Homem torturado em Canoas confirma que foi obrigado pelo patrão a cortar o próprio dedo: “Era um troféu pra ele”

Seis dias depois de ser torturado durante cerca de 12 horas, um homem de 49 anos, morador de Canoas, aceitou narrar como o crime aconteceu. Ainda com diversos curativos pelo corpo e com um dedo amputado, ele relembra que só está vivo porque conseguiu cortar as correntes que o prendiam e fugir do cativeiro. O homem apontado como autor das agressões, dono de um ferro-velho onde a vítima trabalhava, foi preso na quinta-feira (27) e é investigado por tortura.

O nome do suspeito não foi divulgado, mas Zero Hora apurou tratar-se de Ricardo Sodré Fernandes da Silva. Ele passou por audiência de custódia nesta sexta-feira (28) e foi mantido em prisão preventiva, mas ainda não foi interrogado. Ele também não apresentou advogado. O espaço para manifestação da defesa dele segue aberto.

Em uma casa simples onde vive com a companheira e os quatro filhos dela, o homem agredido diz temer pela própria vida e das crianças, mesmo com o suspeito detido.

 

— Me assustei com o carro branco de vocês — confessou, ao apontar para o carro da reportagem, de mesma cor do carro do patrão.

A vítima, que não será identificada, conta que trabalhava de segunda a segunda no ferro-velho. Ele relata que, ao chegar na manhã de sábado, foi surpreendido com um golpe “mata-leão” e acusado de roubo.

 

— Quando eu entrei no estabelecimento dele, ele me derrubou no chão e disse que eu tinha roubado ele. Não deixou nem explicar, começou a me arrastar até o final da casa e ali me acorrentou e começou com choque, água quente, maçarico na cabeça e chutes no meu rosto, martelada — disse.

Acorrentado pelo tornozelo a um fogão a lenha, o homem foi mantido por horas sem água nem alimentação. Ele recorda que o agressor usava drogas e “se divertia” com a situação.

 

— Ele pegou um alicate de cortar cadeado e mandou eu cortar meu dedo. Se eu não cortasse, ele ia cortar a minha mão, com outro alicate maior. Ele desamarrou minhas mãos para eu pegar o alicate. Ele tava filmando, com o celular dele, aí quando eu cortei o dedo, ele mostrava na câmera. Era tipo um troféu pra ele — relembrou.

O autônomo diz que a todo momento implorava pela vida e negava que havia roubado qualquer coisa. O agressor, segundo ele, pretendia uma confissão de roubo de fios de cobre e ameaçava cortar outros dedos da vítima. Além disso, improvisou outros materiais de tortura.

 

— O choque era um cabo de vassoura com dois pregos na ponta, com o fio até a tomada 220. Encostava em mim e dava choque — disse, apontado para as marcas de prego que ficaram na barriga e em outras partes do corpo.

O patrão teria obrigado a vítima a rezar a oração da “Ave Maria”. Na frase “agora e na hora da nossa morte”, o homem corrigia o torturado.

 

— Ele disse: “Não é nossa morte, é a tua morte”. Aí eu sabia que não ia viver mais. Estava ali só sofrendo, não ia escapar mais. É muita tortura — recordou, em meio a lágrimas.

Além do agressor, havia outras duas pessoas no local: a companheira e a mãe dele. A vítima afirma que a companheira dizia para “matá-lo logo”, enquanto a mãe era obrigada pelo filho a assistir às cenas de crueldade. Foi somente no início da noite, quando o homem saiu do cômodo, que ele conseguiu escapar.

 

— Eu escapei com o mesmo alicate que eu atorei o dedo, eu cortei a corrente em dois lugares, de início eles estavam discutindo (agressor e a companheira), entraram para o quarto. Foi quando tive a oportunidade de cortar a corrente, a primeira coisa que fiz foi tirar do tornozelo e sair correndo. Nem olhei pra trás.

Do cativeiro até a casa, foram cerca de 15 minutos. No meio do caminho, a vítima relata que chegou a cair por conta da fraqueza. Ao chegar em casa, foi levado a uma unidade de pronto atendimento. Ainda com medo, mentiu aos médicos que tinha sido assaltado. A equipe de saúde não se convenceu da história e insistiu que ele contasse o que havia acontecido. O homem então relatou a tortura e a Brigada Militar foi acionada.

Na tarde de quinta-feira (27), a Polícia Civil conseguiu prender temporariamente o suspeito e apreender materiais usados no crime, como o alicate, os pregos e até uma furadeira que teria sido usada para perfurar os joelhos do empregado. Nesta sexta-feira (28), a investigação ainda deve ouvir outras pessoas. A companheira dele é considerada investigada, enquanto a mãe é tratada como testemunha.

 

— Existe uma possibilidade de (a mulher) ter atuado de alguma maneira, ou pela omissão — resumiu o delegado Marco Antônio Guns.

Sobre a motivação do crime, o policial diz que ocorreu por “puro sadismo”.

 

— A vítima disse que o suspeito exigia que ele confessasse um furto do seu dinheiro e cartão de crédito durante toda a sessão de tortura. Nenhum furto aconteceu. Não tem registro de ocorrência. Nada. Por sadismo ele (o suspeito) arrebatou e torturou — explicou Guns.

O Instituto-Geral de Perícias (IGP) realiza exames técnicos no local e nos objetos apreendidos. A análise preliminar identificou possíveis vestígios de sangue em um alicate corta-corrente, objeto que poderia ter sido usado para decepar o dedo da vítima.

 

Por GZH

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