Há lugares na cidade que nos envolvem afetivamente. No meu caso, em Erechim são alguns lugares que me prendem mais, como é o caso de uma breve avenida com muitas árvores. Fica entre a Cordial e um grande terreno ao lado do Hospital da Unimed. Era a rua que eu ia, logo que cheguei na cidade, para ver o carro que acabei comprando.
De imediato, as frondosas árvores conferem, além de sombra, alguma elegância aquela rua que mais parece um estacionamento de carros. Com um canteiro central com gramado e algumas árvores e flores, algumas vezes mais bem cuidado do que em outras, dá um ar de ambiente mais rural a o início de uma parte bastante mais urbana da cidade.
Desde as primeiras vezes que andei por essa rua fui tomado por um sentimento bucólico. É um espaço em que o caminhar deve ser mais vagaroso, pois apreciar o “túnel verde” que emoldura a paisagem é uma experiência ao mesmo tempo singela e marcante. É nesta rua, que também vem se urbanizando com lojas comerciais para além da concessionária de veículos, que está a Sociedade Beneficente Jacinto Godoi, o Lar dos Velhinhos.
Sempre tive uma relação ambígua com asilos. Minha ideia de “depósito de pessoas” à espera da morte contrasta com a importância de um espaço em que as pessoas com idade mais avançada recebem cuidados e (com)vivem com bem-estar. Envelhecer é uma dádiva humana, mas, de forma realista, é também uma condição que exige, parecida com a infância, cuidados e proteção. Friso a questão de ser parecida, jamais igual, a condição da velhice e da infância. As pontas da vida, o início e o fim do nosso ciclo vital, as fraldas e a necessidade de carinho, a ausência e a abundância de experiências, a mão pequena e a mão com a pele mais fina pedem a nossa, seja para o alimento do corpo, seja para o da alma.
Mas é um asilo ali na rua bonita. Não é uma escola de Educação Infantil. Como tal, é um lugar que sempre me pareceu, à primeira vista, um seminário religioso. Seminários são escolas e, se tem pessoas idosas, tem muitos ensinamentos de vida. De um corpo que já se fragiliza em um espírito maduro, talhado em alegrias e tristezas. Assim como a ideia de “escolinha” e de “criancinhas” é problemática, a expressão “velhinhos” também não me agrada. Contudo, a compreendo e sei que existe a tradição cultural desta referência.
O diminutivo não deve se sobrepor à hiperbólica relação de idosos sendo cuidados em meio à natureza. Uma natureza já urbana, já próxima do que a urbanidade legou de positivo ao aumento médio da nossa expectativa de vida: hospital, remédio e profissionais dedicados a isso. Há uma especialidade da medicina focada no corpo e ne mente que envelhecem – a geriatria – assim como toda uma área que congrega diferentes profissionais que se dedicam ao cuidado e à pesquisa sobre o envelhecimento humano – a gerontologia. Há cursos de pós-graduação em envelhecimento humano, muito em decorrência da mudança significativa nas últimas décadas em relação à idade média da população brasileira.
Todas as possibilidades de um envelhecimento mais saudável estão postas historicamente, mais uma vez, a quem pode pagar. Esse é o dilema básico do capitalismo. As próprias regiões arborizadas das cidades, principalmente nas maiores, estão reservadas aos bairros de “alto padrão”, ao passo que a urbanização desenfreada é também predatória da natureza. Assim, envelhecer com cuidados e em uma rua bonita cheia de árvores é quase um privilégio.
Entre aspas
Dados do Censo Demográfico (2022) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)[1] mostram que o número de pessoas com mais de 65 anos ou mais de idade cresceu 57,4% em 12 anos. As regiões Sudeste e o Sul tinham estruturas mais envelhecidas: 12,2% e 12,1% da sua população tinham 65 anos ou mais de idade, respectivamente. No Rio Grande do Sul (115,0) e Rio de Janeiro (105,9), o número de idosos de 60 anos ou mais ultrapassou o de crianças de 0 a 14 anos.
Em 1980, o Brasil tinha 4,0% da população com 65 anos ou mais de idade. Os 10,9% alcançados em 2022 por essa parcela da população representa o maior percentual encontrado nos Censos Demográficos. No outro extremo da pirâmide etária, o percentual de crianças de até 14 anos de idade, que era de 38,2% em 1980, passou a 19,8% em 2022.
Em Erechim, dados do Censo[2] mostram que a população com mais de 69 anos de idade quase dobrou entre os recenseamentos de 2010 e 2022. Por isso, cabe uma atenção aos idosos, tanto nas políticas públicas, como no trato pessoal diário.
Thiago Ingrassia Pereira
Professor da UFFS Erechim
Coordenador do Projeto de Extensão “Dizer a sua palavra”: democratização da cultura popular e da comunicação
[1] https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/38186-censo-2022-numero-de-pessoas-com-65-anos-ou-mais-de-idade-cresceu-57-4-em-12-anos
[2] https://jornalboavista.com.br/populacao-com-69-anos-ou-mais-quase-dobra-em-erechim/