Judeus de Erechim destacam os 70 anos de Israel

O dia 14 de maio é especial para o povo hebreu. Nesta data, há exatos 70 anos, nascia o Estado de Israel. Em reportagem especial, a coluna ouviu judeus que moram em Erechim e em Israel a fim de conhecer suas impressões, sentimentos e percepções a respeito da importância da criação do Estado israelense.
A reportagem traz também – em material produzido direto da ‘Terra Santa’, em recente viagem ao Oriente Médio – um histórico com informações, entrevistas e opiniões de atores presentes e/ou afetados pela independência do pais, que hoje conta com 8,8 milhões de habitantes.

 

Com os pés em Erechim e o coração em Israel

É com sentimento de orgulho e veneração que boa parte da comunidade judaica espalhada pelo mundo faz referência ao Estado de Israel. Em Erechim não é diferente. Para Maurício Agranionik ter ‘uma pátria’ faz toda a diferença. O produtor rural, oriundo de família que veio da Rússia para Quatro Irmãos em 1912, com o apoio da Jewish Association Colonization (ICA), sustenta que Israel foi o “baluarte dos judeus”. “Em direção ao novo Estado se dirigiram muitos que não tinham oportunidades ou que eram perseguidos na Polônia, Alemanha, Rússia. Nestes locais, aos judeus não era permitido sequer arrendar terras em seus nomes. Soma-se a isso os horrores da guerra e você pode imaginar o quão difícil era a situação destas pessoas. Israel veio para dar uma nova vida aos judeus”, observa Maurício que, no entanto, se diz um apaixonado pelo Brasil.

Para Menachem Rudnitzki, ex-gerente da Caixa Econômica Federal e uma das lideranças judaicas em Erechim, é preciso que se faça uma digressão histórica a fim de entender a importância da criação de Israel. “Até a criação de um Estado independente, foram 2000 mil anos de Diáspora do povo judeu sem ter uma pátria; 2000 anos de perseguição e sofrimento desde a destruição do Templo Sagrado de Jerusalém”, lembra. Ao citar alguns dos piores momentos de perseguição ao povo judeu, Menachem destaca o cerco de Massada, a Inquisição, os Pogroms da Rússia, além do Holocausto Nazifascista. Na atualidade, diz, o perigo vem dos países árabes que querem destruir o Estado de Israel. “E a tudo isso isto Israel sobrevive”, observa. “Em 70 anos de retorno e independência, Israel mostra ser um país pujante e com alto padrão de vida, destacando-se na agricultura, medicina, artes e ciências movido por exemplos de humanismo e fraternidade – sendo voluntário quando acontecem catástrofes em qualquer lugar do mundo”, pontua Menachem. “Israel é um país que luta diariamente para sua sobrevivência e que nunca perdeu a esperança de conviver em paz com seus vizinhos, mas que ao mesmo tempo diz que ‘Massada não cairá outra vez’. Digo que o Povo do Livro tem na Bíblia Sagrada sua maior Lei vivendo dentro de seus preceitos éticos e morais”, completa.

 

Semelhante raciocínio tem Arnaldo Schuchmann, para quem a criação do Estado de Israel representa o direito de que os judeus tenham um lugar onde possam se sentir seguros. “Israel com apenas 70 anos é um país democrático, de tecnologia de ponta, onde a população tem direitos e deveres”, avalia. Conforme Arnaldo, o país dispõe, ainda, de um exército que une homens e mulheres em defesa de sua Pátria. “Mas acima de tudo, Israel é um país onde as pessoas respeitam a Deus e prezam pela vida e pela família, sendo que todo o cidadão é tratado igualmente, independente de credo ou religião”, arremata.

 

A erechinense Liana Henkin, que fez a Aliáh (o retorno) a Israel em 2002, lembra que com a destruição do segundo Templo os judeus se espalharam pelo mundo ficando, segundo ela, “sempre à mercê da bondade e da boa vontade de outros povos – e diga-se, dos interesses financeiros que poderíamos fornecer a terceiros. Com a criação do Estado de Israel, voltamos para a nossa terra, temos o nosso governo, nossas leis que nos protegem”, opina ela, que não pensa em voltar ao Brasil. Em Israel, Liana casou e viu nascer seus dois filhos, Eitan e Elah.
Conforme a erechinense, hoje, o povo judeu tem seu passado, presente e futuro nas próprias mãos. “Criamos as nossas crianças de acordo com o que nós realmente acreditamos. Não ultrapassamos o direito de existir de outros seres humanos. E valorizamos a vida”, arremata.

