Enquanto aguarda o início de sua formatura, Elisiane Maria Bertella passa a mão na barriga e sente a vibração da criança que espera. A mãe acredita na esperança de um futuro melhor para a menina que está para nascer. “Quero que minha filha tenha a mesma oportunidade que eu tive de estudar em uma Universidade Federal”, reflete. Elisiane faz parte da primeira turma de formandos do curso superior Interdisciplinar em Educação do Campo: Ciências da Natureza – Licenciatura, da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) – Campus Erechim. A colação de grau ocorreu na sexta-feira (16), em um dos auditórios da instituição.
Para a jovem mãe, impossível não fazer uma avaliação do antes e depois dessa jornada na academia. “A Elisiane que sai agora do curso é uma pessoa muito mais madura na área da educação, e bem mais ciente da realidade no país. Digo isso especialmente no que se refere às escolas do campo, uma vez que todas estão fechando”, aponta.
A preocupação com o cenário é a mesma para todos os envolvidos na área. Em seu discurso durante a colação de grau, o vice-reitor da UFFS, Antônio Inácio Andrioli, ratificou que é preciso assumir uma série de desafios para que o curso, ofertado em regime de alternância, possa continuar. “Um desses desafios, certamente, são os recursos. Em julho nós sabemos que acaba o período previsto de três anos para os auxílios de transporte, alimentação e alojamento e que puderam atender a essa forma tão ousada e tão próxima das necessidades da classe trabalhadora, que é a pedagogia de alternância”, afirmou Andrioli. “Estamos fazendo uma série de esforços. Primeiro cobrando do Estado, porque é um dever do Estado a Educação do Campo. E é um direito de todos: das populações indígenas, das populações quilombolas, das populações ribeirinhas, das populações camponesas e de tantos povos tradicionais que nós muitas vezes nem sabemos como categorizar.”
O regime de alternância refere-se à organização sob a qual o curso é construído. São duas temporalidades: tempo-universidade e tempo-comunidade. Na primeira, os alunos têm aulas no próprio campus universitário, assim como os demais cursos de graduação. Já no tempo-comunidade, a ideia é de que os acadêmicos apliquem seus conhecimentos nas localidades em que estão inseridos. Com duração de oito semestres, o curso é uma demanda de toda a região – especialmente dos movimentos sociais –, e atende, por ordem de prioridade: docentes que atuam em escolas do campo sem habilitação, docentes que atuam em escolas do campo com graduação em outra área do conhecimento, educadores que atuam em processos formativos desenvolvidos em espaços educativos não-formais (sindicatos, movimentos sociais e outros) e demais interessados na temática do campo e nas Ciências da Natureza.
Moradora do município de Barão de Cotegipe, a formanda Cristine Miszewski conta que, para ela, o curso significou uma nova perspectiva de vida. “Eu fazia Direito em uma universidade particular e tive que trancar por questões financeiras. Estava trabalhando em uma escola de Educação Infantil, com duas filhas pequenas para criar”, relembra. “Na época, o que me atraiu para a Educação do Campo foi justamente o regime de alternância, que permitia que eu estudasse sem tem que me ausentar de casa. Fui me apaixonando de vez pela área conforme ia retomando minha vida acadêmica”, diz a agora licenciada. “A UFFS para mim foi um divisor de águas. Ela me deu uma nova perspectiva de futuro. Meu próximo plano é ingressar em um mestrado. Não quero me afastar da Universidade por completo, por isso, estou participando de alguns grupos de estudos. Não quero perder o vínculo”.
A oradora da turma, Eliana Chittó, afirmou: “somos construtores de um processo de luta por educação pública de qualidade, em especial a Educação do Campo, que ao longo da história teve negada a possibilidade de acessar os conhecimentos científicos. A Licenciatura em Educação do Campo é um marco na conquista dos movimentos de luta dos povos do campo. É um curso que deixa marcas em nossas vidas e na Universidade, contribuindo com o desenvolvimento do nosso pensamento no que se refere à formação do ser humano e que tipo de homem e mulher queremos formar”.Transformados e transformadores
Para o coordenador do curso, Denilson da Silva, a colação de grau é o ápice do momento formativo, que inicia com o acesso dos acadêmicos à UFFS. “Quando se trata da Educação do Campo, seguramente estamos falando de um público que até então suas gerações não estavam na universidade. É uma responsabilidade muito grande. Esse momento coroa um trabalho de cinco anos de professores, coordenadores, e também coroa o trabalho desses alunos”.
Coroação esta que é capaz de transformar não apenas aqueles que concluem o curso, mas também toda a Universidade, bem como as comunidades que serão beneficiadas com a chegada de novos profissionais nas escolas. Segundo o diretor da UFFS – Campus Erechim, Anderson Ribeiro, “certamente as graduadas e graduados completam esse nível educacional transformados na sua maneira de ver, perceber, entender e interferir nos processos do mundo”. E continuou: “temos, todas e todos que estão aqui hoje, o dever de defender que os investimentos realizados para que esse momento de festividade ocorra, que eles continuem e sirvam àqueles que vierem depois de nós. Temos o dever de estar engajados na construção de um projeto de nação na educação como base e direito fundamental, em que todas as carreiras sejam devidamente valorizadas”.
A paraninfa da turma foi a professora Lisandra Almeida Lisovski. Receberam o título de licenciados em Interdisciplinar em Educação do Campo – Ciências da Natureza: Cristine Miszewski, Eliana Chittó, Elisiane Maria Bertella, Guilherme Bertuzzi Faenello, Marilena Berria, Patrícia Faenello Plauth e Silas Cleiton Soligo.