Artigo: as pandemias na História

Da peste bubônica ao novo coronavírus, professor Paulo José Sá Bittencourt analisa os contextos sociais de cada período e as medidas que foram adotadas no combate aos surtos epidêmicos

A característica definidora das pandemias é o surto epidêmico de abrangência global. Ao que tudo indica, a Peste Bubônica, conhecida popularmente como Peste Negra, foi a primeira grande pandemia de que se tem conhecimento. Não há consenso quanto ao número de mortos, mas estima-se que aproximadamente um terço da população europeia foi dizimada pela peste em meados do século XIV. Parte da Ásia, particularmente o Oriente Próximo, e o Norte da África também foram duramente atingidos pela devastação epidêmica. Uma diferença fundamental entre a pandemia da Peste Bubônica e o atual surto de COVID-19 é que a epidemia medieval foi causada por uma bactéria, a Yersinia pestis, transmitida por meio de pulgas que infestavam os ratos e outros roedores.

É preciso levar em conta que, naquela época, as condições de saneamento urbano eram péssimas, e atuavam como principal fator na explosão populacional de ratos. Só se pode falar realmente em condições modernas e mais abrangentes de saneamento entre as grandes cidades a partir do século XIX. Acredita-se que a Peste Bubônica atingiu a curva descendente na medida em que a higiene e o saneamento das cidades melhoraram, mesmo que timidamente, impactando na diminuição populacional de ratos urbanos. Mas, sem dúvida, o isolamento social atuou fortemente na contenção da epidemia.

De modo muito semelhante ao que ocorre em nossos dias, a Peste Negra gerou um pânico muito grande na população. As pessoas tinham medo de sair às ruas e contrair a doença por razões, evidentemente, errôneas, já que a crença vigente era a de que a peste se disseminava mediante o contato com os miasmas e gases venenosos que os doentes emitiam. De qualquer forma, a consequência do terror, em função de ter impedido maior circulação de pessoas, não deixou de ter seus efeitos de amortização.

Estima-se que o epicentro europeu da Peste Bubônica foi a cidade comercialmente próspera de Veneza. É lá que teria sido originado o termo “quarentena”, de inspiração bíblica, que definia a prática de restringir a circulação livre de pessoas, principalmente daquelas que chegavam à cidade em barcos e navios.

Muitas soluções milagrosas e crenças supersticiosas foram difundidas como meios pretensamente eficazes de combate à epidemia nos tempos medievais. Parece coisa do passado. Mas não é. Infelizmente, no Brasil, sobretudo por parte do governo federal e de segmentos ultrarreacionários do país, a atitude anticientífica tem gerado um estrago maior do que o próprio perigo potencial do COVID-19. A insistência do presidente em desconsiderar o poder destrutivo da epidemia vai contra a própria evidência empírica do que ocorreu em outros países, notadamente na Itália e na Espanha.

A experiência tem demonstrado que, principalmente na ausência de testes que diagnostiquem os infectados, o isolamento vertical é insuficiente. O discurso de que a perda de vidas humanas é inevitável, e que, portanto, a economia deve ser priorizada, sob o risco de uma perda maior, desconsidera o fato de que em contextos de surtos epidêmicos ou de guerras a economia de qualquer país inevitavelmente sofrerá crises de grandes proporções, e, mais ainda, exime o governo de assumir sua própria responsabilidade frente a esses quadros. Nessa perspectiva, o fundamental seria priorizar as vidas e adotar políticas de ação governamental que efetivamente amenizem os impactos econômicos sobre a população – ainda mais se tratando de um país como o Brasil, marcado por profundas mazelas sociais e um sistema único de saúde que, a despeito de ser um dos mais universais do mundo, pouca atenção recebe em termos orçamentários e estruturais, comparativamente, por exemplo, ao que ocorre em países europeus. Medidas radicais de confinamento implicam um combate mais seguro ao vírus e, muito provavelmente, uma erradicação mais precoce de sua propagação.

Uma semelhança que também se pode assinalar entre a pandemia do coronavírus e outro surto epidêmico do passado é a que se verificou com a gripe espanhola, em 1918, provocada pelo vírus influenza do tipo A H1N1. No início do surto, as autoridades governamentais seguiam, em geral, o padrão de negação da própria realidade da crise sanitária, diante, principalmente, da dificuldade de se diagnosticar a natureza da doença e de seu potencial nefasto sobre a economia e os sistemas de saúde. O resultado, contudo, foi a contaminação de praticamente um quarto da população mundial e uma estimativa de 17 a 50 milhões de mortos. No Brasil, as cifras giraram em torno de 35 mil mortos, entre os quais, o próprio presidente Rodrigues Alves.

A gripe suína de 2009, causada por uma variação violenta do vírus H1N1 e originada no México, também contou com medidas de isolamento e de restrição à circulação livre de pessoas, embora em grau muito menor. O principal diferencial, contudo, foi a possibilidade de obtenção da vacina em curto prazo, o que não se verifica na atual situação. As estimativas de descoberta da vacina contra a COVID-19 apontam para um período de até um ano e meio. Não há ainda medicação comprovadamente eficaz. Portanto, diante da incerteza, cabe acolhermos medidas de precaução recomendadas por autoridades em saúde, infectologistas, epidemiologistas, virologistas, biólogos, químicos, médicos e enfermeiros, e, sobretudo, fazermos a nossa parte.

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