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Narrativas do viver

Por Maria Emília Bottini

Em uma das visitas que fiz ao Sul estive em um jornal, em Erechim, comentei que escrevia e que gostaria de saber de que forma poderia publicar as crônicas. O senhor que me atendeu respondeu que havia duas formas: semanal ou mensal.

Voltei para Brasília e decidi que seria semanal. Escrevi por seis anos, semanalmente, na Coluna Cá entre nós no Jornal Diário da Manhã de Erechim, que fechou. Não foi por causa das crônicas que fique claro, mas porque as coisas mudam; o jornal impresso perdeu seu espaço para as virtualidades dos tempos modernos. Parei de escrever por um tempo enquanto finalizava o doutorado.

Em uma atividade com um grupo de pacientes da Clínica Ser trabalhei, juntamente com uma colega, a escrita, pois pensamos que seria uma possibilidade de construção individual importante para além da fala, outra forma de expressão de si. O exercício foi simples: havia três frases e os pacientes deveriam escolher uma delas e escrever sobre. E eles o fizeram, alguns se permitiram ler em voz alta compartilhando suas dores e prazeres.

Acabei a atividade satisfeita com o resultado alcançado, visto que os pacientes se envolveram e produziram lindezas já que mesmo na dor há beleza. Quando cheguei ao meu carro estava emocionada e pensei “preciso voltar a escrever, isso me faz bem”. A escrita me permite entender a vida e o viver; nela crio narrativas para entender o que vivo e sinto.

No dia seguinte, ao retornar, falei para a minha chefe que escreveria crônicas para o blog da clínica.  Ela aceitou e então nasceu a Coluna Trocando Ideias, onde relatei a experiência do encontro com a escrita no grupo, através da crônica Ao alcance da mão.

Uma proposta simples: escrever.  A escrita está ao alcance das mãos e não precisa, necessariamente, dominar os códigos formais que ela exige (se dominar melhor), e sim escrever de forma livre, permitindo o fluir do pensamento e colocar no papel, registrar. Escrevo desde janeiro de 2017 para o blog, lá se vai o tempo. Uma amiga psiquiatra me questionou certa vez de onde surgia minha inspiração para escrever.  Respondi-lhe que “tudo o que me afeta vira crônica” e assim tem sido.

Comento com frequência que há um deslocamento na minha escrita, quando morava em Brasília escrevia para o jornal em Erechim e agora em moro em Erechim escrevo para Brasília. Alguns textos recebem comentários, pois interagem com os que leem. Ao serem publicadas as crônicas, o que escrevo já não me pertence mais, recebendo novas interpretações e significados.

A escrita é uma ferramenta que pode nos ajudar no autoconhecimento e auto cuidado na medida em que entramos em contato com o que pensamos, sentimos, podemos dar voz e vez ao que guardamos e remoemos dentro de nós mesmos, por vezes nos causando sofrimento emocional e físico.

Guardamos dentro de nós a perda de um amor, a morte do bebê de seis meses, a infância maltratada, o pai alcoólatra, a traição da esposa, a traição do esposo, o câncer da amiga querida, a mãe que nos abandonou, a violência sexual do padrasto, a homossexualidade do filho, o aborto, a formatura, os sonhos, o almoço com a amiga, uma viagem sonhada, o primeiro amor, as pequenas alegrias, o abraço de despedida, a partida de um ente querido que virou brisa… Tanto guardamos e engolimos que um dia, quando menos esperamos, vêm à tona.

Escrever é terapêutico, pois permite que nos expressemos através das palavras, que encontremos novas significações e entendimentos para nossos entraves emocionais, que não são poucos. É uma forma de materializar nossa subjetividade para fora de nós mesmos tornando a palavra viva, construindo novas narrativas do viver. Escrever para si, escrever para queimar, escrever para lavar a alma, escrever para o outro ler, escrever, escrever…

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Ocorre em Erechim a Oficina Narrativas do viver – o que escrevo me escreve, com início no dia 14.11.2018, às 19 horas. Interessados podem nos contatar pelo fone 991574594.  Clarice Lispector disse “Às vezes escrever uma só linha basta para salvar o próprio coração”.

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[1]Psicóloga clínica

Mestre em Educação pela Universidade de Passo Fundo (UPF)

Doutora em Educação pela Universidade de Brasília (UnB)

Autora do livro No cinema e na vida: a difícil arte de aprender a morrer

E-mail: emilia.bottini@gmail.com

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