EDUCAÇÃO PARA “TODOS”?

Há um paradoxo muito evidente em nossa sociedade: em geral, todo mundo apoia a educação, acha importante que as escolas e universidades funcionem bem, que tenham boas estruturas e que seus e suas profissionais sejam de qualidade. Contudo, esse “apoio difuso” não se sustenta sem um “apoio específico”, ou seja, em atitudes concretas. Um exemplo: quem, de fato, incentiva seus filhos e suas filhas a serem professores(as)? Outra questão: se tivéssemos que votar e escolher uma área prioritária para investimento, tanto público como privado, indicaríamos a educação?

Dessa forma, cabe refletirmos um pouco sobre a ideia do anúncio público que está na avenida Sete de Setembro, na praça Jayme Lago: “a vida é melhor quando a educação é para todos”. Vamos fazer um exercício de “pedagogia da pergunta”[1]:

  • A vida pode ser melhor com qualquer tipo de educação?
  • Que tipo de escola seria interessante para uma vida melhor?
  • É possível uma vida melhor de forma geral se a educação não é igual para todo mundo?

Muitas pesquisas na área da educação apontam que o sucesso escolar depende de condições extraescolares. Assim, a desigualdade social geraria desigualdade escolar que, por sua vez, (re)produziria desigualdades no mercado de trabalho. É um círculo vicioso. Como sair disso?

Uma das saídas não é nova: a escola pública, por ser a escola da maioria, deve ser de qualidade para que todo mundo tenha oportunidades mais equânimes de inserção social. Uma escola de qualidade precisa, necessariamente, de investimentos financeiros em pessoal e em estrutura física (laboratórios, espaços de convivência, de prática de esportes e para refeições). De forma bem objetiva: boa escola não se faz com pouco investimento. Além disso, pensar a escola do século XXI atrelada apenas à sala de aula tradicional é, no mínimo, falta de leitura crítica do contexto.

É de se destacar que vivemos em uma cidade com indicadores educacionais acima da média do Estado e do país. Dados recentes sobre analfabetismo em Erechim[2] mostram uma queda consolidada na última década. Isso não isenta nossa cidade de problemas nas escolas, já que as comunidades escolares são sistemas vivos. Somos uma cidade que investe em uniforme escolar ao mesmo tempo em que apostilas, que fala em educação para todos, mas não adere aos princípios da gestão democrática com a eleição direta pela comunidade das direções das escolas municipais.

As escolas estaduais não poderiam ficar isentas das inúmeras contradições da rede do Estado do Rio Grande do Sul, principalmente com a implantação controversa do novo Ensino Médio – “Ensino Médio Gaúcho”. Além disso, a rede estadual tem investido em estratégias curiosas, como “mentorias”, bem ao estilo de coaching. Mesmo assim, seja na rede municipal ou na estadual, há um trabalho sério e comprometido de muitos(as) profissionais, aquelas e aqueles que estão no chão da escola.

Então, ao passar pela avenida e avistar o outdoor, tanto é possível pensarmos em aspectos positivos, como em questões mal resolvidas que nos cercam na área da educação. O mundo é complexo e diverso e, claro, a educação não poderia ficar de fora dessas contradições. Há diversos entendimentos sobre currículo, avaliação, metodologias de ensino e sobre o papel das instituições de ensino. A escolarização é tanto uma obrigação legal como um direito social.

Como espaço público por excelência, mesmo considerando as instituições privadas, a escola é o espaço da diversidade, mesmo com seus problemas. Por isso, concordo que “dentro de cinquenta ou cem anos se falará da grande revolução do final do século XX e começo do século XXI como um momento de refundação global. Um dos setores mais afetados por essa mutação terá sido a educação”[3]. Nesse sentido: qual escola teremos daqui a 100 anos? Mais do que isso: qual mundo a escola de agora deixará para o próximo século?

Se a nossa sociedade entender, tanto de forma difusa como específica, que seu apoio efetivo é fundamental, talvez a escola seja, de fato, para todos e todas, talvez até para “todes” ou “todxs”, incluindo estrangeiros(as) que se instalam em nossa cidade em busca daquilo que gerou esta reflexão: uma vida melhor.

 

Entre aspas

Erechim é um importante centro educacional do Rio Grande do Sul. Na Educação Básica, temos uma operante rede de escolas públicas e privadas, incluindo a oferta de Ensino Médio federal no IFRS (campus no bairro Três Vendas). Na Educação Superior, temos uma universidade comunitária tradicional e responsável pela implantação do nível superior na cidade (URI), uma universidade estadual (UERGS) e uma universidade federal (UFFS), além de oferta EAD privada.

Além disso, temos o “Sistema S” em atuação com cursos de formação em várias áreas. Cursos técnicos em diversas instituições privadas e públicas completam o quadro. Isso gera um cenário de oportunidades. Mesmo assim, até pela questão demográfica, mas, sobretudo, pelo aspecto socioeconômico, ano após ano temos uma diminuição de estudantes, principalmente na passagem do Ensino Fundamental ao Ensino Médio. A necessidade de trabalhar para o sustento é uma das causas, mas não a única. A escola precisa fazer sentido, assim como as oportunidades de emprego com remuneração digna também precisam se consolidar. Cuidar das crianças e jovens é uma tarefa de todos nós, não apenas para projetar um futuro melhor, mas para o próprio presente.

Thiago Ingrassia Pereira

Professor da UFFS Erechim

Coordenador do Projeto de Extensão “Dizer a sua palavra”: democratização da cultura popular e da comunicação

thiago.ingrassia@uffs.edu.br

[1] Vide o livro “Por uma pedagogia da pergunta” de Paulo Freire e Antonio Faundez (várias edições).

[2] https://jornalboavista.com.br/analfabetismo-em-erechim-cai-826-nos-ultimos-15-anos/#:~:text=Nos%20%C3%BAltimos%2015%20anos%2C%20o,rela%C3%A7%C3%A3o%20%C3%A0%20queda%20do%20analfabetismo.

[3] Silva, Juremir Machado da. Escola da complexidade, escola da diversidade: pedagogia da comunicação. Porto Alegre: L&PM, 2023, p. 17.

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