 

70 anos de tensão e conflitos

Sem guerra, mas também sem paz. É assim que Israel chega ao 70º aniversário da declaração de independência, ou Yom HaAtzmaut, em hebraico. O ato que consagrou a soberania do país, substituindo o domínio inglês sobre a antiga Palestina, foi anunciado às 16 horas do dia 14 de maio de 1948 na sede do antigo Museu de Artes de Tel Aviv.
Liderado pelo presidente do Conselho Nacional, David Ben Gurion, judeu nascido na Polônia e que veio a ser o primeiro homem a governar Israel, a manifestação declarando a independência do país transformou em ação o discurso premonitório do jornalista austro-húngaro Theodor Herzl, líder do Sionismo Político e organizador do Primeiro Congresso Sionista, realizado na Suíça, em 1897.
No poente da primeira metade do século XX, o anúncio de Ben Gurion foi celebrado noite a dentro por boa parte dos mais de 600 mil judeus que moravam na ‘Terra Santa’ – que dançaram, beberam e trancaram ruas a fim de comemorar. Nem todos, contudo, foram para a festa. Milhares deles, especialmente jovens, tiveram que pegar em armas para garantir a sobrevivência do recém-nascido país – na chamada ‘Guerra da Independência’ ou ‘Guerra Árabe-Israelense’. Não fosse a prolongada – e tumultuada – gestação que veio dar à luz ao Estado de Israel, e o recém-nascido país teria sucumbido já em seu primeiro dia de vida.

 

Hora marcada
A leitura da declaração de independência por Ben Gurion – que no seu diário, na noite de 14 de maio de 1948, dizia-se sentir um ‘consternado entre os exultantes’ –, amplificou a guerra civil que, desde o fim do ano anterior, já tomava conta da Palestina. Iniciada a contagem regressiva para a retirada dos britânicos, com a Partilha da Palestina decidida pelas Nações Unidas na Resolução 181, de 29 de novembro de 1947 – numa sessão presidida pelo brasileiro Osvaldo Aranha -, a escalada bélica só aumentava e o enfrentamento em larga escala era iminente. O mundo estava diante de um conflito com dia e hora marcado para acontecer.
As lideranças árabes haviam rejeitado a proposição da ONU – pela qual seriam criados dois Estados, um Árabe e um Judeu (sugestão aprovada com 33 votos favoráveis (incluindo o Brasil), 13 votos contrários, 10 abstenções e uma ausência). Sob a justificativa de que a criação de um Estado Judeu, concedendo cerca de 55% do território da Palestina a Israel, teria sido ‘imposta’, teve início, no fim de 1947, uma série de ataques liderados pela Liga Árabe contra os moradores do ‘ishuv’, como eram chamadas as comunidades judaicas da época.
Em 15 de maio de 1948, logo após a saída dos britânicos e um dia depois da criação do Estado de Israel, Egito, Transjordânia (atual Jordânia), Síria, Líbano e Iraque invadiram o vizinho indesejado, dando início ao primeiro dos muitos conflitos que se seguiriam ao longo das últimas sete décadas. Naquele momento em diante foram nove meses, três semanas e dois dias de combates, intercalados por duas tréguas. O enfrentamento custou a vida de mais de seis mil israelenses e 13 mil árabes/palestinos, embora os números possam variar, conforme diferentes fontes. Ao final, as recém-criadas Forças de Defesa de Israel (FDI) rechaçaram os inimigos.

 

