Santos, demônios e salvadores da pátria
I
É com grande alegria que assumo a tarefa de assinar uma coluna mensal no Jornal Boa Vista. Pretendo usar esse espaço para tratar de temas relacionados ao contexto político, econômico, social e cultural da cidade, do estado e do país. Eventualmente, também espero me aventurar por outros assuntos, como as relações internacionais, os esportes e a seara das relações humanas, sempre tão complexa, profunda e contraditória.
Minha bússola será o cotidiano e, desde já, informo os leitores que comentários, críticas e sugestões serão sempre bem-vindos.
Escrever em um jornal permitirá que minhas ideias circulem e que meus escritos sejam lidos, mas também é uma oportunidade de troca e de partilha. É assim que entendo o privilégio de ter acesso a esse espaço mensal.
II
Como estamos iniciando um importante ano eleitoral, que desencadeará o pleito mais polarizado do período pós-redemocratização no Brasil, início a minha participação nesse espaço tratando de um tema que julgo da maior importância e que pode ser sistematizado em duas perguntas: o que podemos esperar das eleições presidenciais de 2018?
Será que a santificação – ou a demonização – de figuras políticas, bem como a tentativa de encontrar um novo “salvador da pátria”, serão a tônica da campanha presidencial? São questões complexas, para as quais qualquer resposta não parecerá suficiente. Por isso, espero pelo menos oferecer uma reflexão mínima sobre uma característica importante da nossa jovem democracia.
III
As democracias representativas contemporâneas têm contribuído para a construção de santos e demônios, figuras míticas que representam a encarnação do bem para alguns e do mal para outros.
No Brasil não é diferente, com o agravante da extrema personalização do processo político. Isso não é novidade, pois esse movimento se inicia no período das capitanias hereditárias, atravessa o período colonial, se expressa no coronelismo e na ideia do “homem público iluminado”, ator histórico que se coloca acima da coletividade.
Atualmente esse personagem se materializa na figura do líder carismático, que habita nosso inconsciente e que dificilmente será desconstruída na disputa presidencial de 2018.
IV
Como mencionei acima, vivemos um contexto político de polarização no país. O impeachment de Dilma Rousseff abriu a “caixa de pandora” e não parece restar qualquer possibilidade de diálogo entre os grupos antagônicos que compõem a cena política nacional. Isso faz com que acordos mínimos não sejam possíveis, e sequer pareça viável o estabelecimento de critérios consensuados para a realização de eleições em um clima de respeito e tolerância. Isso significa um país dividido e fraturado, com seus ossos expostos em praça pública.
V
Contudo, se engana quem imagina que tais grupos divergem em absolutamente tudo. Há um aspecto que os une: a defesa, quase inconsciente, de que em 2018 devemos apostar todas as fichas em um “salvador da pátria”, portador de carta branca para colocar o Brasil nos eixos. E isso é profundamente problemático, porque nos impedirá de discutir aquilo que é mais importante e substantivo: a necessidade de referendar nas urnas um projeto de país diferente do que temos hoje, que seja oriundo de um processo de construção coletiva mediante a participação cidadã.
VI
Acima de tudo, as eleições presidenciais deveriam ser o grande momento de discutir um novo projeto de nação, de reafirmar certezas e de corrigir rumos. Entretanto, a cada quatro anos preferimos apostar na figura mítica do “salvador da pátria”, aquele que receberá o cheque em branco para resolver nossos problemas. Isso ocorre porque ainda não conseguimos construir uma cidadania substantiva no Brasil.
Clientelismo, compra de votos e descaso com a política ainda são traços característicos de um país desigual e injusto.
VII
Mas afinal, quem serão os santos, os demônios e os salvadores da pátria dessa nova jornada?
Em breve o cenário eleitoral ficará mais claro e as cartas estarão todas na mesa, de modo que nos restará (lamentavelmente) apostar nossas fichas novamente em um cenário que não é dos mais favoráveis em termos democráticos. Precisamos de uma mudança de cenário, e isso depende principalmente da construção de uma cidadania ativa e esclarecida. Precisamos começar, mesmo que a belicosidade de um ambiente político polarizado seja pouco propício para isso.
Por Luís Fernando Santos Corrêa da Silva