Para Martha Gabriel, privacidade, silêncio e tempo serão o ‘luxo’ do século XXI

 

Martha Gabriel também garantiu

Volta e meia a plateia que lotava o auditório do Polo de Cultura na tarde do último sábado, 24, durante a convenção de colaboradores do Sicredi, soltava exclamações, grunhidos e até mesmo risadas (nervosas) diante de diagnósticos chocantes e previsões quase inverossímeis – que eram, no entanto, tão reais quanto a incredulidade da maioria.
No palco, estava a consultora, escritora e palestrante nas áreas de marketing digital, inovação e educação Martha Gabriel – um dos principais nomes do país quando o assunto desbanca para as novas tecnologias. E aqui aproveito para parabenizar a direção do Sicredi pelo tema ora discutido – eis que a pauta ‘inovação’ marcou boa parte da convenção. Atento ao seu tempo, o banco cooperativo dá indicativos de como e porque fechou 2017 com resultado de R$ 46,2 milhões (crescimento de 32% em relação ao ano anterior).
Todavia, o reencontro com Martha Gabriel permitiu, a partir de um rápido bate-papo enquanto a palestrante se deslocava para o aeroporto de Chapecó/SC a fim de retornar a São Paulo, o agendamento da entrevista que segue. Nela, falamos do que está por vir, como tomar as melhores decisões, com o que devemos nos preocupar e quais seriam, em sua opinião, os ‘luxos’ do século XXI. A seguir, os principais pontos levantados por Martha Gabriel.

 

O vilão da vez
‘Hoje, a internet é considerada o vilão da vez – é comum ouvir pais e avós reclamando que os filhos estão alienados por causa dela. Na geração anterior, o videogame foi o eleito arqui-inimigo da educação. Antes dele, estudos mostram que as histórias em quadrinhos, quando surgiram, também foram vilanizadas como instrumentos da perdição. No entanto, o que a história nos ensina é que tanto a internet, quanto os jogos e as HQ, são formas de acesso à inquietação social vigente, como também o são os livros, cinema, cartazes, telefone, e qualquer outra forma de comunicação ou expressão’.

 

Tomada decisões mais difícil
‘Sofremos uma mudança de era, regida por um ritmo vertiginoso inédito de transformações devido ao aumento de velocidade que a tecnologia nos impõe. Uma das principais consequências disso é a multiplicação exponencial de possibilidades e quantidade das opções que se apresentam em cada instante. Essa sobrecarga impacta uma dimensão essencial de nossas vidas: a força de vontade que temos disponível a cada momento para fazer análises e tomar decisões. Em outras palavras, quanto mais decisões somos obrigados a tomar, mais debilitados vamos ficando para tomar novas decisões, diminuindo (e, eventualmente, esgotando) o estoque para ser usado nas próximas. Esse processo prejudica a nossa habilidade de julgamento e ação, comprometendo a nossa performance diária — produtividade e resultados. Para combater a ‘Decision Fatigue’ precisamos fazer a gestão e planejamento das nossas decisões, a partir da delegação a outros de tudo o que não é essencial. Outra dica, que tenho utilizado no meu dia-a-dia, é que todas as decisões banais possíveis devem ser tomadas na noite anterior e não no início do dia. No meu caso, deixo pronto alguns conjuntos de roupas e acessórios para uso em palestras, de forma que quando estou me preparando para um evento, nunca preciso pensar para escolher a roupa! Isso foca a minha energia e decisões naquilo que realmente importa naquele momento, que é a minha palestra em si’.

 

Internet das coisas
‘Quando a internet era jovem, no final do século passado, existia um entusiasmo com as possibilidades de conexão entre pessoas e informações em qualquer lugar do planeta. Hoje isso inclui virtualmente todo tipo de dispositivo: carros, geladeiras, termostatos, casas, semáforos, lâmpadas, ou seja, qualquer tipo de objeto, inclusive os pessoais, como roupas e óculos, por exemplo, além, claro, do poderoso smartphone. Essa é a tão falada “Internet of Everything”, termo cunhado por Kevin Ashton em 1999, na qual qualquer coisa dotada de sensores, consegue “sentir” o seu ambiente e se comunicar tanto com outras coisas, quanto com seus donos ou outras pessoas’.

 

Mundo inteligente
‘Hoje, todas as coisas passam a ser “smart”, ou seja, adquirem uma camada de informação que as permite operar de forma mais inteligente. Desse modo a inteligência das coisas tem aumentado. Por um lado é excitante, pois permite uma inédita otimização de recursos. Geladeiras que nos informam quando um produto acabou ou perdeu a validade e que faça pedidos automaticamente aos supermercados; escovas de dentes que nos informam a melhor maneira de escovar; camisas que analisam nossa saúde; e mais uma infinidade de possibilidades de otimizações. Por outro lado, no entanto, precisamos nos conscientizar de que tudo o que fazemos, os lugares que visitamos, bem como o modo que vivemos, compramos, nos divertimos e aprendemos foram profundamente transformados por essa conexão inteligente entre tudo. A onipresença e onisciência da internet invade todos os aspectos das nossas vidas, num processo em que estamos cada vez mais “visíveis” na rede. Esse é o trade-off da otimização e personalização: quanto mais informações pessoais fornecemos, mais eficiente e rico é o processo’.

 

O fim da privacidade
‘Nesse contexto, torna-se cada vez mais difícil (e em alguns casos, impossível) ter privacidade. Por exemplo, se a sua camisa ‘smart’ envia alertas sobre a sua saúde automaticamente para o seu médico, ela pode também informar os fabricantes de remédios sobre a sua situação. Cada vez mais empresas empreendedoras estarão minerando o campo da internet of everything em busca de oportunidades de personalização e otimização. Certamente veremos nos próximos anos uma ‘corrida do ouro’ nessa área minando cada vez mais a privacidade’.

 

Menos silêncio
‘O novo cenário tecnológico traz também mais dois impactos profundos: 1) a tecnologia nos entretém cada vez mais ininterruptamente, em todas as dimensões da nossa existência; 2) a tecnologia permite que haja muito mais fluxos de comunicação e aparelhos emitindo sons e barulho em qualquer lugar o tempo todo ao nosso redor. As consequências disso é que, além de privacidade, temos também cada vez menos tempo e silêncio em nossas vidas’.

 

Gestão do tempo
‘O aparato tecnológico ampliou consideravelmente a quantidade de coisas que temos para fazer tanto no trabalho quanto em casa. Por exemplo, antigamente tínhamos apenas uma dúzia de canais de televisão para assistir, enquanto hoje, temos milhares. Quanto mais dispositivos conectados, mais coisas para fazer, e menos tempo para tudo. Assim, a gestão do tempo passa a ser uma das principais habilidades humanas hoje’.

 

Artigos de luxo
‘Em cada momento da história, a escassez sempre determinou o valor das coisas – quanto mais escassa, mais valiosa. Partindo desse princípio, acredito que nos próximos anos nos daremos conta que, em função da transformação tecnológica em nossas vidas, os artigos de luxo do século XXI serão a privacidade, o tempo e o silêncio. Será que temos consciência e estamos preparados para isso?’.

No fundo, nenhum de nós, por ora, tem a resposta. Obrigado, Martha, por pelo menos nos fazer tirar ‘um tempo’ para pensarmos em silêncio, nem que estejamos, cada vez mais, sós.

 

Por Salus Loch

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