Conheça Andressa Collet, a jornalista erechinense que ‘assessora’ o Papa Francisco
Entre suas atribuições na Rádio Vaticano, onde trabalha há três anos, Andressa está ajudando a construir uma nova forma de comunicação da Igreja Católica com a sociedade, mais voltada ao digital
Natural de Erechim, Andressa Collet nasceu na noite de 30 de julho de 1979 e meia hora depois do seu irmão gêmeo, Diego. Tem ainda dois irmãos mais velhos, Ariane e Rafael, todos frutos do enlace de Rovilio Collet e Rita Edite (in memorian).
Casada há seis anos com Marcelo Moreira, conhecido no futsal brasileiro como Vereia, mora na Itália há mais de uma década. Foi em Roma que conquistou o mais recente título na área da Comunicação, já que é jornalista formada pela UPF (2000); em dezembro de 2016 concluiu o Doutorado – com ênfase em telejornalismo e bolsa internacional de estudos da USP/SP – na Università La Sapienza. Na mesma instituição romana fez o Master em Rádio (2010), com oportunidade de estágio dentro da RAI Itália, através do programa diário ‘Radio Scienza’.
Seu percurso profissional vai atingindo a marca de 20 anos, iniciados com a tutoria de Neivo Fabris, quando estagiária do Jornal ‘A Voz da Serra’ de Getúlio Vargas. Na época, ainda passou pela sede do impresso em Erechim. Tem também experiência em assessoria de imprensa e geração de conteúdo para redes sociais, com trabalhos voluntários no Grupo Jupem e, atualmente, no Grupo Amigos da Alegria. Uma saudosa paixão é a área do telejornalismo – foi repórter, editora e apresentadora da RBS TV Erechim por seis anos.
Já na Itália, e depois de um estágio que abriu as portas na Secretaria para a Comunicação da Santa Sé, em 2008, há três anos trabalha na redação brasileira da Rádio Vaticano como repórter, produtora, locutora de programas diários que vão em onda, ao vivo, na rede católica de rádio no Brasil, além de desenvolver as mais novas competências exigidas na era digital: como community manager e geração de conteúdo e edição de vídeos para social media.
‘O Papa Francisco quer sempre estar em contato com as pessoas, abraçando, quebrando protocolos, dando seu exemplo através do seu gesto e de sinais concretos, sem precisar estar num nível superior. É gente como a gente’.
Na entrevista que segue, Andressa fala dos aprendizados com o Papa Francisco; revela bastidores do Vaticano; faz planos (que incluem a chegada do primeiro filho, Leonardo, no começo de 2018); e dá dicas para os brasileiros que, por medo ou comodismo, relutam em deixar suas respectivas zonas de conforto para trás a fim de alcançar/buscar seus sonhos, onde quer que eles estejam.
Vale a leitura.
– Desde 2006 você mora na Itália. Por que decidiu deixar o Brasil? Saiu daqui com a perspectiva de atuar na área jornalística?
Foi uma decisão conjunta entre Marcelo e eu: ele, com garantia de contrato de atuação no futsal italiano; eu, intencionada a arriscar a minha vida explorando um outro mundo, além dos limites de Erechim, aquele italiano – já tão vivido em família. De fato, a coragem si è fatta padrona, diriam por aqui: pedi demissão da RBS TV para morar no exterior e sem nem mesmo vislumbrar um trabalho na área da Comunicação, mas para estudar. Logo ao chegar na Itália consegui a dupla cidadania e investi primeiramente na língua do país, pra depois me lançar aos cursos de pós-graduação e, aos poucos, abrir o caminho em âmbito profissional.
– Como foi chegar à Rádio Vaticano? Por que escolheu este caminho? Por quais processos seletivos você teve que passar para chegar aí?
