Incentivo federal a escolas cívico-militares deve acabar em 2023, mas redes do RS poderão manter o modelo
Implementação de novas instituições foi suspensa em novembro pela Justiça gaúcha, mas as 43 existentes seguem funcionando. Na região do Alto Uruguai não há nenhuma escola neste programa
Prioritária no governo de Jair Bolsonaro, a implementação do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim) deve ser descontinuada a partir de 2023, com a posse do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo integrantes da equipe de transição na área da educação, existe um consenso entre especialistas de que o incentivo federal a esse modelo não será mantido. As instituições que já aderiram ao formato, contudo, terão autonomia para mantê-lo — e deve ser o que acontecerá em redes gaúchas.
Em maio do ano passado, o prefeito Sebastião Melo chegou a indicar a Escola Leocádia Felizardo Prestes, no bairro Cavalhada, para receber o programa, mas a ideia não foi para frente. O motivo, segundo a pasta, foi a falta de viabilidade técnica. A meta era que outras sete escolas cívico-militares fossem implantadas na rede até 2024, mas, por enquanto, não há previsão de que isso ocorra.
A expectativa da rede municipal da Capital é de que a primeira instituição nesse modelo já inaugure o novo formato no início do ano letivo de 2023. Há, porém, um impeditivo: no mês passado, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) acatou uma ação movida contra o governo do Estado pelo Cpers, sindicato que representa os professores da rede estadual, e suspendeu a implementação de novas instituições cívico-militares em todo o Rio Grande do Sul.
Na decisão em segunda instância, o desembargador Ricardo Pippi Schmidt justificou que o programa fere a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e a Lei Estadual 10.576/95, que delegam a professores a gestão do dia a dia escolar. Sobre a sentença, a Casa Civil gaúcha informou que o governo se manifestará nos autos dentro do prazo legal, que, para o Estado, ainda não está em curso.
Por enquanto, o Rio Grande do Sul conta com 43 escolas desse modelo — 25 cadastradas no Pecim e 18 em um programa estadual inspirado no nacional. Levantamento realizado pelo Cpers em abril apontava o RS como o Estado com mais escolas que aderiram ao programa de incentivo federal. Na época, 14 instituições de ensino tinham confirmado a adesão no Pecim, sendo seis estaduais e sete municipais.
No Brasil, conforme o Ministério da Educação (MEC), há 209 instituições cívico-militares funcionando e outras 14 estão em processo de implantação. Ainda que a equipe de transição do governo federal sinalize em direção ao fim do Pecim, em nota, o MEC informou que todos os decretos e portarias que o instituem estão em vigor e que não há nenhum comunicado ou orientação oficial sobre alguma mudança nesse sentido.
Com o Pecim vigente, as Secretarias Estaduais de Educação recebem recursos federais para adequação de espaços, contratação de monitores — policiais e bombeiros militares na reserva — e aquisição de fardas para os estudantes, entrando apenas com uma contrapartida. Sem o programa nacional, as redes dos Estados e municípios precisariam assumir integralmente essas despesas. Procurado, o governo do Rio Grande do Sul informou que, caso sejam suspensos os incentivos federais, o impacto precisará passar por uma análise de sustentabilidade. Em 2020 e 2021, R$ 7 milhões foram repassados a escolas gaúchas por meio do programa.
O que são as escolas cívico-militares
A primeira coisa a se saber sobre as escolas cívico-militares é que elas não têm nada a ver com as escolas militares, como o Colégio Militar de Porto Alegre, localizado no bairro Bom Fim. Uma das principais diferenças é que as instituições de ensino 100% militares recebem recursos do Ministério da Defesa, e não do Ministério da Educação. O resultado é que o valor investido por aluno é muito diferente em cada um dos modelos de escola.
De acordo com Aline Cunha, que é professora associada e vice-diretora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o investimento mínimo em um estudante é de em torno de R$ 3,2 mil em uma escola pública brasileira, enquanto nos colégios militares esse valor sobe para R$ 19 mil.
— Inicialmente, a proposta do atual presidente (Bolsonaro) era implementar 16 colégios militares em capitais que não tinham essa instituição, que está no imaginário social, com toda a sua qualidade de ensino. Mas isso não ocorreu, e nem o alto investimento previsto, de R$ 320 milhões por ano. No entanto, não se explicitou para a população a diferença entre o modelo proposto e o implementado — destaca Aline.
Pesquisadora sobre a militarização da educação, Iana Gomes de Lima, que é professora adjunta da Faculdade de Educação da UFRGS, destaca que outra diferença importante entre a escola pública regular e os colégios militares é que, na escola pública, não é necessário passar por um processo seletivo difícil para ingressar. Com isso, é natural que os estudantes aprovados acabem se saindo melhor nas avaliações.
— O programa é muito calcado nessa ideia de que as escolas cívico-militares terão a qualidade dos colégios militares, mas a gente sabe que isso é totalmente falso, porque a gente está falando de escolas públicas que são plurais, pra todos e pra todas, e que vão seguir tendo um investimento muito pequeno. O próprio salário dos professores de colégios militares é muito maior do que o de docentes de escolas públicas — defende Iana.
Para aderir ao Pecim, a escola precisa estar em áreas com situação de vulnerabilidade social e com baixo desempenho no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Também precisa oferecer os Anos Finais do Ensino Fundamental e/ou o Ensino Médio, preferencialmente atender de 500 a mil estudantes nos dois turnos e contar com a aprovação da comunidade escolar para a implantação do modelo.