Faria tudo de novo, afirma soldado que lutou em 48

Um dos membros das FDI, Guri Diner – de 86 anos e que mora no Kibutz Rosh Kanira, na divisa com o Líbano -, lembra como foi ter vivido aquele momento, e garante que faria tudo de novo. À época, Guri tinha 19 anos e era combatente do Palmach, vindo dos movimentos juvenis.
– Participei das batalhas pelo norte de Israel e na conquista do Neguev, que era estratégico pelo acesso que dava ao Mar Vermelho. Tinha a certeza de estar fazendo história, conta ele. ‘Eram dois mil anos de diáspora forçada que minha geração estava encerrando’, lembra, resoluto.
Enquanto Guri e o exército israelense garantiam a emblemática vitória na Guerra de Independência, os árabes palestinos que viviam em Israel iniciavam a sua ‘diáspora’.
Como resultado do conflito, além das mortes de soldados e civis, numa só tacada foram desalojados ou expulsos mais de 700 mil árabes – o que veio a culminar em enfrentamentos ainda presentes no Oriente Médio. Não à toa, a data que marca a independência de Israel é encarada do lado árabe como ‘A Catástrofe’, ou Nakba.
Os desalojados, hoje na casa dos 6 a 7 milhões (com cerca de 1/3 vivendo abaixo da linha da miséria), se estabeleceram em países como a Jordânia e Síria, ou em territórios como a Cisjordânia e a Faixa de Gaza. A maioria ainda sonha em voltar ao chão ancestral – aumentando a pressão em torno das discussões sobre uma paz, que segue distante.
‘Sempre quis acordar sem barulho de bombas’, diz refugiado árabe
No campo de refugiados de Balata nas cercanias de Nablus, na Cisjordânia, as histórias de vida se misturam e se repetem, transformando conversas sobre o passado numa espécie de muro das lamentações.
Figuras emblemáticas se multiplicam, cada qual com sua tristeza e tênue esperança. É o caso de uma pequena senhora sentada a um canto num sofá puído na soleira da porta de casa. O rosto é vincado por rugas que denotam idade avançada. Oitenta, 90, 100 anos, talvez. Ela parece desligada do mundo – sem dar sinais de notar a presença de um ‘estranho’ por perto. Ao ser questionada sobre a idade, porém, gira a cabeça devagar e, passiva, responde em inglês:
– Eight. (Oito).
Pronto!, enlouqueceu, pensaria um observador da cena. Quando a neta de 15 anos intervém, as coisas ficam mais claras. ‘Foi com oito anos que ela foi expulsa de casa, em Jaffa, em 1948.
Desde então, o tempo dela parou’.
A vida que parou para a senhora que, assim como a neta prefere não revelar o nome, é a mesma de outros palestinos aprisionados em 1948 – muitos, aliás, nascidos após este período.
O Nakba é um acontecimento cotidiano, dizem. Existe, porém, quem – em busca de uma nova vida – tenha optado por deixar os traumas para trás. É o caso de Jehad Afaghanis, 25 anos. O jovem nascido em Balata hoje mora em Santos, no litoral de SP. ‘Desde pequeno sempre sonhei em viajar, até mesmo para buscar um novo caminho. Em Balata, não há futuro; só dor’, diz.
– A data que marca a independência de Israel é muito triste para nós, especialmente pelo fato que eles (judeus) roubaram uma terra que não é deles. Minha avó, por exemplo, saiu de casa sem irmãos, sem mãe, sem nada. Neste dia, perdemos o nosso país. Muitos saíram de lá pensando que conseguiriam voltar e até hoje não conseguiram, observa Jehad – num português carregado pelo sotaque árabe.
– Quando era criança sempre quis morar na paz. Queria acordar de manhã sem ouvir barulho de bombas e ir na escola sem problemas. Ficar um mês sem perder um amigo. É complicado passar a tua infância neste ambiente. Não dá para pensar em futuro. As crianças do mundo não merecem passar pela guerra, seja ela por qual motivo for, completa Jehad – filho da Guerra de 1948, nascido em 1993.

 

A Guerra de 1948/49

Para debelar o inimigo ‘sionista’ – ora transformado em Estado soberano -, em 15 de maio de 1948 três grandes frentes de ataque dos países árabes se destacaram. Pelo Sul em direção ao Norte, com destino a Tel Aviv, veio o Egito. A Jordânia e o Iraque partiram para conquistar o West Bank (incluindo Jerusalém, então declarada zona internacional), enquanto a Síria e o Líbano deveriam marchar para Nazaré – de onde passariam a ter Haifa como destino.
Pelo lado israelense coube à Força de Defesa de Israel/FDI juntar todos os equipamentos e armamentos possíveis (incluindo caças Avia S-199 e fuzis da Tchecoslováquia e suprimentos enviados via contrabando dos EUA), para contrapor o avanço inimigo. O curso da guerra teve três fases – período no qual os judeus moradores do recém-criado estado viveram, em média, com 2 litros de água por pessoa/dia e meio pão por família durante nove meses. O som de bombas era diário.
Mais cerebral que seus opositores, as FDI levaram a melhor, especialmente porque, logo na 1ª fase, souberam como parar os egípcios. Em 24 de fevereiro de 1949, Israel assinou armistício com o Egito. Em 23 de março, deu-se a assinatura do tratado com o Líbano; em 3 de abril com a Jordânia; e com a Síria, em 20 de julho. As Linhas de Demarcação do Armistício permitiram que o território sob controle israelense ‘aumentasse’ cerca de 1/3 em relação ao que fora atribuído pela proposta de partição da ONU. O Iraque foi o único país que não assinou o acordo, decidindo, em vez disso, retirar suas tropas e entregar seu setor à Legião Árabe da Jordânia.

 

Quais são os principais pontos de conflito no momento?

A indefinição quanto à criação de um Estado palestino independente; o avanço das construções de assentamentos israelenses na Cisjordânia; e a barreira de Israel a Gaza seriam, hoje, os principais elementos complicadores para o ‘processo de paz’.
Todavia, quem circula pelas ruas de Jerusalém sente que há algo ‘mais no ar’. Este algo, aliás, remete à própria Jerusalém. Enquanto Israel reivindica soberania sobre a cidade inteira e afirma que ela é sua capital “eterna e indivisível”, os árabes sustentam que Jerusalém Oriental (ocupada por Israel em 1967) deve ser a capital do futuro estado palestino.

 

Presente de grego?

Um movimento polêmico deverá marcar o 70º aniversário de Israel. Trata-se da mudança da embaixada norte-americana no país, que deixará Tel Aviv para se estabelecer na próxima segunda-feira, 14, em Jerusalém.

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