A Rádio Vaticano surgiu de maneira coerente a quem procura emprego. No exterior, em especial, busquei contatos nos veículos brasileiros com atuação na Itália ou que trabalhavam com o português. Desde sempre me questionam se procurei a Ilze Scamparini, correspondente da Rede Globo na Itália, por exemplo. Foi a primeira com quem tive contato, inclusive por sermos da área do telejornalismo, mas o trabalho ali consiste na eterna dupla: repórter e cinegrafista e ponto. E meus currículos giraram um pouco, inclusive passando pela redação brasileira da “Rádio do Papa”, até então desconhecida pra mim. Soube pela minha sogra que um dos jornalistas da equipe tinha feito carreira na cidade dela, em Pato Branco/PR, e há anos trabalhava no Vaticano. Foi pra quem entreguei o meu CV e, hoje, Silvonei Protz é meu chefe direto. Entrei como estagiária, sem remuneração, ne, por isso, não passei por processo seletivo, mas análise de currículo. E, como sempre lembra o meu pai, ao parafrasear Pasteur, de que as oportunidades aparecem para as mentes preparadas, minha experiência na área deve ter me conduzido para os caminhos que hoje, pian piano, continuo trilhando dentro do Vaticano. Afinal, as chances mais claras na Rádio do Papa aconteceram depois de mais de cinco anos. A paciência também é uma virtude filha do amadurecimento humano.
– Qual é o seu papel/atuação na Rádio? Há outros brasileiros, ou latino-americanos, trabalhando contigo?
Atuo em diferentes frentes dentro da redação brasileira da Rádio Vaticano. Nesse contexto, é oportuno acrescentar que o local de trabalho agrega redações de mais de 30 idiomas diferentes, correspondentes aos seus países de abrangência no mundo inteiro para transmitir as notícias sobre o Papa e a Igreja católica. Só no nosso âmbito, são 8 brasileiros trabalhando, sendo que ainda há a redação paralela dos colegas de Portugal. Já a equipe espanhola agrega jornalistas tanto da América Latina como da Espanha, por exemplo. Atualmente e a pedido de Francisco, vivemos um período de reforma na mídia do Vaticano. As práticas e as dinâmicas de comunicação mudaram, sobretudo justificadas pelas novas exigências do contexto digital, e como já está acontecendo em importantes veículos de referência internacional, a mídia vaticana está reunindo distintos produtos jornalísticos (desde sempre tradicionais, como rádio, TV, jornal, agência de notícias, editora, serviço fotográfico e tipografia) num único sistema que responda de maneira coerente e mais eficaz aos objetivos internos. Tem sido uma das experiências mais enriquecedoras da minha carreira. Com passagens por outros veículos de comunicação e, sobretudo, por outras editorias, o trabalho de “assessoria” do Papa é, sem dúvidas, um dos mais valorosos que já tive. Além da cobertura diária, da própria Cidade do Vaticano acompanhamos Francisco em viagens apostólicas e audiências com representações oficiais realizadas em diferentes partes do mundo: tudo é transmitido ao vivo pelas TVs católicas no Brasil, com tradução em real time pelos profissionais da nossa redação. Sou insistentemente motivada para uma cultura em que o bem, a paz, a tolerância prevalecem. Já tenho um direcionamento familiar que me conduz a olhar o próximo com amor, mas o resplandecer diário desse estímulo vindo pelo Papa Francisco é transformador. Claro, é importante que também nós, como profissionais, saibamos dar a abertura necessária para pensar dessa forma, não nos deixando sufocar pela armadilha de uma cobertura que pode virar uma rotina por nada inspiradora.
‘O mundo é mais humano desde que Jorge Bergoglio virou o Sucessor de Pedro. Ele é primeiro ação; depois, comunicação’.
– Considerando a realidade financeira do jornalista no Brasil, a Rádio paga bem?
Pelo menos na Itália, não existe uma distinção de salário por categorias profissionais, mas uma equiparação de remunerações-base que já conseguem dar o mínimo de qualidade de vida para os italianos. Obviamente que problemas, como altas taxas de desemprego entre jovens, existem e persistem, principalmente em se tratando de estrangeiros e com qualificação. Mesmo assim, se a questão é comparar a vida de um jornalista na Itália e outro no Brasil, posso resumir de uma intensa análise que se vive melhor aqui porque não nos deparamos diariamente com necessidades básicas inflacionadas como no Brasil; não precisamos pagar altos preços para fazer mercado, para tomar café diariamente no bar, para pagar as contas de casa, para a consulta médica, para fazer cursos de aperfeiçoamento e così via. A Rádio, como o trabalho de gari, pagam o suficiente para se viver bem. O currículo de cada um é que depois direciona para cima ou para baixo.
