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Controle social, possibilidades e limitações

Na trajetória política do Brasil, são poucos as experiências de participação da sociedade em fiscalizar os mandos e desmandos do Estado. E mesmo onde existiu (quase sempre tutelada por algum partido político) o processo não foi expressivamente incorporado pela comunidade. Nossa tradição política é marcada pela pouca transparência no trato com a res publica (a coisa pública). Essa fragilidade é ampliada pela quase ausência da cobrança por parte do cidadão por falta de crença no sistema ou por comodismo. Os canais de participação que existem foram criados quase todos de cima para baixo. Ou seja, quase sempre o cidadão é um intruso, afinal, a sociedade brasileira possui um recorte autoritário, centralizador e complacente, no pior sentido, de que alguém fará o trabalho em seu lugar.

Como exemplo, na aprovação do orçamento do município de Erechim não tinha mais do que dez pessoas da comunidade assistindo à seção da Câmara de Vereadores, excetuando a assessoria, cuja presença é obrigatória. Isso deveria gerar um algum tipo de estranheza e perplexidade, mas não gera! Parte da solução dos problemas está onde as pessoas residem, porém, a busca de transformações gera conflitos e incômodos.

Por que não as pessoas interessam por assuntos que diretamente lhes dizem respeito? A explicação: existe o desejo alguém fará o trabalho em nosso lugar, e os resultados esperados são os de sempre: as demandas mais basilares para a sociedade ficam para depois, embora, não faltem representantes para falar em nome dela, utilizando muitos gerúndios, vão “estar providenciando”.

as o que é controle social? É a capacidade da sociedade ao se expressar por meio das suas organizações em atuar na fiscalização das políticas públicas, juntamente com os órgãos do Estado (União, Estado, Município).

São possibilidades reais de acompanhar a correta aplicação dos recursos disponibilizados. Essa tarefa pode ser realizado por meio dos Conselhos Municipais, institucionalizados pela Constituição Federal de 1998 como órgãos auxiliares da administração pública.

Esse preâmbulo se faz necessário para comentar um fato que está na ordem da semana. No dia 07 de junho foi publicado nas páginas do jornal Estadão, reportagem sobre a emissão irregular da Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP) fiscalizadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) entre 2007 a 2017. A DAP é o documento que habilita os agricultores familiares, assentados da reforma agrária, quilombolas, pescadores artesanais e indígenas, ao acesso as linhas de crédito rural subsidiados com os recursos do Tesouro Nacional, destinados a cobrir as diferenças de taxas de juros, spreads e custos bancários do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF).

O relatório do TCU encontrou fortes “indícios de irregularidade” em 11% dos documentos analisados, o que representa mais de um milhão de declarações emitidas no período. Esse pequeno “descuido” representou até agora cerca de R$ 15 bilhões de prejuízo contabilizados nas contas públicas, devido ao enquadramento irregular de pessoas que não tinham direito de acesso aos incentivos do programa.

O documento enfatiza ainda um conjunto regular de omissões, a começar pela Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (SEAD) ao não cancelar imediatamente as DAPs irregulares. Diga-se de passagem, que para realizar o cancelamento do documento, as informações devem ser comunicadas pelas Entidades Emissoras ao conselho municipal, após averiguação da SEAD, cancela os documentos irregulares. As DAPs são emitidas por uma rede entidades emissoras que ocorre por meio do credenciamento de órgãos públicos, entidades representantes dos agricultores familiares, assentados, indígenas e quilombolas. Os seguintes critérios para o enquadramento devem ser observados: a área do estabelecimento rural; o quantitativo da força de trabalho familiar e da contratada na unidade de produção; a renda de origem no estabelecimento e fora dele; e, o local de residência.

Outro aspecto mencionado pelo TCU, foi a quase ausência do controle social local previsto em normativo legal. Apesar do aval protocolar dos conselhos municipais, a origem do problema está no ato da feitura da DAP no sistema, considerando que são organizações que atuam em nível local, teoricamente teriam condições de identificar com mais clareza os possíveis beneficiários que tem direito ao documento e dessa forma, evitar cometer equívocos.

O controle social das DAPs emitidas é de responsabilidade dos Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural em pelo menos uma ver por ano entre março e maio e, mas apenas 1,2% dos municípios aplicaram algum tipo de controle, que levou ao cancelamento de pouco menos de 0,2% das declarações emitidas nos 10 anos avaliados.

O recado dado pelo TCU para o problema encontrados nas DAPs revela a fragilidade dos mecanismos de controle social e o quanto ainda poder realizado. Por outro lado, deve-se salientar que os instrumentos existem por meio de conselhos que existem, na maioria das vezes são criados por iniciativa do prefeito a fim de canalizar a captação de recursos públicos. É mais raro ser criado por demanda ou pressão da sociedade civil, por meio de projetos de lei apresentados à Câmara de Vereadores, que deve aprovar a necessidade de criação.

Outra questão relevante, é quanto as possibilidades efetivas para os conselheiros realizarem seu trabalho, quem escolhe o presidente, se tem estrutura e formação continua e adequada, se tem cobertura do pagamento das despesas, especialmente para aqueles que moram em comunidades distantes, se a pauta das reuniões é disponibilizada com antecedência, e se essa pauta são discutidas com a comunidade do conselheiro. Além disso, qual é o grau de partidarização política dos membros do conselho.

Esses são fatores que afetam a qualidade do trabalho de controle social.

Mesmo com as críticas sobre os limites e possibilidades dos conselhos municipais como ferramenta de controles social, julgo que os mesmos podem ser potencializados para a fiscalização das políticas públicas, mas necessitam ser entendidos e qualificados sobre seu papel e função para não se torne apenas mais um instrumento de legitimação.

Por Eliziário Toledo

Sociólogo, mestre em Desenvolvimento Rural (PGDR/UFRGS – 2009), doutor em Desenvolvimento Sustentável (CDS-UnB – 2017), mestrando em Ciência e Tecnologia Ambiental (UFFS – 2018).

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