Querida garota do maiô verde

Em 2016, a escritora espanhola Jessica Gómez escreveu e postou no Facebook, o texto abaixo.  Ele nos ajuda a refletir sobre nós, mesmo que não vamos à praia ou usemos maiôs. Essa garota somos todas nós, em diferentes fases do ser mulher. Vamos ao texto:

“Sou a mulher da toalha ao lado. A que veio com um menino e uma menina.

Antes de mais nada, quero te dizer que estou me divertindo muito perto de você e de seus amigos, neste pedacinho de tempo em que nossos espaços se tocam e suas risadas, sua conversa ‘transcendental’ e a música de sua turma me invadem o ar.

Fiquei meio atordoada ao perceber que não sei em que momento de minha vida deixei de estar aí para estar aqui: deixei de ser a menina para ser “a senhora do lado”, deixei de ser a que vai com os amigos para ser a que vai com as crianças.

Mas não te escrevo por nada disso. Escrevo porque gostaria de te dizer que prestei atenção em você. Não pude evitar.

Vi que você foi a última a ficar só em traje de banho.

Vi você ficar atrás de todo o grupo, discretamente, e tirar a camiseta quando acreditava que ninguém estava olhando. Mas eu estava. Não estava olhando para você, mas te vi.

Vi você se sentar na toalha em uma postura cuidadosa, tapando o ventre com os braços.

Vi você colocar o cabelo atrás da orelha inclinando a cabeça para alcançá-la, talvez para não tirar os braços de sua estudadíssima posição casual.

Vi você se levantar para ir dar um mergulho e engolir em seco, nervosa por ter de esperar assim, de pé, exposta, por sua amiga, e usar uma vez mais seus braços para encobrir as estrias, a flacidez, a celulite.

Vi você agoniada por não conseguir tapar tudo ao mesmo tempo, enquanto ia se afastando do grupo tão discretamente como tinha feito antes para tirar a camiseta.

Não sei se tinha algo a ver, em sua insatisfação consigo mesma, o fato de a amiga por quem você esperava soltar a longuíssima cabeleira sobre umas costas em que só faltavam as asas da Victória’s Secret. E enquanto isso, você ali, olhando para o chão. Procurando um esconderijo em si mesma, de si mesma.

E eu gostaria de poder te dizer tantas coisas, querida garota do maiô verde… Talvez porque eu, antes de ser a mulher que vem com as crianças, já estive aí, na sua toalha.

Eu gostaria de poder te dizer que, na verdade, estive na sua toalha e na de sua amiga. Fui você e fui ela. E agora não sou nenhuma das duas – ou talvez ainda seja ambas – assim, se pudesse voltar atrás, escolheria simplesmente curtir a vida em vez de me preocupar – ou me vangloriar – por coisas como em qual das duas toalhas, a dela ou a sua, prefiro estar.

Queria poder dize-te que vi que carrega um livro na bolsa, e que qualquer ventre que agora tenha seus dezesseis anos, provavelmente perderá a firmeza muito antes de você perder o juízo.

Eu gostaria de poder te dizer que você tem um sorriso lindo e que é uma pena estar tão ocupada em se esconder que não te sobre tempo para sorrir mais vezes.

Eu gostaria de poder te dizer que esse corpo do qual você parece se envergonhar é belo simplesmente por ser jovem. É belo só por estar vivo. Por ser invólucro e transporte de quem você realmente é e poder te acompanhar em tudo que você faz.

Eu adoraria te dizer que gostaria que você se visse com os olhos de uma mulher de trinta e tantos porque talvez, então, percebesse o muito que merece ser amada, inclusive por você mesma.

Eu gostaria de poder te dizer que a pessoa que um dia te amar de verdade não amará a pessoa que você é apesar de seu corpo e sim adorará seu corpo: cada curva, cada buraquinho, cada linha, cada pinta. Adorará o mapa, único e precioso, que se desenha em seu corpo e, se não o fizer, se não te amar desse jeito, então não merece seu amor.

Eu gostaria de poder te dizer – e acredite, mas acredite mesmo – que você é perfeita do jeito que é: sublime em sua imperfeição.

O que posso te dizer eu, que sou só a mulher do lado?

Mas – sabe de uma coisa? – estou aqui com minha filha. É aquela do maiô rosa, a que está brincando no rio e se sujando de areia. Sua única preocupação hoje foi se a água estava muito fria.

Não posso te dizer nada, querida garota do maiô verde…

Mas vou dizer tudo, tudo, a ela.

E direi tudo, tudo, ao meu filho também.

Porque é assim que todos merecem ser amados.

E é assim que todos deveríamos amar”.

O texto nos remete às inúmeras insatisfações que são produzidas sobre os corpos femininos, estabelecidos em padrões de beleza de difícil ajuste. O fato é que nada é perfeito, há muitas formas de beleza.  É nosso olhar que precisa de novos focos, novos ajustes, pois ao produzirmos a insatisfação, produzimos também as soluções vindas em cosméticos, cirurgias plásticas, academias, salões de beleza, farmácias. Soluções que geram lucros para a indústria da insatisfação. Indústria esta que começa precocemente ainda na infância; observe apenas as bonecas que chegam às mãos das meninas, com muitas delas não se pode brincar.

Mulheres estão insatisfeitas com seus corpos, pois para além de magras ou gordas carregam os pesos de ser quem são, como se esses corpos tivessem um ideal a ser atingido, mas sempre distante e inatingível; quanto mais distante, maior o percurso, gerando mais insatisfação e mais lucro.

“Aceitação é o nome do jogo. No entanto, é mais trabalhoso e exige que se façam mudanças na percepção de mundo; as saídas acima são mais fáceis, pois elas “arrumam” por fora o que não se compreende por dentro”.

Existe uma ditadura dos corpos, é bom lembrar que tudo muda o tempo todo e os corpos serão mudados, sem sua/minha permissão, se entender isso sofrerá menos e vai economizar dinheiro.

Maria Emília Bottini

Psicóloga clínica

Mestre em Educação pela Universidade de Passo Fundo (UPF)

Doutora em Educação pela Universidade de Brasília (UnB)

Autora do livro No cinema e na vida: a difícil arte de aprender a morrer

E-mail: emilia.bottini@gmail.com

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