UMA CIDADE INACABADA

Erechim, sob determinados aspectos, é um polo de desenvolvimento importante do sul do Brasil, sendo considerada a capital do Alto Uruguai gaúcho. Seus números[1] em termos econômicos, empregabilidade (ainda que com salário médios baixos), acesso à saúde, educação, nível de segurança pública, entre outros indicadores, atestam para uma cidade em que as chances de termos uma vida digna é maior do que em outros lugares do Brasil.

Esse cenário positivo, contudo, não deve nos deixar de perceber as contradições do nosso cotidiano, pois, como é de se esperar, nossa cidade reproduz as desigualdades materiais (em termos econômicos) e simbólicas (em termos de valores e ideológicos) que conformam a sociedade capitalista. O desenvolvimento da cidade com a diversificação cultural de pessoas que vieram estudar e trabalhar por aqui, vai contribuindo para aquilo que se chama de “dores do crescimento”, exigindo atenção para que possamos seguir avançando em políticas sociais e no fortalecimento de uma cultura verdadeiramente solidária.

Nesse movimento entre a tradição e a inovação e entre os “estabelecidos” e os “outsiders”[2], a cidade vai se formatando, sempre como um sistema vivo, portanto, aberto a transformações de toda a ordem. Para além de outras tantas manifestações dessas tensões da urbanidade que se expande, algo que me chama a atenção na paisagem da área central da cidade são os prédios inacabados. Enxergo neles símbolos das nossas contradições. Deixam à vista de quem passa pela ruas a sensação de fracasso de um projeto, da ausência de sucesso e, talvez, até do descuido técnico e, sobretudo, do desperdício.

Um prédio inacabado representa trabalho desperdiçado, sonhos abortados e materiais jogados fora. Como parte do nosso problema social na cidade, os esqueletos das construções passaram a serem as casas de quem não tem. Para evitar essas ações de apropriação indevida da propriedade inacabada, se construíram muros bem acabados. Se preserva o direito à propriedade privada em detrimento do direito ao abrigo, ainda que precário no tijolo sem reboco e na ausência de água, luz e esgoto. O contraste entre os prédios residenciais e comerciais que vão dando aspecto vertical e inovador ao centro de Erechim com os esqueletos inacabados é imenso. Claro que o problema não é apenas estético, ele é, no fundo, social.

Nosso metro quadrado custa muito dinheiro, sendo impeditivo para muitas pessoas que aqui vivem morarem no centro de Erechim. Ali, na construção que não terminou, fica uma área sem serventia, apenas se desgastando com o tempo. É um símbolo que nos alerta para as irracionalidades de um sistema que se vende como racional. Sei que há inúmeras razões para que uma obra não seja concluída. Mas o que me interessa é que a sua inconclusão me permite concluir esse texto afirmando que essa cidade inacabada também é parte do nosso dia a dia.

Entre aspas

Ande com atenção nas ruas de Erechim e perceba quantos prédios inacabados temos na cidade. Esse é um exercício interessante, pois, mais do que olhar, precisamos aprender a ver as coisas ao nosso redor.

Além dos prédios, quais outros projetos estão inacabados na cidade?

 

Por: Thiago Ingrassia Pereira

Professor da UFFS Erechim

Coordenador do Projeto de Extensão “Dizer a sua palavra”: democratização da cultura popular e da comunicação

thiago.ingrassia@uffs.edu.br

[1] https://jornalboavista.com.br/erechim-e-a-17a-cidade-do-estado-e-a-212a-no-pais-em-ranking-das-cidades-brasileiras/

[2] “Outsiders” significa “estranhos”, no caso, os forasteiros, os de “fora”. Remeto ao livro de Norbert Elias e John Scotson “Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade”, publicado no Brasil pela editora Zahar.