No mês de novembro de 2018, escrevi para esta coluna tratando dos desmandos e mazelas cometidas pela omissão onipresente do Estado e do desinteresse da sociedade pela temática ambiental. Essa percepção pode ser traduzida na quantidade de eventos e na impunidade dos desastres sociais e ambientais, inclusive, há poucos dias, como o apoio de muita gente “esclarecida”, se aventava, por meio da descoberta da “nova política”, em extinguir o Ministério de Meio Ambiente, que escapou por pouco da degola ministerial.
O fato é que os temas relacionados como o meio ambiente não tiram o sono dos governantes, da maioria da classe política, de grande parte das organizações da sociedade civil e por extensão do povo brasileiro. Um brevíssimo exemplo, foi o debate sobre as mudanças no Código Florestal em 2012, em que agricultores (pequenos ou grandes), políticos, empresários da agricultura se uniram e se empenharam com unhas de dentes para reduzir a proteção ambiental da legislação e perdoar, inclusive, as infrações cometidas e as multas aplicadas. Os ambientalistas se desdobraram sem sucesso em defender mais rigor na legislação.
Infelizmente, nos últimos dias, o noticiário dos jornais, da tevê e das mídias sociais tem sido preenchido pelos acontecimentos desastrosos ocorridos na cidade de Brumadinho em Minas Gerais. Até agora em que escrevo essa coluna, foram resgatados 165 mortos e 155 ainda continuam desaparecidos, além da destruição ambiental que ainda não é sabido a extensão dos danos. O evento tem sido apontado por especialistas, como uma das maiores “tragédias” ambientais brasileiras, mas isso, na verdade tem outro nome!
O sentido de tragédia para a filosofia diz se tratar de um evento que não pode ser evitado, pois foi definido pelos vontade dos “deuses”, como por exemplo, um terremoto. No caso de Mariana ou de Brumadinho e tantos outros eventos ambientais que resultam em perdas de vidas humanas e materiais, o nome correto desse acontecimento é drama, que pode ser evitado pela ação das mãos dos homens.
O rompimento de barragens de qualquer tipo é um desastre se enquadra na modalidade de potencialização das ameaças e sinais que não foram observadas, fiscalizadas e traduzidas por meio da leniência do Estado (União, Estado e Munícipio) e da maioria das empresas. Infelizmente, essa é uma marca consagrada dessa grande fábrica de “pizzas” chamada Brasil.
E isso não pode ser traduzido como a “vontade dos deuses”, é um misto de ignorância, pensamento mágico de que tudo vai dar certo, má vontade e irresponsabilidade contumaz.
Essa pizzaria gigante se consolidou graças ao conluio do Estado com as oligarquias econômicas e políticas erguido sobre o esteio estrutural do clientelismo e familismo, operados por meio da omissão criminosa, segregação social, displicência e má vontade e quase sempre utilizados em larga escala para o achaque, maus tratos e ao abandono à própria sorte, sobretudo, dos mais fragilizados. Afinal, o sofrimento foi transformado em sórdida virtude.
De alguma forma, penso eu, que devíamos aprender com os erros cometidos, e fazer deles uma lição para tomar decisões acertadas, contudo, parece imperar em nosso meio um sentimento de indulgente frouxidão, imprevidência e desprezo generalizados pelas leis do país. Além disso, as decisões tomadas quase sempre miram de alguma forma, os interesses de algum grupo em particular, expressão do conluio abjeto entre o poder econômico e o poder político.
O meio ambiente se enquadra no âmbito dos direitos difusos, que são aqueles cujos titulares não podem ser especificados. São os fatos que determinam a ligação entre essas pessoas, cujos direitos não podem ser partidos, são indivisíveis. Se encontra aí a necessidade de proteção ao expressar que essa função é dever de toda a sociedade. Prefiro interpretar que da forma como nos relacionamos com a natureza, é uma obrigação que não pertence a ninguém. Afinal, rio ou floresta ou animais não falam, não reclamam, não fazem passeata e não votam.
Além disso, o desejo de posse de bens materiais transformou a natureza em uma espécie de almoxarifado de onde são retirados todos os elementos usados para atender as necessidades humanas. Por outro lado, a natureza é igualmente transformada em depósito de lixo. Aliás, o lixo é um problema do poder público, a obrigação da comunidade é colocar na calçada para que seja apanhado, e é só.
O fato é que essas tragédias inventadas não são tragédias são expressões melancólicas de uma sociedade ressentida do faz de conta, que leva pouco ou nada à sério, tudo é piada. Orgulha-se ser o brasileiro alegre, imbecil, imprevidente, racista, permissivo, autoritário, mas alegre, como se isso fosse uma grande virtude social. Há um fingimento de que se ensina, de que se aprende, que se pensa, quando na verdade, se odeia quem estuda, quem se aplica na busca do conhecimento libertador. Prefere-se os fartos, os dissimulados, os medíocres, os puxa-sacos e os bajuladores profissionais (o triunfar das nulidades, nos dizeres de Rui Barbosa), inclusive, alguns viram chefes e dirigentes a pronunciar e repetir a mesma ladainha.
Finge-se fazer política, legislar, governar, representar a todos. Pior, finge-se com o conluio infantilizado dos representados que parecem adorar a virtude da subserviência que prefere a politicalha populista de fala fácil, irresponsável e demagógica. E aos que se especializam em ser do contra e apenas denunciar, dificilmente tem sugestões para melhorar, porque é a crítica é pobre, rasa e rasteira. E depois das tragédias laboriosamente construídas, finge-se fiscalizar, em aplicar e cumprir a lei, finge-se sentir e comover com as vítimas até que venha o próximo desastre anunciado sem nada ou pouco tenha sido realizado para evitá-los.
Vivemos de espasmos nada mais do que espasmos, até que uma nova tragédia inventada venha nos tirar do imobilismo, ainda que seja por um breve e fugaz momento.
[1] Sociólogo, mestre em Desenvolvimento Rural (PGDR/UFRGS – 2009), doutor em Desenvolvimento Sustentável (CDS-UnB – 2017), mestrando em Ciência e Tecnologia Ambiental (UFFS – 2018).