Com urgência é preciso resgatar a função da família
“Muitas vezes, o primeiro não que a criança e adolescente escuta são da polícia, não dá família”
Conseguir que a família recupere sua função educativa e a consciência da sua responsabilidade perante os filhos, foi uma das principais temáticas abordadas pela Cultura FM durante a semana. O assunto faz parte do seminário regional “Universo das Relações familiares”, organizado pela Escola de Pais do Brasil, seccional de Erechim, que iniciou ontem (9) e segue nesta sexta-feira (10), no Centro Cultural 25 de Julho. Algo que está tão em voga e ao mesmo tempo, em falta. Abaixo alguns trechos da entrevista com o médico Cesar Augusto Detoni, que mais é um convite à reflexão. Detoni há anos organiza e participa da Escola de Pais em Erechim. A entrevista também contou com a participação, em um dos questionamentos, do Major Uilson Leri Cecconello, do Batalhão da Brigada Militar.
Em meio a um turbilhão de informações, qual relação sociedade x cidadão?
A sociedade no qual criamos depende do cidadão que nós criamos. Não adianta querer ter uma sociedade adequada, aculturada, uma vida de respeito mútuo, se o cidadão que estamos criando não respeita a diversidade. Num curso que realizei sobre cooperativismo, nós falávamos que não tem como construir um sistema cooperativo, para um cidadão que foi educado a ser capitalista.
Qual o papel da família no processo de construção da cidadania?
O ser humano não tem um lugar para ser educado, ele precisa da família. Nenhuma outra instituição tem a condição de substituir e, isso precisa ser pensado. Há várias formas de família que as circunstâncias da modernidade têm atropelado e nos levado a vivenciar. Um casamento pode se destituir e várias circunstâncias podem modificar funcionalmente uma família, mas ninguém pode esquecer que quando coloca um filho no mundo, nunca se deixa de ser pai e mãe, deixa-se apenas de ser marido e mulher. Quando as pendengas conjugais acontecem, os pais se separam e os filhos ficam abandonados, ou o casal vive junto, mas está muito mais preocupado com a vida econômica e social, do que com a educação dos filhos.
O que é preciso fazer para resgatar a função da família?
Precisamos compreender melhor a importância que essa instituição tem, pois o ser humano não nasce humano. Se você nasce e a sua mãe ou quem vai lhe cuidar fala inglês, aos dois anos você falará inglês. Nenhum de nós nasce humanizado, esse é o grande desafio. Isso se refere a milhares de anos. Quando várias espécies de hominídeos desapareceram, só o ser humano sobreviveu, porque teve uma guinada na história. Abandonamos a vida extintiva que todos os animais têm, como exemplo, um cachorro pode ser criado por uma gata, mas ele vai latir. Um bebê se for criado por uma gata vai miar, não vai falar. O ser humano abandonou o instinto e seguiu para o aprendizado. Aprendeu a língua que os seus cuidadores ensinaram, mas também aprendeu ser o cidadão que foi ensinado dentro das circunstâncias de família, rua, igreja, escola e tantos outros. O nosso cérebro não é individual, é social. Eu não só respeito o próximo por que isso está interiorizado em mim, mas porque tem forças da comunidade que me obrigam ter esse comportamento. O cérebro opera com aquilo que o rodeia.
Em meio uma crise de objetivos, a educação tem garantido espaço?
Quando nasce uma criança, ela traz uma bagagem de memórias comportamentais, que são chamadas de memórias hipergenéticas e influenciam nas tendências e determinados comportamentos dos quais ela nunca terá percepção, mas que são herdados dos antepassados. A gente não pode ‘pegar’ uma família, colocá-la perante essa realidade e em uma semana, um mês, querer moldá-la. Quem educa uma criança, educa três gerações. Ou seja, tudo que você faz para uma criança, ela vai transmitir aos descendentes duas vezes. Por isso temos que nos dar conta que quando falamos em educação, não estamos falando em educar para hoje, ou apenas para si, pois as memórias vão ficar. A família, dentro de uma circunstância cultural hoje está muito voltada para a produção de bens. Somos muito valorizados pelo que somos capazes de produzir e gastar, consumir. Somos seres do consumo, não somos vistos pelas pessoas, nem pelo próprio governo como cidadãos, mas como consumidores. Estamos levando isso para todos os níveis, todos os campos, inclusive as relações familiares. Colocamos-nos na posição de consumidor. Se você arrumou um marido, esposa, filho, que não lhe serve muito, não satisfaz as suas necessidades, você simplesmente quer descartar da sua vida. Estamos modulando as nossas relações pelo modelo de vida econômica que se leva, de consumo, produção de bens.
