As delícias e os desafios de morar no exterior

I
No sábado passado, dia 19 de maio, completei três meses de residência em Portugal, o que significa a conclusão da primeira quarta parte do período que devo permanecer aqui. Neste período tive a oportunidade de conhecer um pouco dos costumes locais, de provar a deliciosa culinária portuguesa, de viajar por algumas cidades e, sobretudo, de criar fortes laços de carinho com a cidade de Coimbra, onde resido, e com a universidade que leva o mesmo nome, meu local de trabalho. A experiência de viver distante do Brasil suscitou a escrita da coluna desse mês, na qual pretendo falar sobre a minha experiência e também sobre aquilo que significa morar no exterior, mesmo que o dito “exterior” seja muito diverso e quase sempre esteja vinculado a um espaço geográfico determinado. Pretendo argumentar que essa é uma experiência concomitantemente deli­ciosa e desafiadora, que envolve descoberta e saudade, expectativa e realidade.

II
Nos últimos anos, a crise econômica e o aumento da violência urbana têm contribuído para alimentar o sonho dos brasileiros que pretendem morar no exterior. Segundo dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteira de Portugal, somente em 2017 aproximadamente 29 mil imigrantes fixaram residência no país, dos quais a maioria era composta por brasileiros e asiáticos. A familiaridade com a língua, o bom momento econômico do país e os elevados níveis de segurança têm contribuído para que Portugal se torne um dos principais destinos dos brasileiros que pretendem imigrar. Soma-se a isso o fato de Portugal fazer parte da União Europeia, que hoje conta com 28 países, o que favorece o deslocamento turístico sem burocracia e a um custo reduzido.

III
Cabe destacar que meu caso foi um pouco diferente da maioria, primeiro porque meu período de permanência aqui é determinado – retorno ao Brasil em fevereiro de 2019 – e, segundo, porque decidi morar em Portugal por um motivo acadêmico, qual seja, minha inserção como Investigador Visitante em Estágio Pós-Doutoral no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Desse modo, embarquei para Portugal com visto, carta convite da instituição de ensino superior e com condições econômicas para me manter até o final do período de estadia. Certamente isso tem feito toda a diferença, porque permite que eu viva o ambiente da universidade e também a cultura e as belezas locais, sem a preocupação de buscar uma forma de sustento, o que é sempre complicado para um imigrante.

IV
Nesses três primeiros meses tenho constatado que Portugal realmente é um país muito seguro. Há também uma cordialidade média no trato cotidiano que é bastante interessante. A culinária é simplesmente espetacular, principalmente se você aprecia, assim como eu, frutos do mar, pães e doces. Contudo, é importante destacar que tem contribuído para que minha estadia aqui seja agradável o fato de estar vinculado a uma universidade e de estar residindo legalmente no país. Se fosse de outro modo, é sempre importante lembrar que imigrantes ilegais tendem a passar por inúmeras dificuldades, que vão desde a impossibilidade de obter emprego formalizado, até a inviabilidade do acesso aos serviços de saúde e proteção social. Por tudo isso, o sonho de morar no exterior é sempre mais ou menos exitoso de acordo com a sua condição de entrada no novo país. Em Portugal, assim como em outros países europeus, isso pode ser determinante.

V
Se existe algo que se precisa ter claro no momento de tomar a decisão de morar em outro país é que, fora do Brasil, você será sempre será um estrangeiro. Esse mantra vale para todos. Mesmo que você tenha dupla nacionalidade, o fato do seu sotaque ser diferente daquele falado aqui já coloca você na condição de estrangeiro, pelo menos na forma como você será visto pelos “nativos”. É inegável que existe preconceito contra estrangeiros, seja em Portugal, nos Estados Unidos, na França e também no Brasil, ou será que em Erechim não existe preconceito contra os imigrantes senegaleses e haitianos, por exemplo? Lamentavelmente, o preconceito é uma chaga presente em todas as sociedades e derivada de diversas motivações. Em Portugal, o preconceito contra estrangeiros está relacionado à língua – o português de Portugal é muito mais formal do que o português falado no Brasil, o que faz com que alguns portugueses acreditem que falamos errado –, bem como aos costumes e também à pressão concorrencial que os brasileiros exercem no mercado de trabalho. Se somarmos ao preconceito a saudade do Brasil, da família e dos amigos, teremos os principais desafios do imigrante brasileiro em Portugal. Não são desafios insuperáveis, mas é sempre bom que se esteja pronto para saber lidar com eles.

VI
Dentre as coisas que aprendi com o meu amigo Thiago Ingrassia Pereira, companheiro de trabalho e de microfone, uma delas tem me feito refletir bastante neste processo de auto-exílio de um ano em Portugal. Em 2010, durante nossa mudança para Erechim, Thiago disse o seguinte, textualmente: “Não importa onde se está. Importa mesmo é onde se pode ir”. Lembro dessa frase porque ela faz sentido não apenas hoje, não apenas para os que têm o desejo de viver a experiência de morar no exterior, mas também porque para aqueles que, como eu, esperam o dia do retorno ao Brasil com alegria e entusiasmo. E se é verdade que importa mais onde se pode ir do que onde se está, resta desejar que os caminhos sejam sempre percorridos com o espírito aberto para o novo, que é sempre algo que nos desafia e serve como combustível para a vida.

 

 

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