Mistério em Barracão: Família espera há cinco anos por notícias de desaparecido
Um homem prático, de visão, esperto e de confiança. Assim é descrito Romeu Silveira Pacheco, viúvo de 86 anos de idade, que morava sozinho na propriedade rural às margens da BR-470 em Barracão. A rodovia liga o município até Lagoa Vermelha no norte do Estado, e corta as terras do fazendeiro. Um lugar distante de povoados, quieto, e que só não está mais silencioso por conta do assovio do vento, ao atravessar a extensa fileira de pinheiros, cultivada na entrada da sede da fazenda. Foi um capricho deixado e que contorna o caminho tornando-o mais saudoso.
Discreto, Pacheco não era de ostentar. Ao lado de dois galpões que serviam para a lida com o gado – hoje vazios –, a casa de madeira relativamente simples, onde criou os dois filhos, ainda guarda lembranças de quando desapareceu sem deixar rastros, em agosto de 2015. Nada foi levado da propriedade, nem mesmo documentos, pertences ou sua camionete. Todavia, a arma de Pacheco não foi localizada pela Polícia, por ocasião das buscas.
“Era aqui neste lugar da mesa que o pai gostava de sentar”, indicou um dos filhos, Luiz Carlos Mendes Pacheco, ao abrir e mostrar a casa atualmente desabitada. Cada ambiente está carregado de sentimentos. – Não sabemos o que aconteceu com nosso pai. Era alguém muito bem quisto por todos, só tinha amigos e estava bem de saúde. Mantínhamos uma ótima convivência. Era aqui que frequentemente almoçávamos aos domingos e onde ele gostava de receber a família e netos. Moro na cidade, mas eu continuo vindo para cá praticamente todos os dias. É uma forma de aliviar a saudade, enquanto esperamos uma resposta da investigação, uma posição da Justiça. Pois não sabemos de fato até hoje, o que possa ter ocorrido com nosso pai –, destacou Luiz, ao recordar que um sobrinho de Romeu – que à época trabalhava na propriedade e morava próximo –, foi quem deu falta e acionou familiares e a Polícia. O outro filho, Claudio Pacheco, atualmente reside em Erechim.
Propriedade
Nos 2,5 mil hectares de terra da propriedade rural, Pacheco criava mais de mil cabeças de gado de corte. Porém uma parte da área, a que era destinada ao plantio de grãos, fora arrendada a um fazendeiro vizinho. “Planto há mais de 50 anos as terras do Romeu e sempre mantive uma ótima relação com ele e com a família. Era um homem de honra, de palavra, muito honesto e assim fez na vida, nos negócios ou na relação com seus dois empregados. Um deles o Lopes, inclusive, hoje trabalha para mim. Romeu sempre fez tudo certinho e nos causa estranheza toda esta situação do desaparecimento, afinal, já são cinco anos sem novidade alguma no caso”, revelou Augusto João Bergamo, lindeiro e arrendatário das terras.
O ex-funcionário referido e que trabalha hoje para o Bergamo, José Lopes, residiu por anos com a esposa numa casa, na sede da propriedade de Pacheco. Dispensado, Lopes deixou o lugar havia poucos meses antes do desaparecimento. Lamenta a ausência e a longa espera por respostas. “Ele tratava muito bem os funcionários, nós tínhamos lá uma relação muito boa, respeitosa e de confiança. Tanto eu quanto o outro empregado. Pagava direitinho todo o fim de mês. Era padrinho de casamento do meu filho, lamentável seu desaparecimento”, resumiu.
O inquérito policial colheu, na época, depoimentos dos filhos, parentes, empregados e outros que mantinham alguma relação com a rotina de Pacheco. Algumas oitivas, posteriormente, incluíram o uso do Polígrafo, aparelho popularmente conhecido como “detector de mentiras”. Na tentativa de localizar o corpo – o homicídio foi uma das linhas de investigação –, buscas foram feitas por equipes da Polícia e dos Bombeiros. Toda a propriedade, além de açudes e campos foi vasculhada, mas sem sucesso. Desde então, ninguém tem notícias do desaparecido. Uma condição que intriga o pequeno município com pouco mais de cinco mil moradores e que deixa os familiares desolados com tanto mistério.
Herança
Paralelo ao processo de investigação criminal na Justiça, que busca por evidências sobre o desaparecimento, um outro trata da divisão da herança milionária que fora deixada com o legado de Pacheco. Porém, os filhos ainda não tiveram acesso a nenhum dos bens. Desde o ano passado um dos empregados – sobrinho do fazendeiro –, tenta na Justiça a filiação socioafetiva. Um reconhecimento jurídico da paternidade com base no afeto, sem que haja vínculo de sangue entre as partes.
Conforme o advogado Luiz Fernando Pereira Neto de Passo Fundo, que atua no caso, a parte criminal está na fase investigativa e há um Inquérito Policial em andamento.
A ocorrência de um crime de homicídio com ocultação de cadáver certamente é uma forte hipótese analisada pela Polícia, sem desprezar outras linhas. A parte cível, que trata da divisão dos bens e envolve os herdeiros, está em andamento perante a Justiça. É um processo altamente complexo e nele não se discute se houve crime ou não, apenas se busca preservar o patrimônio do ausente e encaminhar a divisão dos bens aos herdeiros. São cinco anos da ausência e sem notícias. Uma marca muito significativa quanto a falta da verdade dos fatos. Em relação aos ritos, como se trata de uma ausência e o Sr. Romeu contava com mais de 80 anos na data do desaparecimento, a legislação exige o transcurso de cinco anos para uma partilha definitiva do capital pelos herdeiros”, explicou Pereira Neto.
Conforme o advogado, a partilha até poderia ter sido feita antes, na sua forma provisória, conforme a legislação prevê. Mas, na ocasião preferiu-se aguardar os cinco anos em função da complexidade do caso e a possibilidade de elucidação da investigação criminal.
Testamento
Quando o fazendeiro desapareceu ninguém tinha conhecimento da existência de testamento. Cerca de seis meses depois, a investigação policial descobriu que Romeu havia feito um testamento em 2014, na cidade de Porto Alegre, 14 dias após o falecimento da sua esposa. O documento, que foi juntado ao Inventário, deixava uma parte dos seus bens ao sobrinho, que trabalhava na propriedade.
– Para a sua execução é preciso uma nova ação judicial para registrar o testamento, o que, acredito, deverá ser feito pelo beneficiário logo após a definição judicial da ausência. Sabemos que este Inventário é um processo complexo, envolve grande patrimônio e muitos detalhes jurídicos que demandam mais acuidade de todos os envolvidos (magistrado, partes e advogados). Talvez neste tempo que passou, já poderia ter sido realizada uma distribuição dos arrendamentos das áreas rurais aos herdeiros, pois são pessoas idosas e que precisam desse dinheiro para viver e merecem ter esse acréscimo na sua qualidade de vida. Até o momento, nenhum bem ou dinheiro foi dado a eles sendo essa também uma grande angustia dos familiares. Além de não saberem o que efetivamente ocorreu com o fazendeiro, existe esse impacto emocional por conta da incerteza e indefinição do paradeiro da provável vítima –, finalizou Pereira Neto.
Romeu Pacheco foi visto pela última vez por um vizinho, em 24 de agosto de 2015. Após essa data, mesmo com muitas buscas na comunidade, nenhuma outra notícia surgiu, resultando no grande mistério que circunda este caso.
Fonte: Rádio Uirapuru