Erexim escrito com X é mais do que ortografia

Nas paralelas do Viaduto Rubem Berta, entre o vai e vem dos carros e o povo movimentado por conta do trabalho ou a passeio, muitas pessoas notam que, em 2018, importantes artistas se envolveram na revitalização do viaduto com belíssimas obras de arte, retratando os 100 anos de emancipação de Erexim. Essas obras retratam narrativas com ilustrações da história da cidade, tão esteticamente dispostas em local de grande circulação, levantam um questionamento: tanto em 2018 como agora, será que olhamos e vemos essas obras, ou elas apenas se tornaram mais um aspecto comum para quem aqui mora? Analisamos essas obras que moram no coração do nosso espaço urbano ou nem percebemos que estão ali?

Chama a atenção dos(as) observadores(as) – quem olha e vê – as diferentes pessoas ali representadas, especialmente na parte debaixo do viaduto. Essas são caracterizações das diversas etnias que formam o Erexim, afinal, simboliza o retrato da nossa gente[1], mas, que gente é essa?

A nossa região, que é na parte norte do Rio Grande do Sul, recebeu muitos imigrantes, mas, “a região que foi ocupada não estava vazia, nela viviam povos indígenas, principalmente os Kaingang”[2]. Quem passa por baixo do viaduto, pela parte do Grupo de Escoteiros Tupinambás, pode logo perceber ao seu lado uma obra que caracteriza a etnia índigena, retratando aqueles(as) que habitavam nossa região antes de qualquer imigrante, uma pintura estética e histórica, mas não isenta de criar perguntas…

O que aconteceu depois da chegada dos(as) imigrantes pela nossa velha ferrovia foi um verdadeiro massacre de vidas: depois da Lei de Terras (1850)[3], todas as pessoas que não possuíam escrituras, não sabiam ou tinham dinheiro para registrar sua terra, a perderam, contudo, os(as) pobres e indígenas não tinham escrituras, já viviam ali há muito tempo, mas tinham pertencimento. Mesmo assim, foram violentados por aqueles que se diziam desbravadores de terras vazias[4], chamados de “intrusos” e empurrados para o mato.

Erechim – do Kaingang erê-xim, significa campo pequeno, muito provavelmente por conta de suas florestas. A disputa sobre ser com CH ou com X vai muito além da ortografia oficial da Língua Portuguesa ou das letras, mas, sim, uma luta histórica que acontece há anos em nossa região. Esconder seu significado e sua origem colocando o CH não seria chegar de trem e tirar o que pertence a quem vivia aqui de novo? Erexim é indígena, não há ortografia que possa invisibilizar a história.

Dessa forma, cabe a nós refletirmos sobre essa arte estética e histórica representada no viaduto de nossa cidade, do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo[5], pois, diferente de como colocou-se em redes sociais, vulgo “esses antigos povos”[6], esqueceu de falar que são bem atuais também, e que vivem na mesma cidade hoje, e essa existência não pode ser muda, silenciosa, porque existir é pronunciar o mundo[7]. Ou será que eles e elas estão falando e, nós, brancos e brancas, estamos tapando os ouvidos?

Entre aspas

Falando em pronunciar o mundo, já perceberam que frequentemente há famílias indígenas morando nos trilhos, logo abaixo do viaduto? Podemos ver crianças, mulheres e homens adultos e idosos em situação de vida vulnerável, muitas vezes fazendo artesanato (o trançado) que é fonte de sua renda. Longe de eu ter uma resposta para essa situação, acredito que as autoridades deveriam se responsabilizar de responder: Por que essas pessoas estão ali? De um lado, uma obra em homenagem aos povos indígenas, os povos originários de nossa região, do outro, logo ao atravessar para os trilhos, ainda vemos os rastros do trem deixando famílias desabrigadas e sem lugar de pertencimento…

Kaylani Dal Medico.

Discente do Curso de Licenciatura em Pedagogia da UFFS Erechim.

Bolsista do Projeto de Extensão “Dizer a sua palavra”: democratização da cultura popular e da comunicação

kaylanidalmedico@hotmail.com

 

[1] A Prefeitura de Erechim pondera em seu portal: “Para quem passa pelo Viaduto Rubem Berta já pode notar as obras de revitalização do mesmo, através da arte e do resgate histórico de nossa gente”, em 2018. https://www.pmerechim.rs.gov.br/noticia/12666/revitalizacao-do-viaduto-rubem-berta-comeca-a-embelezar-cartao-postal-do-municipio

[2] ABRAMCHUK, Mônica. As representações dos alunos sobre os indígenas em Erechim/RS. Trabalho de conclusão de curso, Licenciatura em História da UFFS Campus Erechim, 59f. Erechim, 2017. Disponível em: https://rd.uffs.edu.br/handle/prefix/486

[3] Lei imperial nº 601, de 18 de setembro de 1850. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l0601-1850.htm

[4] GIARETTA, Jane Gorete Seminotti et al. O Grande e Velho Erechim: ocupação e colonização do povoado de Formigas (1908-1960). Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em História da UPF, 171f. Passo Fundo, 2008. Disponível em: http://tede.upf.br/jspui/handle/tede/81#preview-link0

[5] SEIXAS, Raul. Metamorfose Ambulante, ℗ 1973 Universal Music International.

[6] “A origem do nome de Erechim remete aos antigos habitantes indígenas da região”. Disponível em: https://www.pmerechim.rs.gov.br/pagina/149/como-tudo-comecou

[7] FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2022, 84 ed.

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