Chefchoauen, a pérola azul do Marrocos entre ‘chifres’

Cidade também é a principal produtora de haxixe do país

Uma viagem de turismo ao Marrocos não ficará completa caso você não inclua Chefchaouen no roteiro. Com pouco mais de 40 mil habitantes, o lugarejo localizado no Norte do país está encravado entre duas montanhas na região do Rif – o que, aliás, deu origem ao nome do local: ‘cidade entre os chifres’ (no caso, entre as montanhas). Os nativos a chamam apenas de Chaouen, que vem da palavra berbere “ech-Chaoua”, que significa “os chifres”.

Todavia, Chefchaouen não é apenas mais uma agradável cidadezinha entre picos. Com sua cor azul turquesa característica – marcada nas calçadas, casas e no entorno de tudo o que cerca a medina (parte antiga da cidade) e também boa parte da ‘cidade nova’, o local parece ter saído de um conto de fadas – direto para a alma e as lentes das máquinas fotográficas/celulares de quem a visita.

Com a fama de ser a cidade ‘mais azul do mundo’, Chefchaouen recebe em seus 300 hotéis, albergues e pousadas, centenas de milhares de turistas a cada ano. A cidade é cheia de atrações graças à sua rica herança – e a alguns ‘algo mais’ que passo a relatar.  Embora a medina possa ser considerada pequena para os  padrões marroquinos, ela consegue manter a autenticidade, apesar dos incontáveis – e nem tão discretos – ‘busca-vidas’, os vendedores de kif (maconha) e haxixe (resina extraída da maconha) que tentam passar adiante seu ‘produto’ (o consumo da erva, embora não seja legalizado no país, é uma fonte de renda considerável para cerca de 800 mil pessoas – tanto é  que acaba sendo liberado em alguns cafés, pelo menos, da porta para dentro).

 

Saiba mais

Extraoficialmente, o uso de ‘Cannabis sativa’ foi introduzido no Marrocos por volta do século VII, quando a região, então habitada pelos bérberes, foi conquistada pelos árabes – cabendo, pois, aos muçulmanos a entrada da erva por aqui (e, também, no Ocidente). Apesar de proibida desde 1956, quando o reino marroquino retomou seu território dos espanhóis e dos franceses, a maconha sempre foi tolerada. Atualmente, o Marrocos  é o principal país exportador de haxixe – com valores que chegariam a cerca de 1,5 bilhão de euros por ano, conforme reportagem da revista Piauí. Além da planta ‘100% Marrocos’, mudas da erva trazidas do Paquistão reforçam o  mercado local.

 

Atrações ‘normais’

Enfim, voltando ao mundo da legalidade jurídica, não é necessário ‘fazer a cabeça’ para se apaixonar por Chefchaouen – até porque basta dizer ‘não, obrigado’, ao vendedores da erva, que eles nem insistem, viram as costas e seguem caminho. Por exemplo, vale muito a pena passear sem pressa pelas  vielas azuis da medina a fim de misturar-se com o ambiente e apreciar os cheiros da vida quotidiana, como pão quente fora do forno e os tradicionais tagines. Há também o kasbah (espécie de fortaleza fortificada) no meio do bairro histórico, cujos jardins emprestam ainda mais frescor ao ambiente. O museu da cidade pode ser uma pedida interessante para quem curte armas antigas, fotos da cidade e têxteis.

A proximidade com a natureza torna Chefchaouen, de quebra, um verdadeiro paraíso para os caminhantes. As montanhas circundantes estão cheias de trilhas para caminhadas sem fim. Basta escolher qualquer uma delas e descobrir lado completamente diferente e remoto de Marrocos: as Montanhas Rif – que, durante minha vista, neste mês de fevereiro, estavam tomadas de neve.

 

Como surgiu a cidade, e a ‘paixão azul’

O surgimento de Chefchaouen – assim como a razão de sua coloração azulada – exibem diferentes vertentes. Vamos a algumas delas.

A primeira diz que a cidade nasceu como uma espécie de campo de refugiados para abrigar judeus e mouros que fugiam da inquisição espanhola, no ano de 1471. Sua arquitetura e cores aludem a uma convivência pacífica entre dois povos: as construções são árabes, enquanto o colorido externo é de um azul-celeste judaico (aqui, a ‘motivação oficial’ diz respeito a uma suposta homenagem a um mandamento sagrado do povo judeu que dizia que um fio do xaile da oração deveria ser pintado de azul. Desta forma o poder de Deus era lembrado. Há, porém, quem sustente que o azul veio para, acredite, espantar os mosquitos!).

Ao mesmo tempo, em relação ao surgimento da cidade, há outra versão mais romântica. Há séculos atrás, na zona sul onde hoje se encontra a Chaouen, existia um acampamento militar – espécie de base no combate aos portugueses que tomaram Ceuta. O chefe religioso teve a intenção de construir um vilarejo, mas teria sido assassinado e o projeto interrompido.

Então, diz a lenda que Ali Ben Rachid, primo do líder religioso assassinado, teria se  apaixonado por Lalla Zhora que vivia em Vejer de La Frontera, uma povoação da Andaluzia espanhola. Ele andava por esta zona para auxiliar na guerra de Granada, que acabou com a conquista desta cidade (então de domínio muçulmano). Os dois apaixonados casaram e foram expulsos da Península Ibérica cristã. Ali Ben Rachid decidiu que iriam estabelecer numa cidade berbere, nas montanhas de Marrocos e fundar uma nova povoação. Para que a sua esposa não sentisse tantas saudades de casa, procurou que Chefchaouen tivesse ruas estreitas e sinuosas como Vejer. E desta forma, em 1471, nasceu Chefchaouen. Realizaram-se festas para comemorar a sua fundação.

