Por que choram os Xocleng e Guaranis?

O aumento da violência e violação de direitos contra as comunidades indígenas tem sido uma recorrência no contexto nacional. Assassinatos, doenças, fome, homicídios, mortalidade na infância, omissão e morosidade na regularização das terras tradicionais, prisões e suicídios são alguns dos fatores que permeiam a realidade das mais de 305 diferentes etnias com uso de aproximadamente 274 matrizes linguísticas indígenas no Brasil.

Nesse contexto de violências estrutural, física e simbólica insta registrar a morte violenta do professor de Educação Indígena da etnia Laklãnõ Xocleng, Marcondes Namblá, como mais uma vítima de violência e assassinato brutal contra indígenas ocorrido no Estado de Santa Catarina no espocar de fogos da virada de ano.

Ativista social, pai de dois filhos, educador, liderança expressiva que também exercia o cargo de juiz na Terra Indígena, foi encontrado desacordado em uma praia do Litoral Norte de Santa Catarina, com marcas de espancamento.  O professor Marcondes estava temporariamente no litoral catarinense – durante o recesso escolar em razão de exercer atividades comerciais temporárias (vendia picolé para aumentar a renda como professor da rede pública estadual). Após ser socorrido foi internado em estado muito grave no Hospital Marieta Konder Bornhausen, no município de Itajaí, porém não sobreviveu às fraturas cranianas dos golpes que sofreu. Quando chegou ao hospital, os médicos já haviam diagnosticado morte cerebral do professor, que teve os ossos do crânio esfacelados. Registrou-se também que havia marcas de pneus de carro no corpo  – o que demostra que depois de ter recebido muitos golpes na cabeça e no corpo, pode ainda ter sido propositalmente atropelado.

Ações de crueldade e violências como essas têm sido registradas nas mais diversas terras indígenas. As entidades de apoio aos povos originários possuem uma vasta lista de ações e atividades desenvolvidas junto ao povo Guarani e Xocleng, porém pouco parece sensibilizar os gestores públicos e a sociedade como um todo. A título de outro exemplo, pode-se citar fato ocorrido em novembro de 2017, quando a indígena Ivete Antunes, 59 anos, residente na aldeia Itaty do Morro dos Cavalos, teve a mão decepada em um ataque a facão no Feriado dos Finados. O fato resultou em uma manifestação no centro da capital de Santa Catarina momento a qual se denunciou as condições de vulnerabilidade e subalternização dos nativos Xocleng que ficavam alojados embaixo da Ponte, em Florianópolis. A mobilização resultou na necessidade da cidade possuir uma casa de passagem para os indígenas, projeto já aprovado pela Câmara de Municipal de Vereadores até então descumprido.

Infelizmente existem centenas de registros que relatam ações de violência contra os indígenas, com e sem solução. Em sua maioria as violências contra indígenas também são silenciadas pelos próprios meios de comunicação. Entretanto, urge a necessidade de revisitarmos a trajetória histórica do Brasil e enfrentarmos de frente esse processo que iniciou no século XV com a ‘constituição’ da América e da efetivação do capitalismo colonial atrelado à ideia de poder assentado no paradigma colonialidade-modernidade, procedida do ideário de colonialidade do poder e do saber.

Colonialidade essa que construiu um olhar de que o corpo das indígenas é violentável, embasado na construção das hierarquias raciais, de gênero e de modos de apropriação dos recursos naturais, marcada por relações assimétricas entre economias cêntricas e periféricas. Ou seja, um modelo de exercício de dominação especificamente moderno que interliga a formação racial, o controle do trabalho, o Estado e a produção de conhecimento.

*Docente adjunta/pes-quisador sênior da UERGS. Professora Titular no Programa de Pós-Graduação em Educação/UERGS. Professora Colaboradora no Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Educação da UNIOESTE. Professora colaboradora no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direitos Fundamentais/UNOESC. Avaliadora do INEP – BNI ENA-DE/MEC. Membro do Comitê Internacional Global Alliance on Media and Gender (GAMAG) – UNESCO.

Thaís Janaina Wenczenovicz

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