Definido como prioridade número 1 do Piratini nos próximos quatro anos, o Ensino Médio de turno integral será implementado em mais 67 escolas da rede estadual em 2023. Somando-se as que já tinham a modalidade com as que passarão a ter, haverá 111 escolas com aulas em dois turnos no Rio Grande do Sul.
Até o final do ano passado, eram 44 escolas de Ensino Médio com turno integral no Estado. Dentro do montante, estão computadas 18 escolas regulares, oito Colégios Tiradentes (mantidos pela Brigada Militar) e 18 escolas técnicas.
O número demonstra um avanço significativo, mas também estampa o desafio do governador Eduardo Leite (PSDB). O tucano se comprometeu a expandir o turno integral para 50% das escolas estaduais com Ensino Médio até o final de seu segundo mandato, em 2026.
A rede estadual tem 1.098 escolas de Ensino Médio. Mas até dezembro de 2022, o Estado tinha apenas 4% dos colégios estaduais deste nível com turno integral. Neste ano, com a ampliação, passará a ter 10,1%. Para alcançar a meta, será necessário chegar a 549 estabelecimentos de ensino nos próximos anos.
Em entrevistas, Leite vem ressaltando que, depois da aprovação das reformas previdenciária e administrativa na gestão passada, o principal objetivo do atual governo é melhorar os índices de qualidade da educação gaúcha. Para implementar o turno integral, o governo precisará fazer reformas em escolas, adequar espaços como quadras de esporte, cozinhas e refeitórios e ampliar a carga horária de professores, por exemplo. Também há previsão para o lançamento de um concurso para para a contratação de 1,5 mil docentes.
Outro desafio se refere a uma questão cultural do Rio Grande do Sul, uma vez que muitos estudantes vão à escola de manhã e trabalham ou fazem estágio à tarde como forma de complementar a renda familiar e buscar inserção precoce no mercado de trabalho. Neste caso, caberá à Secretaria de Estado da Educação (Seduc) e às coordenadorias regionais de Educação convencer alunos, pais e professores de que o turno integral é um bom negócio para o futuro.
A implantação só ocorrerá com a concordância de cada comunidade escolar.
— Aqui no Rio Grande do Sul, é muito forte a ideia de que os jovens de 15, 16 e 17 anos têm que trabalhar, o que é louvável, só que as famílias talvez tenham que entender que nesse século 21, às vezes não trabalhar por dois anos e se qualificar em competências mais sofisticadas de inovação e inserção tecnológica vai permitir uma empregabilidade muito maior desse jovem do que ele começar num emprego informal, em que acaba se acostumando com o subemprego e subpotencial do que ele é capaz — afirmou a secretária da Educação, Raquel Teixeira, em 16 de dezembro, durante o anúncio de que permaneceria à frente da pasta.
Uma das estratégias do governo para tentar combater a evasão e manter o estudante no colégio é o programa Todo Jovem na Escola, que, em 2022, transferiu R$ 150 ao mês para 70 mil alunos da rede pública. Para 2023, ainda não há detalhes sobre o funcionamento do programa, mas a Seduc estuda ampliar o valor da bolsa.
Em dezembro, Raquel havia dito que 140 colégios de Ensino Médio estavam aptos para oferecer aulas o dia inteiro — ou seja, já tinham a estrutura necessária e não precisariam passar por maiores reformas para atender à demanda de aulas o dia inteiro. Apesar disso, uma parte das escolas não aceitou a mudança por motivos diversos.
Como as comunidades já estão cientes da novidade e as matrículas já estão sendo realizadas, a Seduc considera que 111 escolas é o número definitivo de instituições de ensino com turno integral para 2023. O ano letivo começa em 23 de fevereiro.
Cidades de médio porte
Para ter turno integral, cada uma das escolas precisa preencher uma série de pré-requisitos: ter Ensino Médio diurno, prédio próprio, cozinha, refeitório e espaço adequado para receber as turmas. Além disso, o colégio não pode ser o único com Ensino Médio da cidade, ponto que exclui dezenas de municípios pequenos do interior do Estado, para que os adolescentes possam optar entre as modalidades.
A partir deste recorte, sobram apenas cidades de médio e grande porte. Porto Alegre terá o maior número de escolas com turno integral: sete. Em seguida, aparecem Santa Maria (seis), Bagé e Cachoeira do Sul (quatro), e Alegrete, Erechim, Pelotas, Santa Cruz do Sul, Santo Ângelo, Uruguaiana e Viamão (três).
Chama a atenção o caso da Serra Gaúcha, uma das regiões mais ricas e economicamente desenvolvidas do Estado, que terá apenas duas escolas com turno integral. Caxias do Sul, que é o segundo município mais populoso do Estado e está na área da 4ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE), seguirá tendo apenas uma instituição com turno integral, o Colégio Tiradentes. A outra escola fica em Canela.
Bento Gonçalves, que também pertence à Serra e integra a 16ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE), não terá escolas com turno integral. A Seduc chegou a indicar duas instituições no município e uma em Garibaldi, mas não houve interesse de pais e alunos.
— Fomos até as escolas, mas a comunidade não se mostrou favorável. Os alunos alegaram que estão focados no trabalho e não tivemos adesão suficiente. Essa é uma característica da nossa região. Quando chegam ao nono ano, os alunos já procuram o Jovem Aprendiz, estágio. Mas a gente não desistiu, achamos que a educação é o caminho — avalia a coordenadora-adjunta da 16ª CRE, Michele Ferronato.
Em Viamão, na Região Metropolitana, a Escola Estadual de Ensino Médio Setembrina já vem adotando o turno integral desde 2018. A implantação iniciou por meio de um programa do Ministério da Educação para os anos do Ensino Médio. Em 2019, a escola começou a implantação gradual para os anos finais do Ensino Fundamental. Na pandemia, as aulas também foram em turno integral, porém de forma remota.
A escola tem 540 alunos, que passam manhã e tarde na escola. Só no Ensino Médio, são 340. Os estudantes chegam ao local por volta das 7h e fazem o café da manhã no refeitório. A aula começa na sequência, às 7h30min.
No meio da manhã, as turmas recebem um lanche. Ao meio-dia, o almoço. E no meio da tarde, um segundo lanche. Os alunos só deixam a escola às 17h. Ou seja: passam 10 horas dentro da instituição de ensino em atividades educativas e recebem quatro refeições.
O diretor Ednilson José Roesler afirma que a escola é considerada de nível médio alto pelo Ministério da Educação, do ponto de vista da escolaridade e da renda das famílias dos estudantes. Apesar disso, o colégio enfrenta a mesma dificuldade da maioria das escolas para implementar o turno integral: a partir do 1º ano do Ensino Médio, muitos adolescentes buscam trabalhos e estágios para complementar o orçamento familiar.
Roesler diz que, nesses casos, a direção conversa com a família para entender se a renda é realmente indispensável para a família. Em caso contrário, o diretor procura convencer os pais de que abrir mão do estágio para ter três anos de educação integral é a melhor escolha.
— O grande desafio do tempo integral é uma mudança cultural. A família e principalmente o jovem precisam ser convencidos da importância dos estudos, nesta etapa do ensino, em detrimento ao mercado de trabalho, seja ele estágio ou emprego. Isso só será possível se a escola se tornar mais interessante aos olhos do jovem — explica o diretor.