A primeira coisa construída foi a kasbah, um gênero de castelo fortificado. Com uma forte influência andaluza, servia de refúgio para pessoas e animais. O primeiro bairro nasceu em torno da kasbah, com o nome de Souika – região onde estou hospedado – e intenso ponto de comércio na medina.

Para incentivar o desenvolvimento da cidade, Ali Ben Rachid deu indicações para que os exilados da Andaluzia fossem encaminhados para lá. Nos dois séculos seguintes foi refúgio de judeus e muçulmanos, o que determinou a enorme influência andaluza nesta cidade marroquina. O bairro Rif Al Andalus foi construído pelas pessoas provenientes da Andaluzia. A cidade foi crescendo e surgiram os bairros de Onsar, Sebbanine, Zoco e Kharrazine. Foi construída a escola corânica e o banho público, a madrassa e o hammam, respectivamente.

 

Artesanato e natureza

Com casas construídas na encosta da montanha, ruas estreitas e o azul já tão falado qui, Chefchaouen parece um sonho. Capital da província de mesmo nome, conta com com um artesanato famoso no restante do país, com artigos em madeira, lã e couro extremamente populares.

Nas montanhas, por sua vez, podem ser encontradas profundas cavernas, cujas galerias mergulham centenas de metros abaixo da terra, desafiando os espeleologistas. A região está cercada por rios, o que a torna um lugar ideal para os entusiastas de atividades aquáticas que procuram emoções fortes: o rio Laou (oued Laou) é perfeito para “rafting”, enquanto outros rios podem ser explorados em canoas alugadas. A cascata Akchour, a cerca de 30 km da cidade, também merece uma visita.

 

Curiosidade

Durante bom tempo, que durou até 1920, só muçulmanos podiam ‘entrar’ em Chefchaouen (embora  os judeus locais também fossem permitidos). Alguns estrangeiros, no entanto, tentaram a sorte, apesar da proibição – sendo que um deles, o missionário norte-americano William Summers, teria sido envenenado antes de sair da cidade.

 

Tanger, rica em histórias e refúgio de artistas

Em um dia sem nuvens, daquelas carrancudas, torna-se fácil, a partir de Tanger, mirar a costa sul da Espanha, na altura de Tarifa. Muitos marroquinos o fazem, aliás, sonhando com uma vida nova no continente europeu. O contrário, acredite, também é verdade. As semelhanças, porém, param por aí. Enquanto muitos cidadãos marroquinos e de outros países africanos se arriscam a atravessar o Estreito de Gibraltar numa espécie de fuga do passado e do presente (na semana passada 16 pessoas morreram no mar fazendo isso em botes clandestinos), os europeus que vêm para cá, em regra, o fazem para curtir uma nova vida. E isto desde as  décadas de 1940 e 1950. Enquanto a cidade era uma zona internacional, serviu como refúgio para artistas, zona de boêmia para milionários excêntricos, local de encontro para agentes secretos e todo o tipo de vigaristas, uma Meca para especuladores e burlões, um Eldorado para os amantes da boa vida.

Ao longo da história, Tânger foi um enclave multicultural de comunidades muçulmanas, judaicas e cristãs. No século XX atraiu artistas, que visitaram longamente ou chegaram mesmo a residir na cidade, como Paul Bowles, William Burroughs, Jack Kerouac, Tennessee Williams, Brion Gysin, Truman Capote e os Rolling Stones.

Para quem quer visitar Tanger, hoje – especialmente na condição de turista, poderá encontrar boas praias e um património edificado – que mantém diversos vestígios da ocupação portuguesa em bom estado de conservação, como a antiga fortaleza e igrejas, com destaque para a Catedral de Nossa Senhora da Conceição.

 

Para saber:

Tânger é o segundo centro industrial mais importante de Marrocos, depois de Casablanca, com setores diversificados como têxtil, química, metalo-mecânica metalúrgica e naval. A cidade tem quatro parques industriais, dois deles com o estatuto de zona franca. O turismo é um dos setores mais importantes para a economia local. O número de hotéis e outros estabelecimentos perto das praias crescream apreciavelmente nos últimos anos devido a investimento estrangeiro. Cada vez mais, empresas dos setores imobiliário e de construção têm vindo a investir em infraestruturas turísticas.

Em 2007 foi inaugurada a primeira fase de um novo grande complexo portuário, o Tanger Med, que inclui áreas logísticas e ocupa uma área de 250 hectares; alegadamente é o maior porto de África.. O comércio artesanal na cidade velha (medina) especializou-se principalmente em produtos de couro, manufatura de madeira e prata, roupa tradicional e calçado.

 

 

Tétouan, Marrocos com cara de Espanha

 

No Norte do Marrocos e às margens do Mar Mediterrâneo repousa suavamente a cidade de Tétouan (Teutão, em ‘bom’ português).

Com influência espanhola que remonta ao período entre 1912 e 1956 (quando foi a capital do proterado da Espanha no país), andar pelas ruas de Teutão é sentir-se numa mistura de mundos, entre o árabe e o espanhol, com forte ascendência para este último.

Embora tenha mais de 380 mil habitantes, a cidade – que tem como cor característica o branco – conserva ares que inspiram tranquilidade, até mesmo na medina (cidade antiga), que é uma das mais limpas e menos tumultuadas de todo o país, sendo patrimônio mundial da Unesco desde 1997.

Entre as três cidades marroquinas mais ‘famosas’ do Norte, porém, Tétouan perde, em volume de  turistas e atrações, para Tanger e a incrível cidade azul, Chefchaouen.

 

Por Salus Loch

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