Educar é dar limites e não esperar que a vida ensine?
(Major Cecconello) – Muitas vezes, o primeiro não que a criança ou o adolescente escuta é da polícia, não da família. Em muitos momentos as famílias acabam não colocando os devidos limites, não tem controle e o não verdadeiro, o que tem que ser cumprido efetivamente, acaba sendo do policial. É quando as regras são impostas e o indivíduo tem que arcar com as irregularidades cometidas, administrativamente ou penal.
Como os pais têm participado da vida dos filhos em meio aos afazeres diários?
Eu acho muito bonito ser simpático e agradável com os filhos. Contudo, hoje convivemos com a culpabilidade muito grande dos pais, pois às vezes não podem estar com os filhos. Ouvi há pouco tempo dois homens conversando e um deles perguntou, “e aí como está seu filho, que tamanho ele está? Quando o pai foi explicar o tamanho do filho, sinalizou com a mão o tamanho na horizontal, como se fosse alguém que não crescesse na vertical. O pai só vê o filho deitado, de manhã quando ainda está dormindo, ou à noite, quando o filho está dormindo novamente. Ele explicou o tamanho do filho deitado. Quando a convivência é fraca, muitas são as consequências. Talvez, deveríamos brigar por menos posse e mais relacionamento, tempo e qualidade. Eu sempre digo que antes de eu morrer, quero ver mulheres, mães, brigando pelo direito de ser mães, de cuidar, e não para ter um lugar para deixar seu filho e ir ganhar dinheiro. A neurociência mostra que os primeiros três anos são fundamentais no desenvolvimento do cérebro, isso vai sacramentar muitos comportamentos ao longo de toda a vida. São experiências que vão ficar profundamente gravadas no nosso cérebro e determinar nossos comportamentos, conceitos, a questão da aceitação e dos limites. Enfim, é fundamental os primeiros anos de vida e, tem que ser feito com o afeto que só a mãe tem, nenhum cuidador conseguirá desempenhar tal papel. Ou seja, eu posso colocar limite com afeto ou, com tiro no peito. Temos que saber que se queremos viver em comunidade, o meu direito, limite, é cercado e definido, não por mim, mas pela comunidade onde estou vivendo, e a primeira comunidade é a família.
Qual a programação e temáticas do seminário nesta sexta-feira?
Hoje, os participantes do seminário poderão assistir a palestra “Convivência entre pais e filhos na infância”, ministrada pelo médico pediatra Jean Khater Filho. Ele é membro do conselho de educadores da Escola de Pais do Brasil. A palestra seguinte será “Convivência entre pais e filhos na adolescência”, que será ministrada pela psicóloga e psicopedagoga Ilham El Maerrawi. Pós-graduada em saúde pública, ela é especialista em psicologia clínica, doutora em ciências e membro do conselho de educadores da EPB.
Sobre a Escola de Pais
A seccional de Erechim da Escola de Pais do Brasil completa em 2017 seus 30 anos de história. Fundada em novembro de 1987, a entidade tem como objetivo aprimorar a formação dos pais, ajudando-os a melhor exercerem suas funções educativas na família e na sociedade. O movimento surgiu na França e chegou ao país em 1963, estando presente hoje em mais de 100 municípios do país.
Sua atuação se dá principalmente em escolas, as quais solicitam a presença da entidade, que realiza ciclo de debates buscando estabelecer o sentido de colaboração, de solidariedade e convivência fraterna entre os participantes. Desta forma, a escola busca um trabalho preventivo com os casais, de modo a reforçar as atividades familiares, a conscientização da paternidade responsável, transmissão de conhecimentos básicos de psicopedagogia e técnicas educativas, entre outros.
Entre o temário de levado para as discussões estão questões como valores e limites na educação, educação do nascimento à puberdade, sexualidade no ciclo de vida da família, cidadania e cultura da paz, adolescência, entre outros.
Por Carla Emanuele