O FERIADO DE ERECHIM

Na próxima semana teremos o feriado municipal de Erechim. Essa data de 19 de março é prevista pelo Decreto nº 5.799, de 24 de maio de 2024. Segundo o artigo 2º do Decreto, é “Feriado Municipal FIXO o dia 19 de Março, alusivo a São José, padroeiro do Município de Erechim”. São José é também o nome de uma tradicional escola privada da cidade e nome da Catedral municipal.

Portanto, é um feriado de origem católica, típico do processo de construção do próprio Estado brasileiro. A despeito da ausência de previsão legal em nossa Constituição de credo religioso, pela tradição colonial é muito comum a presença de datas comemorativas dessa área. Inclusive, outras religiões se associam a datas católicas para dar destaque aos seus rituais, caso do dia 2 de fevereiro, que é feriado em alguns lugares de Nossa Senhora dos Navegantes, associado por religiões de matriz africana à Iemanjá.

O nome dessa “mistura” de manifestações religiosas é sincretismo, que, no caso brasileiro, significa uma estratégia de resistência[1] de religiões historicamente reprimidas pela presença significativa e muito próxima ao Estado dos(as) católicos(as). Há um fenômeno em curso de diminuição da hegemonia católica em detrimento de vários ramos evangélicos. Segundo pesquisa[2], “de 17.033 templos evangélicos, em 1990, o Brasil passou a contar com 109.560, em 2019. Um aumento de 543%”.

Essa tendência de troca de religião[3] e de aumento da presença de igrejas evangélicas, principalmente neopentecostais[4], é nítida em Erechim. Certamente, a igreja católica segue muito representativa, mas não como antes. Além do crescimento de evangélicos(as), observa-se igualmente crescimento de religiões não cristãs e de pessoas sem religião[5], o que vai alterando essa importante dimensão da vida coletiva.

Não é possível entender a sociedade de forma mais sofisticada sem compreender o fenômeno religioso e sua relação com questões morais, de comportamento e institucionais de forma ampla. Passa pela religião, ou por sua ausência, certo estilo de vida, certas posturas políticas e ideológicas, assim como o entendimento sobre questões filosóficas estruturais, como a vida e a morte. Quantas vezes entramos em escolas públicas, portanto do Estado que é laico, com crucifixos e imagens de figuras católicas, quando não nos deparamos com oratórios e capelas? Pela formação cultural arraigada, nem reparamos ou achamos isso natural. Mas não é.

Assim, ao falar de religião estamos tratando de algo importante e que move um grande “mercado”, tanto simbólico como financeiro. As pessoas convertidas se importam com a opinião do pastor, do padre ou de qualquer outro celebrante, empossado de autoridade terrena e transcendental. Não é por acaso que a palavra religião vem do latim “re-ligare”, sinalizando à “religação com o divino”, ou seja, com entidades e instâncias que estão para além da vida cotidiana. É possível não termos um religião e expressarmos alguma religiosidade. As religiões são instituições e operam pela lógica empresarial.

São José, nosso “padroeiro”, é, dessa forma, oriundo de um credo que se torna legislação que incide na vida de quem acredita ou não. Por isso, quando na próxima quarta-feira não tiver escola, o comércio funcionar parcialmente e a gente não puder contar com alguns serviços, já sabemos a origem. Mas não é só isso. Leia o “entre aspas” a seguir.

Entre aspas

Há uma certa tradição dos feriados municipais serem no dia de fundação ou emancipação política. Sabemos que “Erechim foi criado no dia 30 de abril de 1918, através do Decreto nº 2343, de 30 de abril, assinado por Borges de Medeiros, então governador do Estado do RS[6]”. Então, qual a razão de nosso feriado não ser em 30 de abril, mas em 19 de março?

Se falávamos acima da importância da religião para explicar a sociedade, não podemos desprezar a importância do setor que detém capital no sistema em que vivemos. Logo, a data de 30 de abril, por ser próxima ao feriado internacional de 1º de maio (dia do/a trabalhador/a), não interessaria ao “setor produtivo”, pois, imagino, teríamos uma queda na produção e nos negócios.

Nada melhor do que realocar o feriado a partir de um personagem católico, satisfazendo o capital e a religião hegemônica da cidade. Essa concepção, que tem a sua lógica, esquece de que há também vida para além do trabalho formal e que setores ligados ao lazer e ao entretenimento também podem gerar renda nos dias de feriado. Descansar e conviver com as pessoas não deveria ser um pecado. Rezemos a São José!

Thiago Ingrassia Pereira

Professor da UFFS Erechim

Coordenador do Projeto de Extensão “Dizer a sua palavra”: democratização da cultura popular e da comunicação

thiago.ingrassia@uffs.edu.br

[1] Ver esse interessante estudo: https://periodicos.rdl.org.br/anacidil/article/view/782

[2] Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/articles/crgl7x0e0lmo

[3] Vide: https://veja.abril.com.br/brasil/pesquisa-aponta-que-quase-um-terco-dos-brasileiros-ja-trocou-de-religiao

[4] Sobre o neopetencostalismo, ver https://www.observatorioevangelico.org/significado-do-termo-neopentecostalismo/

[5] Vide: https://revistaforum.com.br/brasil/2023/12/22/transio-religiosa-evangelicos-crescem-em-ritmo-acelerado-mas-esto-longe-de-ser-consenso-150002.html

[6] Fonte: https://www.pmerechim.rs.gov.br/pagina/149/como-tudo-comecou#:~:text=Com%20o%20crescimento%20do%20povoado,governador%20do%20Estado%20do%20RS.

 

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