– O mundo sofre com divisões, guerras pontuais, ameaças de guerra, crises de refugiados e um sentimento de intolerância crescente. Como você encara o papel do Papa Francisco neste cenário?
Interessante ponderar essa questão, visto que o Brasil e a nossa própria Erechim parecem viver muito distante de uma realidade que pra nós, aqui na Itália, é quotidiana. E o Papa trata dela todos os dias, seja através do seu exemplo, das homilias, dos discursos pontuais em audiências ou das mensagens enviadas a diferentes partes do mundo. Eu não só concordo com a sua postura, que é também a da Igreja Católica por ser o seu representante máximo, como penso que o mundo é mais humano desde que Jorge Bergoglio virou o Sucessor de Pedro. E faço um exemplo simples e que toca na ferida brasileira, tão necessitada de pessoas assim: o Papa Francisco é primeiro ação; depois, comunicação. Dois pilares fundamentais do seu pontificado! Explico: o Papa Francisco é um fiel representante de Jesus por aqui, quer sempre estar em contato com as pessoas, abraçando, cumprimentando, quebrando protocolos, dando seu exemplo através do seu gesto e de sinais concretos, sem precisar estar num nível superior a nós, pobres mortais, usando da posição de Sucessor de Pedro para conduzir a Igreja. Por isso das suas máximas de “cultura do encontro”, “Igreja em saída”, “pastor com o cheiro das ovelhas”, “Igreja pobre para os pobres”. É de conhecimento de todos que Francisco renunciou, inclusive, a diversos privilégios como Pontífice, por exemplo. O seu testemunho vivo também acontece através de visitas-surpresa em praças, hospitais, entidades assistenciais e prisões, e numa tarde qualquer quando vai até uma ótica no centro histórico de Roma para trocar as lentes dos óculos. Nesse contexto todo, a linguagem usada por Bergoglio para passar a mensagem do Evangelho e da nossa missão por aqui é compreensível e sem amarras e barganhas. Como Jesus, o Papa Francisco vai sempre direto ao ponto para transmitir a sua mensagem também através da palavra, criativa e muitas vezes por nada convencional, através de parábolas, metáforas e situações curiosas vividas na Argentina, por exemplo, e ainda usa das tecnologias digitais para diminuir a distância com os fiéis: ele sabe da importância dos novos meios de comunicação para favorecer esse diálogo direto. Pra mim, o mundo já está mudanco com pessoas assim: como o Papa Francisco e como o meu pai, já que são idênticos!
‘O mundo é uma ervilha. Muitas são as possibilidades pra se conseguir uma bolsa de estudos hoje, desde a graduação até o PhD’.
– Quantas vezes você já se encontrou com o Papa Francisco? E, quando teve tal oportunidade, o que ele te disse? Como ele é no dia a dia? Aliás, você já teve contato também com o Papa Bento XVI?
Antecipo que meus contatos, de diferentes maneiras, foram com os últimos três Papas. Em 1996, quando da minha primeira vinda à Europa, em turnê com o Grupo Jupem, participamos de uma das tradicionais Audiências Gerais das quartas-feiras, na Sala Paulo VI, no Vaticano. Uns pilchados e outros vestidos com trajes típicos da Polônia – o mesmo país do pontífice de então – cantamos “A bênção João de Deus” para João Paulo II. Ele realmente nos escutou ao “nos perceber” em meio à multidão de fiéis. Durante o pontificado de Bento XVI, minha experiência já foi como cidadã italiana morando em Roma. Então, era frequente irmos à Praça São Pedro durante as celebrações presididas pelo Papa para vê-lo, principalmente, quando do seu passeio pelo local com o papamóvel. Em se tratando do Papa Francisco, e já trabalhando na Rádio Vaticano, nunca tive a possibilidade de entrevistá-lo (coisa rara inclusive para funcionários da casa). Mas fui convidada para ler uma prece durante uma celebração oficial na Basílica de São Pedro, presidida pelo Pontífice, em 2015. Meu contato mais próximo, porém, finalmente aconteceu na Páscoa deste ano (2017): depois de trabalhar na transmissão da celebração do domingo de manhã, podíamos cumprimentar o Papa pessoalmente. E foi o que aconteceu: tive o privilégio de apertar a sua mão, de enaltecer e agradecer pela sua coragem por tudo o que vem fazendo pela humanidade. Também levei uma imagem de Nossa Senhora Desatadora dos Nós para ser abençoada e uma foto com a minha irmã, com a intenção de receber uma bênção especial para que ela conseguisse engravidar. Foi quando percebi que o Papa estava realmente me ouvindo, pois disse para rezarmos para São Raimundo Nonato. A surpresa pós-encontro? Fiquei eu grávida, um mês depois.
