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A Rússia de 2018: uma ex-potência em decadência?

Por Samuel Schneider – advogado, historiador e escritor (samuelceluppischneider@hotmail.com)

País com o maior território do mundo e, provavelmente, com as loiras mais cobiçadas (como as tenistas Sharapova e Kournikova), a Rússia é admirada por milhões no Brasil. Em grande parte, pelo fato desse país ter sido o primeiro Estado comunista do planeta – regime que aniquilou os nazistas em Stalingrado, construiu o fuzil Kalashnikov AK-47 e mandou o primeiro homem pro espaço, Yuri Gagarin. Mas a Rússia também é admirada por uma legião de jovens da era digital que, mediante Facebook e YouTube, se divertem com fotos e vídeos sobre o peculiar comportamento dos eslavos orientais. A Copa do Mundo de 2018 certamente atrairá as atenções para Moscou e São Petersburgo, metrópoles repletas de jovens suburbanos “gopniks” que, quase sempre bebendo vodca, desfilam com seus carros Lada e suas roupas Adidas.

Por mais que se esforce, o czar pós-soviético Vladimir Putin não consegue esconder a realidade de seu país mediante censura. A Rússia é a terra gélida: onde discussões de trânsito são resolvidas no soco, na paulada e na facada; onde bater na mulher é tolerado como algo “masculino”; onde crianças aprendem a manusear e disparar fuzis na escola; onde beber vodca já no almoço é costume; onde drogas como o Krokokil (analgésico desomorfina, injetado com gasolina na veia) são consumidas em massa; onde homossexuais são espancados, difamados e até assassinados; onde belas meninas apelam para prostituição e pornografia por falta de oportunidades; onde a pequena iniciativa privada é quase inexistente. O Estado russo tolera e até incentiva tudo isso. Moscou financia a pirataria digital, espiona eleições estrangeiras e até assassina desafetos, como o ex-espião recentemente envenenado na Inglaterra. Nos Jogos Olímpicos de Inverno em Pyeongchang, na Coréia do Sul, os atletas russos desfilaram sem bandeira e sem hino, como punição para os casos recorrentes de doping – respeitar as regras é algo incomum nos feudos do Kremlin.

O objetivo desse texto não é criticar a Rússia. É, sim, mostrar que alguns simpatizantes na verdade não são muito compatíveis com tal cultura. Por favor, leitor, repense seus conceitos, você que: se diz stalinista porém pesa 120 kg de tanto beber Coca-Cola; se diz adepto da cultura viking porém nunca trocou socos com um desafeto; gostaria de se chamar Ivan ou Vassily porém adora viver num país tropical, cordial e acolhedor como o Brasil. A grande verdade é que você provavelmente teria depressão caso morasse no Leste Europeu. Talvez tentaria o suicídio – algo comum entre os eslavos. Napoleão conquistou quase toda a Europa, mas sucumbiu no inverno russo. Nem os nazistas, truculentos como eram, aguentaram competir no soco e no tiro com os soviéticos. Cantar música tradicionalista de gaúcho não significa que você prestaria para cossaco: sua cidade nunca foi dizimada pelos genocidas de Hitler, nem sua família conheceu a tirania totalitária de Stálin.

É inegável que a Rússia ainda tem prestígio e influência. Na Guerra Civil da Síria, por exemplo, aviões e helicópteros russos apoiam decisivamente o regime de Bashar al-Assad. Todavia, um caça MiG-29 caiu no mar ao tentar aterrissar no porta-aviões Almirante Kuznetsov, o que denota amadorismo; além disso, segundo denúncias, bombas incendiárias e termobáricas foram usadas contra áreas civis sírias, provocando mortes desnecessárias. Tal desprezo pela vida alheia pode ser constatado, literariamente, nas obras de Fiódor Dostoiévski sobre as estepes da Sibéria, e, politicamente, nas biografias de czares como Ivan, o Terrível – um dos precursores de Putin. Reinando num simulacro de democracia, o “presidente” Putin é ex-espião da KGB, a polícia secreta soviética, que treinou-o na Guerra Fria com aulas sobre sabotagem, interrogatório, tortura, pancadaria e muita pólvora – produto difundido na Rússia como aqui é a farinha de mandioca.

A geopolítica global mudou muito desde a era Stálin. Possuir bombas atômicas já não entusiasma as massas. E, hoje, os povos em ascensão não são brancos, nem europeus, são asiáticos e muçulmanos.  A população russa, de 144 milhões, é menor que a brasileira, de 207 milhões, menor que a americana, de 321 milhões, e mui pequena se comparada com a indiana (1,28 bilhão) e a chinesa (1,38 bilhão). Tal população não goza de pujança econômica. A exportação russa se baseia em minerais, sobretudo petróleo, não em produtos elaborados como os da Volkswagen alemã, os da Toyota japonesa e os da Apple americana. Sem dúvida, os fracassos do comunismo deixaram seu legado. Como lembra o historiador Eric Hobsbawm, em 1914 a Rússia era o maior exportador mundial de grãos, tornando-se, em 1991, o maior importador. Moscou, capital do proletariado mundial por décadas, hoje é um símbolo de desigualdade onde bilionários e arranha-céus convivem com desempregados drogando-se e embriagando-se pelos cantos.

O principal problema russo é, talvez, o demográfico: as taxas de natalidade são baixíssimas; milhões de mulheres são estéreis devido a problemas como abortos e radiação; o sistema de saúde é elitista; drogas injetáveis geraram uma epidemia de HIV; doenças cardiovasculares avolumam-se devido ao excesso de álcool e tabaco. A expectativa de vida (meros 62 anos para os homens) e as taxas de mortalidade são comparáveis às do Terceiro Mundo.

A Copa do Mundo de 2018 é uma boa oportunidade para repensar conceitos. Os russos ainda oprimem povos estrangeiros, como ucranianos e chechenos; ainda toleram demagogos antidemocráticos; ainda degradam o meio-ambiente; ainda glorificam a violência e ainda desconfiam da liberdade individual. O país que derrotou o nazismo e que já recebeu 25 Prêmios Nobel ainda não permite a seus cidadãos expressarem-se, inventarem e empreenderem com autonomia privada. Russos de todo o mundo, atualizai-vos!

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