, sinal de sua natureza divina, vindo da parte de Deus.
O fundo em ouro, material mais nobre da natureza, representa a luz pura, o imutável, o ambiente divino onde se desenvolve a cena.
O círculo grande que envolve o Cristo proporciona o encontro do nosso ‘eu’ com o centro do círculo. Este encontro mostra nossa espiritual peregrinação para a centralidade que é o próprio Deus criador de todas as coisas na pessoa de Jesus Cristo, imagem do Pai: “Quem me vê, vê também aquele que me enviou” (Jo 12,45).
Dentro do círculo, aparecem sete estrelas e sete lamparinas. As estrelas (lado direito do Cristo) representam os sete elementos da natureza: terra, água, ar, fogo, fauna, flora e homem. Ele é o Cristo a governar toda a obra criada. “… por causa dele foram criadas todas as coisas no céu e na terra, as visíveis e as invisíveis… Tudo foi criado por meio dele e para ele e todas as coisas tem nele a sua consistência” (cf Cl 1,16-17).
As sete lamparinas (lado esquerdo do Cristo) trazem o equilíbrio e harmonia dos dons do Espírito Santo: Ciência, Fortaleza, Conselho, Piedade, Sabedoria, Entendimento e Temor de Deus (cf. Is 11, 2-3). E ainda, “Ninguém pode dizer: Jesus é o Senhor, a não ser no Espírito Santo” (1Cor 12,3b).
A cabeça do Cristo está envolta pela Auréola, sinal de santidade e glória. No interior da Auréola sobressaem as hastes da cruz, Aquele que transformou a cruz em glória. Dentro da Auréola estão as letras IC XC que correspondem ao anagrama grego do nome de Cristo. A Auréola vem na cor dourada, esta cor tem o perfil da luz dourada do Sol, da luz de Deus, a plena luz divina.
A sua mão direita é um gesto de bênção. A junção dos dedos indicador e médio traz consigo o sinal dogmático das duas naturezas de Cristo: divina e humana, Jesus 100% Deus e 100 % homem. “Um só e mesmo Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, perfeito em sua divindade e perfeito em sua humanidade; verdadeiro Deus e verdadeiro homem, composto de alma racional e de corpo consubstancial ao Pai segundo a divindade consubstancial a nós segunda a humanidade, ‘semelhante a nós em tudo, com exceção do pecado” (Hb 4,14); gerado pelo Pai antes de todos os séculos segunda a divindade para nós e para a nossa salvação, nascido da Virgem Maria, mãe de Deus, segundo a humanidade” (Catecismo da Igreja Católica, 467). As duas naturezas, humana e divina, também estão expressas na túnica e no manto, conforme acima citado.
Ainda, a posição dos dedos tem um significado simbólico, reproduz o anagrama IC XC, referindo-se a Cristo. Assim, quando o Sacerdote abençoa, ele sempre o faz em nome de Cristo e nunca em nome próprio. Não é o padre que abençoe, ele transmite a bênção dada pelo próprio Cristo. Esta posição dos dedos refere-se à bênção à maneira grega, presente nos princípios da iconografia sacra.
I: indicador em forma de I; C: dedo médio curvado em forma de C; X: anular e mínimo cruzados formando o X; C: mínimo em obliquidade formando o C.
Aos pés do Cristo estão ervas aromáticas e resinas acesas purificando o ar do espaço sagrado onde reside o Cristo. O incenso simboliza nossa adoração e oração. Sempre que nos encontramos, nossa oração é como incenso, fazendo jus às palavras proferidas pelo salmista: “Seja a minha oração como incenso à tua presença, minhas mãos erguidas como oferta vespertina!” (Sl 141, 2).
Na parte inferior externa do círculo está uma videira, árvore da vida, e sobre ela duas pombas com ramos verdes, numa referência às aves que anunciaram o fim do dilúvio e o início de uma vida nova: “Pela tardinha, a pomba voltou com uma folha de oliveira recém arrancada do bico. Assim Noé compreendeu que as águas se haviam retirado da terra” (Gn 8,11).
