Oito em cada dez adolescentes cumprindo medida socioeducativa no RS têm atraso escolar

Entre os 394 internos, 85,1% estão com defasagem de dois anos ou mais no ensino

A maioria dos adolescentes envolvidos em atos infracionais no Rio Grande do Sul tem histórico de atraso escolar. É o que evidenciam os dados sobre o perfil dos internos da Fundação de Atendimento Sócio-Educativo (Fase). Oito a cada 10 daqueles que estão cumprindo medida socioeducativa possuem distorção idade-série, ou seja, estão com dois anos ou mais de defasagem na escola.

Quando chegam à Fase, muitos adolescentes já estão no processo de abandono da escola. Além do envolvimento deles com atos infracionais, que motivam a internação, não é incomum a falta de percepção por parte das famílias sobre a importância da escolarização, avalia a coordenadora pedagógica da Fase, Clarissa Quadros.

— Em algum momento desse processo, eles acabam não tendo rede de apoio que faça com que eles permaneçam na escola. Quando a gente faz o atendimento aos adolescentes, ouve muito essa fala “a mãe tinha que sair para trabalhar, eu não tinha com quem ficar, às vezes tinha que cuidar de irmãos menores e acabava deixando a escola de lado” — exemplifica.

O trabalho infantil, em suas diferentes formas, entre eles a exploração da mão de obra de jovens pelas organizações criminosas, é fator que impulsiona o afastamento da escola, percebe a juíza do 3º Juizado da Infância e Juventude de Porto Alegre, Karla Aveline. Dos 394 internos da Fase no dia 4 de julho deste ano, quando foram coletados os dados, 68 cumpriam medida por tráfico de drogas, 103 por roubo e 132 por homicídio.

— O guri começa lavando carro, fazendo telentrega. O tráfico de drogas está ali no entorno, alimentando uma quantidade de usuários. Primeiro vem o trabalho infantil, depois as organizações criminosas. O tráfico é uma das formas de trabalho infantil, e uma das piores — analisa a magistrada.

As idades dos internos variam de 13 a 20 anos, sendo um terço na faixa dos 17 anos, a que concentra maior número. Com 13 e 14 anos há somente nove cumprindo medida. A defasagem escolar é mais evidente a partir do 6º ano, e o maior número de internos em atraso escolar aparece no 1º ano do Ensino Médio. Ao longo da última década, a coordenadora pedagógica da Fase diz que viu essa realidade se alterar aos poucos. Apesar das deficiências, os adolescentes estão chegando à Fase com a escolaridade mais avançada.

— Geralmente, esse abandono escolar, essa ruptura, acontece muito quando passa do quinto para o sexto ano, que era antes a quarta e quinta série. Mas esse período de escolarização vem se mostrando um pouco maior. A gente tem adolescentes chegando nas séries finais (do Ensino Fundamental) ou atingindo as séries finais dentro da fundação. E temos um percentual de alunos no Ensino Médio — afirma Clarissa.

 

Tentativa de resgate

Dentro da Fase, os adolescentes passam pelo processo de acolhimento, no qual é identificada em qual etapa escolar se encontram e analisado o histórico, para que possam dar seguimento aos estudos durante o cumprimento da medida. O intuito é que eles consigam retomar ali dentro o vínculo com a escolarização.

— Se esse adolescente não resgatar esse vínculo no curso do cumprimento da medida, a chance de ele fazer depois é muito menor. Até por uma colocação de mercado e ampliação de oportunidades no horizonte para esse adolescente no pós-medida — explica a pedagoga.

Entre as medidas apontadas como necessárias para mudar essa realidade, está o investimento em escolas de turno integral, que possam acolher crianças e adolescentes enquanto os responsáveis trabalham, ampliação de cursos profissionalizantes para jovens, que criem novas perspectivas, e manutenção desses adolescentes o maior tempo possível na escola.

Por GZH

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