Eis minha “falsa” coluna
I
Tempos curiosos esses que vivemos. Se ainda no século XIX, no Manifesto do Partido Comunista, Marx e Engels entendiam que “tudo que é sólido se desmancha no ar”, agora, no século XXI que se desabrocha, certezas e dúvidas competem cotidianamente na formação de nossas opiniões. Isso não chega a ser novidade na história, talvez o que seja novo é o aprofundamento do paradoxo no qual os sujeitos sérios e reflexivos são os que têm dúvidas, ao passo que os idiotas têm grandes certezas.
II
Ao sentar para escrever essa coluna mensal no Jornal Boa Vista, tive a interessante sensação de que sou um sujeito “sério e reflexivo”, visto que fui acometido de significativas dúvidas sobre o que, de fato, escrever. Mal comparando, vivi o dilema de grandes crônicas que, simplesmente, ficaram sem assunto diante do imperativo de escrever. No meu caso, os vários assuntos possíveis me deixaram sem um assunto. Ao poder escrever sobre tudo, quase não escrevi sobre nada. Então, apresento a vocês uma “falsa coluna” ou um “quase texto”. Lembrei do Vinicius de Moraes, no texto “o exercício da crônica” (“Para viver um grande amor: crônicas e poemas”, Companhia das Letras), quando reflete sobre o desafio do cronista e da impaciência do editor a espera do texto a ser publicado. No caso, a Sirley Ioppi é um “poço de sensibilidade”.
III
Poderia escrever sobre a última pesquisa que confirma as anteriores: somente um pouco mais do que 2% dos(as) jovens brasileiros(as) querem ser professores(as). Também poderia refletir sobre a neblina que faz desaparecer a cidade ao meu redor aqui em casa nesses primeiros dias de inverno em Erechim. Falar da (contra)reforma do Ensino Médio é ainda um assunto fundamental que deve estar em debate em nossa sociedade. Poderia discutir sobre a Copa do Mundo de futebol, sobre o Neymar, sobre o tombo do Tite na comemoração do gol no final do segundo jogo, sobre os atos machistas na Rússia (lá como cá), sobre tudo o que pensamos da seleção nacional e, talvez, ela não seja. Ou seja sim, ganhe novamente e cale os “secadores” (entre os quais não estou… na verdade, ou sou um “falso secador”).
Essa coluna poderia ser sobre política, promovendo um debate sobre o cenário estadual e nacional. Poderia refletir sobre o que explica o governador Sartori (MDB) estar na frente nas intenções de voto, mesmo submetendo o funcionalismo público (do executivo, diga-se de passagem, pois os demais poderes e o Ministério Público são inatacáveis – para eles, temos o “falso parcelamento”) à humilhação e sucateando a máquina do Estado (extinção de fundações e etc). Poderia pensar sobre as causas do “falso mito” estar liderando as pesquisas eleitorais à presidência da república em nossa cidade. Quem sabe, essa coluna poderia apresentar algum projeto de pesquisa ou extensão da UFFS, discutir a nova reitoria da URI (um Doutor em Educação como Reitor) ou a avalanche da EAD em Erechim. Eu não deveria mais me incomodar tanto com a mercadorização da educação, mas, paciência, me incomodo sim.
IV
Diante de tantas possibilidades, resolvi escrever essa “falsa” coluna. Pensando bem, eu sou mesmo um falso colunista. Espero, pelo tempo de formação, não ser completamente um “falso professor”, por mais que não me imagine nunca completamente formado. O dia que achar isso é o começo do meu fim como educador. Pensando um pouco mais, até que pode ser legal essa questão de ser um falso alguma coisa. Vivemos uma época de compartilhamento em redes sociais de falsas notícias, em que o melhor jogador de futebol da América em 2017 é, às vezes, um falso 9. Isso sem falar que temos um falso presidente no Brasil, um falso julgamento do Lula e um falso movimento de moralidade (quantos Josés Otávios Germanos (PP) temos por aí…). Até o pedido de “intervenção militar” é falso, visto que as pessoas não querem (acredito nisso, eu juro!) uma ditadura, mas estão expressando uma carência de autoridade (que não é o mesmo que autoritarismo).
V
Entre tantas falsidades, uma certeza (lá vem o idiota que habita em mim): essa “falsa” coluna, ao fim e ao cabo, vai se desmanchar no ar. Então, para que escrevê-la? Simples, porque acredito em Freud e Freire.
Curiosidade
As palavras têm força, sejam elas escritas ou faladas. Sabemos a importância histórica da escrita (na concepção tradicional divide história e pré-história), da criação da impressa e dos livros. Pela oralidade, nos socializamos e nos constituímos como seres de significados pela linguagem. Freud inventou um método clínico de tratamento de doenças psíquicas em que a possibilidade de cura se daria pela palavra. Paulo Freire entendia que nos humanizamos pela palavra e que ela tem uma grande importância no jogo político. Por isso, as palavras têm seus significados e eles mudam ao longo do tempo. Por exemplo, a palavra “idiota”.
Segundo o site “Significados”: do grego “idiótes” que significa “pessoa leiga, sem habilidade profissional”, por oposição àqueles que desenvolviam algum trabalho especializado. Na acepção original, idiota designava literalmente o cidadão privado, alguém que se dedicava apenas aos assuntos particulares em oposição ao cidadão que ocupava algum cargo público ou participava dos assuntos de ordem pública.
O termo evoluiu de forma depreciativa para caracterizar uma pessoa ignorante, simples, sem educação. Popularmente, um idiota é um indivíduo tolo, imbecil, desprovido de inteligência e de bom senso. Idiotice é o produto daquele que é idiota.
Na Psiquiatria, o idiota é aquele que sofre de “idiotia”, que é o diagnóstico atribuído ao indivíduo mentalmente deficiente, com grau avançado de atraso mental, ligado a lesões cerebrais. No estado de idiotia profunda, o portador desta patologia tem suas capacidades vitais reduzidas num estado semelhante ao coma.
Fonte: https://www.significados.com.br/idiota/.
Compartilhando leituras
Começo pelo subtítulo: “55 crônicas que contam a história da minha vida”. Conhecido do público gaúcho, o jornalista Paulo Sant’Ana (1939-2017) se notabilizou pelo seu gremismo extremado, pelos seus comentários na RBS TV e Rádio Gaúcha, mas, sobretudo, por sua coluna na última página do jornal Zero Hora. No livro “Eis o homem” (RBS Publicações, 2010) temos uma compilação de crônicas publicadas do polêmico jornalista. Bom de ler.
Por Thiago Ingrassia Pereira