A ARTE DE RUA É CULTURA E DESAFIA O PRECONCEITO COM BRAVURA

No trajeto diário para o trabalho, não faz questão de olhar para o lado quando se depara com “eles”. Para esse cidadão ou cidadã, aqueles colares coloridos, marcas de rebeldia, não merecem sua atenção, é o diferente que incomoda. Já se deparou com essa situação?

“Por isso tem muito maluco na rua, porque não é que o cara esteja mendigando, não, pelo contrário, ele tá se libertando dos seus apegos, dos seus egos, pois a rua te dá liberdade […] às vezes a pessoa tá passando ali triste do seu lado e você nem vende, você dá o brinco e engrandece o dia da pessoa, ao olhar de muita gente a gente só tá ali atrapalhando, sujando e pedindo esmola – a arte é liberdade, é beleza e é cultura”, é o que dizem Luís Eduardo Soares (Vulgo Pirata) e Ana Laura Chagas (Vulgo Cigana)[1], artistas das ruas de Erexim que produzem amuletos, incensários, braceletes entre muitas outras artes e que se disponibilizaram para falar com o dizer a sua palavra e participar desse texto.

O que você sente ao ver os artesãos e suas artes na avenida? Algumas pesquisas indicam que crianças, adolescentes e jovens sentem-se entusiasmados e curiosos com as artes. Em oposição, adultos e os mais velhos parecem ter aversão à presença dos artistas nas ruas, “muitos não foram apenas indiferentes às performances, mas demonstraram estar incomodados com elas”[2], tendo como imediata reação o afastamento do local onde os artistas estão e evitam olhar.

Essas são reações frequentes no centro de Erexim justamente por um erro de discernimento. Quem são aquelas pessoas e o que estão fazendo ali misturado com uma pitada de preconceito de quem as vê: arte ou esmola?

Em uma conversa com Luís e Ana, desmistificamos alguns pré-conceitos do cotidiano da arte da rua, e sim, realmente se trata de arte e cultura. Segundo os artistas, não há como dizer que decidiram seguir um caminho artístico, mas, sim, a arte que foi invadindo a vida deles. E essa arte (tanto dita) vai muito além do que imaginamos e transmitimos em palavras, a arte é como se fosse um tempero, o que dá sabor e ela só existe, porque viver por si só não basta. A arte é o farol que ilumina e o que trás esperança na rotina do trabalho cotidiano. Todos nós temos potencial de criação.

Podemos observar que as condições de trabalho variam muito: se é um malabarista no sinal, artesão, musicista… É como se fossem corpos invisíveis, a própria fiscalização da cidade não permite o comércio ambulante, inúmeras artes são proibidas por conta da intolerância religiosa, o medo de suas artes serem levadas por não serem permitidas ali é real. Há muitas barreiras e ignorâncias, mas esse ódio não é recíproco: tudo é devolvido pelos artistas com respeito.

A arte te mostra que você pode fazer coisas inimagináveis, diz Luís, “a arte é resistência, é uma luta diária, uma luta antepassada que não podemos esquecer para a luta de hoje, a nossa munição não é a arma, é sorriso, é palavra, é conhecimento, o estudo é o maior escudo contra a opressão e a arte vem e se encaixa nesse aspecto: um olhar diferente”.

Freire já dizia em um livro antigo, mas fundamentalmente atual: “quem, melhor que os oprimidos, se encontrará preparado para entender o significado terrível de uma sociedade opressora? […] Quem, mais que eles, para ir compreendendo a necessidade da libertação?”[3].

Por isso, às vezes podemos nos perguntar “mas dá para viver com essas moedinhas?”, “Mas ganha quanto?”, Luís nos diz que “as moedas são só uma ferramenta que a gente usa para se alimentar, pagar uma conta, agora o sorriso que dá a criança da janela do carro (vendo o malabarismo) é sem preço”.

A arte não é mensurável, “a riqueza da arte é o sorriso da criança”.

Entre aspas

Potencializar a arte de rua da cidade envolve ampliar seu reconhecimento na comunidade, incentivando artistas a criar suas obras e visibilizando quem são e o que fazem. Quando os encontrarem, faça o mesmo de quando estamos nos trilhos de trem: Pare, Olhe, Escute!

Para deslumbrar-se com mais criações energizantes, siga no instagram os artistas participantes da conversa para a escrita deste texto: @rua_arte_cultura (Peregrino da Luz).

Kaylani Dal Medico

Discente do Curso de Licenciatura em Pedagogia da UFFS Erechim.

Bolsista do Projeto de Extensão “Dizer a sua palavra”: democratização da cultura popular e da comunicação

kaylanidalmedico@hotmail.com

[1] Ambos os artistas autorizaram o uso de suas identidades nesta publicação.

[2] Buscariolli, Bruno; Carneiro, Adele de Toledo; Santos, Eliane. Artistas de rua: trabalhadores ou pedintes?. Cadernos Metrópole, v. 18, p. 879-898, 2016, p. 892.

[3] Freire, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2022. p. 43.

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