Churrasco, crônica de uma saudade

I – Iguaria típica da culinária do nosso Estado, tradição dos domingos ao meio-dia e motivo para encontros entre amigos, familiares e mesmo desconhecidos, o churrasco é uma instituição gaúcha. Como vivemos em uma região abundante em carne bovina de qualidade, parece que comer um churrasco é sempre coisa muito simples: na falta de uma churrasqueira basta empilhar alguns tijolos, providenciar espetos, carne, carvão e sal grosso, para que em seguida esteja montado o cenário do suculento e delicioso assado que se tornou, ao longo do tempo, o prato mais apreciado pelas gaúchas e gaúchos de todas as querências. Contudo, nem tudo que é vendido como churrasco é, de fato, churrasco. Na Europa, por exemplo, proliferam as churrascarias que vendem um tipo de carne assada que pouco lembra o nosso churrasco.

II – Os vegetarianos e os médicos que me perdoem, mas um bom churrasco é fundamental. Não pretendo discutir os fundamentos éticos que fazem com que vegetarianos não comam carne, muito menos considerar os malefícios do consumo de carne em excesso. Pretendo apenas sustentar que, como alguém que aprecia carne e que não dispensa um bom churrasco, viver sem ele é quase um castigo. Dito isso, preciso esclarecer que essa tem sido a minha experiência nos últimos seis meses, momento no qual tenho me deparado com o consumo de muita carne de frango, porco e frutos de mar e também com a degustação de alguns churrascos fake. Dos alimentos que sinto falta em Portugal, o churrasco gaúcho, ao estilo gaúcho, com carne do Rio Grande do Sul ou do Uruguai e com o cheiro da gordura pingando no braseiro, é o que mais saudades me traz.

III – Que fique claro que, quando falo em churrascos fake, quero dizer churrasco com carne de baixa qualidade, feito no forno a gás e servido em lascas. É um pouco dessa experiência que tenho vivido por aqui, do outro lado do oceano. Sinceramente, eu não sei quem foi o herege que serviu pela primeira vez churrasco em lascas, mas essa forma de servir a carne simplesmente altera o seu sabor e acaba por não matar a vontade de comer churrasco. Por isso, sou partidário do churrasco feito com peças inteiras de carne, que se serve aos nacos. O resto é invenção de moda, coisa que deveria ser banida das churrascarias.

IV – Decididamente a carne europeia não é boa, a sua textura é diferente e o seu sabor também. A carne comercializada em Portugal não chega a ser dura, mas em nada lembra a carne do sul do Brasil, tampouco do Uruguai ou da Argentina. Isso faz com que o churrasco não tenha o sabor que estamos acostumados. Sequer o aroma é parecido. Se a opção for por uma churrascaria de Shopping Center, então, lascou literalmente. Como o uso de churrasqueiras de carvão não é permitido nesses estabelecimentos, resta assar a carne em uma churrasqueira a gás, o que somado à baixa qualidade da carne e ao tipo de corte ao servir, tornam a experiência do churrasco completamente diferente daquela que estamos acostumados.

V – Como se não bastasse a falta que um legítimo churrasco gaúcho tem feito na minha vida, pela lembrança do aroma e do sabor, não faltam amigos para compartilhar fotos, pelas redes sociais, de churrascos legitimamente gaúchos sendo assados na nossa querência. O último foi meu amigo Ricardo Conceição, que tratou de fazer propaganda de um costelão que ele estava assando na brasa. Não deixei barato e pelo menos, a título de consolo, fiz com que o Ricardo se comprometesse a assar um costelão idêntico àquele no meu retorno. Compromisso assumido, espero que a promessa se cumpra daqui seis meses. Terei uma longa saga no meu retorno para colocar em dia a ausência que o churrasco tem feito nas minhas refeições.

VI – Se qualquer tipo de carne assada pode levar o nome de churrasco mundo afora, mesmo não sendo churrasco, não seria o caso do Rio Grande do Sul fazer com o seu prato tradicional o mesmo que a região de Champagne, na França, fez com o seu espumante? Eu acredito que deveríamos, pelo menos, estabelecer alguns critérios para que uma carne assada seja considerada “churrasco de verdade”. Se não for o caso extremo de estabelecer um terroir do churrasco, o que implicaria nele ser feito exclusivamente no sul do Brasil, que tal uma “Lei da Pureza do Churrasco”, tal qual a promulgada em 1516 pelo Duque Guilherme IV, na Baviera, para a cerveja? Mesmo que tudo isso seja uma demasia cometida por um apaixonado pelo churrasco, que está privado do seu objeto de desejo, ainda resta uma certeza: o churrasco não é apenas um alimento ou uma tradição regional. É mais que isso. Representa a cultura imaterial de um povo, servindo de pretexto para confraternizações, afetos, encontros e despedidas. Por isso, vida longa ao churrasco. A minha churrasqueira não perde por esperar.

Por Luís Fernando Santos Corrêa da Silva

E-mail: lfscorrea@gmail.com

 

 

 

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