Encontre a sua cenoura

Pernalonga (Bugs Bunny) é uma animação de 1940, e eu não sabia que era tão velhinho. Adorava assistir a ele nos idos da infância. Divertia-me com suas travessuras e aventuras. Sempre ele encontrava formas de superar seus adversários e conseguir seu intuito.

Há um episódio muito interessante que me foi contado por um colega psicólogo.

Certa vez, Pernalonga andava com seu burrico pelo paraíso e, por lá, havia flores, borboletas, árvores, lagos limpinhos, peixinhos, passarinhos voando, céu azul, que eram observados ao longo do caminho em que os dois seguiam tranquilamente. Porém, certa altura do trajeto, o burrico empacou e não quis mais seguir o caminho.

Pernalonga ficou intrigado e desceu para verificar a situação. Descobriu que havia uma divisória entre o paraíso e o que parecia ser um deserto à frente. O caminho modificou-se radicalmente. Caveiras de animais pelo chão, ausência de água, terra árida, muitas rochas, sol escaldante, cactos espinhosos, cobras, nada muito animador era o cenário que se apresentava.

Pernalonga tenta resolver o impasse puxando o burrico para prosseguir, mas este nada de sair do lugar. O coelhinho, muito inteligente. Esforça-se com suas múltiplas chantagens oferecendo milho, pasto fresquinho, levá-lo no colo, porém nada funcionou. Na última tentativa, colocou uma cenoura diante do quadrúpede que imediatamente começou a mover suas patas seguindo-o cegamente deserto adentro.

Na vida, não temos uma linha divisória que anuncia o fim da fase paraíso e início da fase deserto. O fato é que a vida não avisa, sequer permite ensaios, permite apenas a inevitável sequência de dias, até o último e derradeiro. Fases boas e ruins ocorrem concomitantes durante uma existência.

O fato é que precisamos encontrar a nossa cenoura, ou seja, descobrir o que nos faz caminhar, nos faz ir mais além e atravessar os desertos que a vida nos impõe, por vezes, bastante longos e intermináveis. Mas não há deserto que sempre perdure. Há sempre um paraíso a nosso alcance, se o desejarmos.

O que nos move de nossa paralisia? O que nos faz seguir adiante? Por que empacamos em determinados momentos, assuntos, relacionamentos e pontos cruciais? Por vezes não sabemos explicar, há momentos em que nos sentimos parados e sem forças emocionais para seguir, para ultrapassar desertos existenciais.

O fato é que não podemos permanecer paralisados porque a vida pede passagem, seguir é tudo o que precisamos diante de situações difíceis e dolorosas.

Por vezes, encontramos cenouras prontinhas e uma questão apenas de observar durante o percurso. É possível encontrá-las na mão que se estende diante de nós, num livro que nos chega pelo correio, numa orquídea amarela, num abraço de cumplicidade, num beijo ardente e apaixonado, num e-mail comentando sobre a crônica lida, num filme que nos envolve a alma, no chocolate quente, na criança que aprende a caminhar…

Outras vezes, quando as cenouras não estão prontas ao alcance da mão, é preciso ter paciência para semear, regar, esperar que cresça até que possa ser colhida. Parece-me que muitas coisas na vida ocorrem desta maneira. O tempo de espera dá-nos a dimensão do quanto desejamos verdadeiramente algo ou alguém. Há um tempo para plantar e um tempo para colher, nada está pronto.

Encontrar a cenoura é em última instância descobrir o sentido e significado em estar aqui. Tarefa única e intrasferível, não culpe ninguém, nem pais, nem marido, nem filhos, nem professores, nem amigos se em uma vida você não descobrir. Mas se desejar descobrir faça o seu melhor, e ao encontrar apenas desfrute do sabor que as cenouras carregam e o quanto nos fizeram andar, por vezes, de forma teimosa e insistentemente.

Por Maria Emília Bottini

 

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