I
Quando eu era pequeno tive um cachorrinho. Um vira-lata que definitivamente integrava o grupo dos meus melhores amigos, companheiro inseparável. Mas lá pelos meus seis anos de idade ele desapareceu. Fiquei inconsolável, chorei, minha mãe disse que ele havia encontrado uma cachorrinha e foi embora fazer a família dele, pois já era adulto. Não me conformei, o Mugui não faria isso comigo sem se despedir. Saí para procurá-lo e fiz isso por dias, até que alguém me contou a verdade: ele havia sido atropelado e morreu. Foram meses de luto e no processo acabei perdendo o interesse por pets. Nunca mais tive outro. Não me entendam mal, não é que eu desgoste deles, brinco com os dos meus irmãos e conhecidos e tento ajudar os que precisam quando posso, mas evito me envolver sentimentalmente. Possivelmente um trauma pela minha perda, diria algum especialista no assunto.
Trabalho com a Sirley Ioppi, incansável combatente pelo bem-estar destes bichinhos, e ao lado dela conheci um pouco mais sobre o sofrimento e abandono a que são submetidos cães e gatos. Assustadora a capacidade de alguns seres humanos em não serem humanos. Mesmo assim, procuro manter a minha política de não me envolver sentimentalmente. Mas não é que na semana passada, cedinho da manhã, saio do estúdio, vou para a calçada, olho para o lado e vejo uma cachorrinha, pequenininha, andando à esmo na esquina, quase em círculos. Vai para lá e para cá até que, claramente sem saber o que fazer, senta e começa olhar para os lados. Ao fundo o sol surgia sobre o Parque Longínes Malinowski e refletia nela. Então o bichinho ergue a cabeça e solta um uivo lamurioso, triste. O vapor exala de sua boca. Ela uiva novamente. Eu entristeço junto com ela e chamo a Sirley, porque, mais ou menos, funciona assim: se ocorre um assalto, você aciona a polícia, se ocorre uma situação de animal abandonado, você aciona a Sirley.
II
A Sirley vai lá, verifica se não há ferimentos, pega a cachorrinha no colo e abraça. O animal não solta um único latido e se aconchega. A Sirley então começa as ligações para Ongs e parceiros voluntários. Uns 20 minutos depois chega um carro e a pessoa leva a cachorrinha, que apelidei de Morceguinha, por causa das orelhas grandes. Ela recebe tratamento em uma Ong e antes que a manhã acabe já está sendo levada para um lar. Por coincidência, sorte ou intervenção divina, havia uma família procurando um cão de porte pequeno para adotar. Procuro pelas redes sociais se por um acaso alguém não perdeu um animalzinho com as características da Morceguinha, não encontro nada. Imagino o que já havia pensado quando a vi perdida, triste, chorosa e assustada, sem saber para onde ir: deve ter sido abandonada.
Até pouco tempo integrava o grupo daquelas pessoas que pensavam: bah, mas tem tanta criança abandonada, temos que ajudar é a elas. A Morceguinha me comoveu, senti naqueles breves minutos o desespero de alguém abandonado no frio, sem comida, água ou abrigo. Ela me fez lembrar do Mugui e do quanto ele foi importante para mim, o quanto me fez feliz enquanto estivemos juntos. Claro que o fato não mudou a necessidade que existe de lutar pelas crianças, mas torço que durante nosso crescimento evolutivo, possamos auxiliar ambos, mais até, que paremos de abandonar e maltratar ambos.
Por Alan Dias