A árvore tem grande simbologia nos evangelhos e isto está bem expresso no evangelho de João: “Eu sou a videira, e meu Pai é o Agricultor” (Jo 15,1). Comporta também as afirmações de São Paulo: “De fato, o corpo é um só, mas tem muitos membros; e no entanto, apesar de serem muitos, todos os membros do corpo formam um só corpo. Assim acontece também com Cristo” (ICor 12,12). A árvore, portanto, representa cada fiel na participação desta Igreja que Cristo é a cabeça. Nesta árvore, estamos todos nós, a Igreja toda.
Em sua mão esquerda, o Cristo traz a Palavra, com a inscrição “Eu sou a luz” (Jo 8,12). A paróquia tem como padroeira Santa Luzia, que é protetora dos olhos. Assim, o Cristo é a luz da vida, da alma e de toda a existência. Onde está Jesus, aí está a luz! Na fronte, há uma luz mais forte que no restante do rosto, simbolizando que Ele transmite luz, em sintonia com a inscrição no livro.
DAS CORES
As cores possuem um significado na iconografia sacra, expressas nesta obra:
Branco: Vida nova, símbolo da luz e da vida que vence a morte.
Azul: De natureza divina, da parte de Deus, divino. Também simboliza o caminho da fé.
Vermelho: De natureza humana, humanidade; também representa o martírio, o sacrifício, a entrega.
Dourado: Nobreza, realeza.
Verde: Símbolo da regeneração da humanidade, crescimento, fertilidade, nova vida; também é símbolo da igreja viva.
Marron terra: O tempo, a eternidade.
Destes significados, resulta a explicação da obra, a partir do sentido das cores:
No tempo, na eternidade (marron terra claro), surge uma vida nova (branco do círculo) vinda da parte de Deus (azul no interior do círculo), com características de realeza, nobreza (dourado) e santidade (auréola). Ele é o Rei (sentado no trono real) a governar todas as coisas criadas (estrelas), sob a efusão do Espírito Santo (lamparinas) e olhar cheio de misericórdia e compaixão (olhar); Ele é luz dos povos(livro e luz da fronte) e traz a bênção da vida (mão). Ele é de natureza divina (azul da túnica) e humana (manto vermelho), e é o louvor de toda a Igreja (árvore) em oração (incenso).
Que a arte nos ajude na percepção das maravilhas que Deus realiza no mundo, nas pessoas, e em cada um de nós; que a arte nos impulsione ao amor a Deus e aos irmãos; que a arte nos incentive no fortalecimento e crescimento da fé e da espiritualidade; que a arte nos revele a beleza da liturgia e da participação comunitária; que a arte e a beleza nos apontem o caminho de acesso ao sagrado, para o encontro com o mistério, Deus vivo e presente entre nós!
Pe. José Carlos Sala, Pároco da Paróquia Santa Luzia.
Dados biográficos de Ercilda Helfenstein Gadzinowski
Nasceu em 1945. É licenciada em Artes Plásticas pela Universidade Luterana do Brasil, possui mais de 35 anos de experiência na prática e ensino de pintura. Radicada em POA, onde realizou sua carreira profissional, com aulas particulares, e ministrando cursos no Ministério da fazenda, Fundação Gaúcha do Trabalho, Associação dos Funcionários Municipais de POA, Serviço Social do Comércio (SESC), entre outros.
Realizou diversas exposições individuais e coletivas, entre elas, a I e II Bienais da América Latina. Participou de júris de arte da Secretaria Municipal da Cultura de POA e teve seu trabalho reconhecido por prêmios como o da Casa do Poeta Riograndense e Troféu Pagenador.
Exposição coletiva sobre Arte Sacra – óleo sobre tela – Espaço Cultural Panatieri – Rio Pardo – RS, ente outras inúmeras exposições.
Ilustração de poema de Mário Quintana, entre outras obras.
Pessoa de muita fé e espiritualidade, sempre pintou quadros sacros e aceitou o convite de pintar o Pantocrator na igreja Santa Luzia.