– Defina o Vaticano em uma frase, por favor.
O Vaticano é tão inalcançável, como tão perto, do outro lado da rua.
– Defina o Papa Francisco em uma frase, por favor.
O Papa Francisco é gente como a gente.
– O que a Igreja Católica precisa fazer, em sua opinião, para frear a perda de fiéis?
Talvez a ideia da perda de fiéis esteja ligada ao inserimento sempre mais presente, no Brasil, de outras confissões religiosas. Mas tenho percebido que o Papa tem agregado ainda mais fiéis ao seu rebanho, e acredito ser um abraço dos mais afetuosos esse, e não o contrário. Seguindo “religiosamente” o exemplo de Francisco, posso dizer que acabei me transformando numa pessoa ainda mais tolerante e humana e não acredito que as divisões e os maledetti muros possam somar. Por isso, independente do direcionamento, cristão ou não, penso que a busca pela espiritualidade seja fundamental para o ser humano, para sua vida diária, para criar sociedades mais justas e um futuro diferente para as novas gerações.
– Aproveitando sua vivência na Itália, qual é a imagem que o europeu tem do Brasil hoje? Por quê?
Não que seja somente a minha opinião, mas é o senso comum mesmo, e o de sempre, pelo menos desde que nós chegamos em 2006: um Brasil só com belezas naturais – e sem problemas econômicos-políticos-sociais, que fala espanhol; e não o português; um país do futebol, do Rio de Janeiro, do “lado B” das mulheres, do Carnaval, do jogador de futebol Paulo Roberto Falcão – esse para os romanos, pois quando faço referência a Porto Alegre pra falar de Erechim, todos lembram dele que foi considerado o oitavo rei de Roma.
– Que mensagem você gostaria de deixar para os brasileiros que sonham em ir atrás de seus objetivos, incluindo a mudança de país, e não o fazem por medo ou comodismo.
A vida é única! Confesso que, na época, em 2006 quando tomei a decisão de vir à Itália, não sei ao certo se realmente deixei o medo e o comodismo de lado, se investi na coragem ou o quê… O que sei é que queria mudar. A minha escolha foi instintiva e tudo se conduziu para assim acontecer. Por isso, eu diria pra buscar as oportunidades e fazer de tudo para abraçá-las! Hoje o mundo é uma ervilha, a globalização já virou conceito arcaico e tudo é mais fácil, sim! Percebo, porém, que o que falta é “a busca de”. Eu não fui orientada naquele tempo, mas posso dizer que muitas são as possibilidades pra se conseguir uma bolsa de estudos hoje, desde a graduação até o PhD, pra amenizar uma das principais barreiras na mudança de país: o investimento financeiro. Aconselho a se munir com tudo o que é informação sobre as oportunidades para que, ao se confirmar uma delas, e mesmo assim o medo imperar, ir com medo mesmo! Ele acaba sendo um combustível para encarar o desafio seguinte. Sempre fui assim e perante muitas dificuldades vividas até hoje por aqui, em que se mata um leão por dia por ser estrangeiro e sem o contexto rebolado ‘brasileiro de ser’: digo Sim na hora! Depois eu me resolvo com aquela ansiedade que às vezes se transforma em gastrite. O máximo que pode acontecer, como eu me repetia sempre em 2006, “terei a casa do pai pra voltar” (espero que ele não tenha ficado me esperando!).
‘O Vaticano é tão inalcançável, como tão perto, do outro lado da rua’.
– Onde você pensa em estar daqui a 10 anos?
Aqui na Itália, obviamente. Mas se o destino me fizer voltar ao Brasil, a gente arregaça as mangas e começa tudo de novo!
Por Salus Loch