Quando o povo não fiscaliza, trabalha contra si!
Para refletir sobre os desmandos da sociedade brasileira, me socorro de uma passagem do professor Flávio Kothe que leciona a disciplina de Estética na Universidade de Brasília. Com muito estilo de quem maneja com maestria a Teoria Literária e a Literatura Comparada. Flávio Kothe é acido em admitir que o brasileiro perdeu a guerra contra si mesmo. Não foi necessário nenhum exército estrangeiro adentrar no território para ser derrotado. Perdeu a batalha sem sair da trincheira. Não foi capaz organizar e nem fazer funcionar o aparelho de Estado e a economia. Afirma, que se o problema fosse localizado somente nos governos seria fácil de resolver, mas talvez devam existir graves deformações em tudo aquilo que não está no governo.
Essas reflexões fazem parte da coletânea de ensaios organizada por Cristovam Buarque, Francisco Almeida e Zander Navarro, que reuniram dezesseis autores para compor o livro “Brasil, brasileiros. Por que somos assim? A obra se propôs a refletir sob as diversas perspectivas teóricas, motivadas pelo sentimento de profunda inquietação, desconfiança, complacência às mudanças e mal-estar que parece estar acometendo praticamente todos os estratos sociais. Essas preocupações suscitam a ausência de perspectivas para a população de um futuro promissor. Embora, os autores admitam que as principais instituições do país parecem estar funcionando razoavelmente (não para a maioria, mas para os mandatários do poder).
De forma, que é nítido o sentimento coletivo de desalento, perda gradativa de fé e confiança nos representantes e governantes, independente da filiação ideológica e partidária. Por outro lado, grande parte da sociedade se especializou em firmar a posição queixosa daquilo que não serve, mas é quase nula em auxiliar a construir, fiscalizar e cobrir dos representantes coletivamente o que serve e é de interessa da sociedade.
Mas qual a causa dessa sensação de desacorçoamento e morbidez coletiva que induz o povo a trabalhar contra si? Parece existir uma complacência exacerbada, que funciona como um freio às mudanças que se cristalizam nas instituições por meio da esperteza, dissimulação e no simulacro. É sabido que as sociedades são muito mais propensas a ficar como estão do que realmente mudar. E quando supostamente mudam, quase sempre, consagram a máxima do Barão de Lampedusa, que busca mudar tudo, para que tudo fique como está!
Nesse aspecto, vale como exemplo, a recente disputa entre Legislativo e Executivo Federal pelo destino dos recursos do Orçamento da União, assim distribuídas: R$ 9,44 bilhões para emendas individuais (cada deputado e senador teve R$ 15,9 milhões para indicar em obras e investimentos); R$ 5,92 bilhões para emendas das 27 bancadas, ou R$ 219,5 milhões por
bancada; R$ 687,3 milhões para emendas de cada comissão da Câmara, do Senado e mistas (formadas por deputados e senadores); proposta de R$ 30,1 bilhões para emendas do relator do Orçamento, que após idas e vindas foi negociado R$ 19 bilhões que podem ser utilizados para o pagamento das emendas parlamentares impostas pelo Orçamento Impositivo, ou seja, os parlamentares formulam as emendas, apresentam ao Executivo que é obrigado a pagar.
Deve-se lembrar que o Congresso para 2020, aprovou a meta fiscal para o resultado primário do governo federal (Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central) correspondente a um déficit de R$ 124,1 bilhões. Desde 2014, as contas públicas estão no vermelho: descontado o pagamento dos juros da dívida, as despesas vêm superando as receitas ano a ano.
Aqui em Erechim, a Emenda 01/2019 modifica a Lei Orgânica do Município, foi aprovada em primeiro turno em sessão ordinária do dia 16 de dezembro de 2019 por 13 votos, 3 votos contra e uma abstenção, que propõe a seguinte redação:
Art. 116-A. Fica obrigatória a execução Orçamentária e Financeira da Programação incluídas por Emendas Individuais do Poder Legislativo Municipal em Lei Orçamentária Anual (LOA).
§ 1º As emendas dos vereadores ao Projeto da Lei Orçamentária Anual serão aprovadas no limite de 0,65% da receita corrente líquida do projeto encaminhado pelo Executivo Municipal, devendo a metade desse percentual ser destinado as ações de serviços públicos de saúde.
Caso seja confirmada em votação de segundo turno e sancionada pelo senhor prefeito, os vereadores, tal como acontece em nível federal, poderão alocar recursos do orçamento até o limite previsto em lei para cobrir as demandas das emendas, redirecionando recursos de outras áreas. Esses recursos são complementares ao orçamento previsto em lei que é de até 6% para custear o legislativo municipal.
Por Eliziário Toledo
Sociólogo, mestre em Desenvolvimento Rural (PGDR/UFRGS, 2009), doutor em Desenvolvimento Sustentável (CDS-UnB, 2017), mestre em Ciência e Tecnologia Ambiental (UFFS, 2019).