TSE proíbe na eleição paródias musicais não autorizadas por compositores
Tribunal publica norma que traz segurança jurídica aos criadores; envolvimento de artistas como Marisa Monte e Paula Lima foi decisivo
As paródias de músicas em jingles políticos sem autorização dos compositores originais estão proibidas nas eleições 2024. A decisão, publicada ainda em março pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), era longamente esperada pelos autores e restaura provisoriamente sua segurança jurídica desde que, em 2022, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) autorizou as paródias políticas em qualquer caso, mesmo contra o desejo dos criadores das canções “parodiadas”.
A resolução 23.732/2024 do TSE altera uma anterior, de 2019, com uma série de normas sobre o processo eleitoral. Além de incluir o tema das paródias, a nova resolução aborda o problema da crescente difusão dos deepfakes, montagens digitais com enorme nível de verossimilhança e que podem simular declarações falsas atribuídas a personagens públicos ou até apoios inexistentes a determinados candidatos. Em ambos os casos, o dano moral aos envolvidos sem sua autorização seria o mesmo, ao ter sua imagem associada a figuras do mundo político com as quais poderiam inclusive estar em completo desacordo ideológico.
Considerada uma vitória dos artistas, a decisão do TSE se deu após uma série de audiências públicas para tratar do tema — além de muita articulação de entidades como a UBC e a associação Procure Saber, entre várias outras. Numa das audiências, no final de janeiro passado, a cantora e compositora Marisa Monte fez um contundente discurso defendendo a proibição das paródias sem autorização. Ela mencionou o conceito de direito moral, aquele pelo qual o criador de uma obra tem a prerrogativa de se opor a usos dela que firam sua honra e convicções. E chamou de tortura moral ver uma obra sua usada sem autorização num caso assim.
“Uma tortura moral, psicológica, e venho aqui expressar essa preocupação da classe. A nossa sugestão é que seja direito do autor impedir que sua obra seja usada através de paródia em jingles eleitorais”, disse Marisa durante sua intervenção.
Para o advogado Sydney Sanches, especialista em direito autoral e consultor jurídico da UBC, a participação de Marisa na fase das audiências públicas foi decisiva para a efetiva inclusão da proibição às paródias sem autorização nas normas das eleições de 2024.
“Ela apresentou boas argumentações. A presença de Marisa, representando os diretamente afetados, foi um exemplo de como é importante a voz do titular nas questões envolvendo seus interesses. No final das contas, essas questões do direito moral são personalíssimas. Quando alguém como Marisa Monte fala sobre isso, ganha outra dimensão. Um advogado não teria, de jeito nenhum, a mesma força”, afirmou Sanches.
Marisa durante sua participação na audiência pública do TSE. Reprodução
O advogado destacou ainda a grande atuação de outra cantora e compositora para o bom resultado: a de Paula Lima, presidente da UBC.
“Ela esteve todo o tempo com o grupo que vinha fazendo o trabalho junto aos tribunais, acompanhando, sugerindo, participando. Paula vem tendo um papel protagonista dentro desse processo, um processo que continua, na verdade. Se, por um lado, temos essa decisão vital do TSE, por outro ainda temos aberta a discussão dentro do STJ, além de um projeto de lei que tenta dar maior segurança aos compositores”, completou Sanches.
A grande visibilidade que o assunto ganhou começou em 2014, quando, numa de suas campanhas para deputado federal, o palhaço Tiririca fez uma “paródia” da canção “O Portão”, de Erasmo e Roberto Carlos. Na ocasião, os versos “Eu voltei, agora pra ficar/Porque aqui, aqui é meu lugar” foram alterados pelo palhaço para “Eu votei, de novo vou votar/Tiririca, Brasília é meu lugar.”
Após uma longa batalha judicial entre Tiririca e a Sony Publishing, editora da obra original, o STJ liberou as paródias, em 2022, amparando-se num argumento amplamente criticado por juristas: o de que elas se inserem no contexto da Lei de Direitos Autorais (9.610/98). Em tal normativa, porém, a finalidade das imitações, piadas e paródias é preservar a liberdade de expressão e as manifestações artísticas críticas e/ou cômicas, que tenham um fim em si mesmas, e não o propósito de vender e oferecer serviços, produtos ou, no caso, promover candidaturas.
Esta é a argumentação que vem sendo feita pela Sony e entidades que apoiam a causa dos artistas, entre elas a UBC. Atualmente, quem analisa o caso dentro do STJ é o ministro João Otávio de Noronha, e não há um prazo pré-definido para a sua conclusão.
Paralelamente, como já noticiamos em diferentes ocasiões aqui no site da UBC, o Congresso Nacional também se debruça sobre o tema. Um projeto de lei apresentado no final de 2022 pela deputada Lídice da Mata tenta proibir definitivamente as paródias políticas de músicas sem a autorização expressa dos criadores das canções originais.
O projeto, de número 1.468/2022, começou com uma tramitação conclusiva, ou seja, caso fosse aprovado nas comissões pertinentes não precisaria ir a Plenário antes de virar lei. Porém, no final de novembro passado foi apresentado um recurso para alterar esse regime, e ainda não houve uma decisão sobre isso por parte da Mesa Diretora da Câmara. Espera-se, para as próximas semanas, que o projeto volte a andar.
“A resolução de agora do TSE dá forças aos compositores, tanto no julgamento do STJ como na tramitação do projeto na Câmara. Quando um tribunal importante como o TSE, que regula as eleições, publica uma decisão com um entendimento tão claro sobre a questão, isso beneficia demais a causa dos autores”, analisou Sydney Sanches. “Restaura-se um entendimento óbvio, e que parecia pacificado antes da decisão do STJ. Mas a regra vale só para as eleições de 2024. A luta, portanto, continua.”
Confira abaixo, na íntegra, o trecho da resolução do TSE que proíbe as paródias sem autorização nas eleições 2024
Art. 23-A. A autora ou o autor de obra artística ou audiovisual utilizada sem autorização para a produção de jingle, ainda que sob forma de paródia, ou de outra peça de propaganda eleitoral poderá requerer a cessação da conduta, por petição dirigida às
juízas e aos juízes mencionados no art. 8º desta Resolução. (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)
§ 1º A candidata ou o candidato será imediatamente notificado para se manifestar no prazo de dois dias (Lei nº 9.504/1997, art. 96, § 5º). (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)
§ 2º Para o deferimento do pedido, é suficiente a ausência de autorização expressa para uso eleitoral da obra artística ou audiovisual, sendo irrelevante a demonstração da ocorrência de dano ou a existência de culpa ou dolo (Código de Processo Civil, art. 497, parágrafo único). (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)
§ 3º A tutela poderá abranger a proibição de divulgação de material ainda não veiculado, a ordem de remoção de conteúdo já divulgado e a proibição de reiteração do uso desautorizado da obra artística (Código de Processo Civil, art. 497, parágrafo único). (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)
§ 4º Demonstrada a plausibilidade do direito e o risco de dano, é cabível a antecipação da tutela, podendo a eficácia da decisão ser assegurada por meios coercitivos, inclusive cominação de multa processual. (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)
Por Alessandro Soler, de São Paulo