Tóquio celebra resiliência e prega igualdade em cerimônia de abertura das Olimpíadas

A solenidade, melancólica, trouxe inúmeras referências à crise santinária, e precisou enfrentar seus próprios problemas

Às sombras da pandemia de Covid-19, as Olimpíadas de Tóquio tiveram início oficial nesta sexta-feira, buscando iluminar o mundo com o espírito de coletividade e de esperança, e fazer brilhar sua própria aura esportiva. Com pouco esplendor ou conteúdos bombásticos, propondo uma reflexão sobre os tempos atuais em cada um de seus atos, a cerimônia de abertura manteve um tom sóbrio e respeitoso durante suas quase 3h40min de extensão no Estádio Olímpico da capital do Japão. Uma celebração compreensivelmente sem a explosão eufórica da multidão de suas antecessoras, mas que se propôs a ser um marco para um novo para o futuro, mais sustentável e de maior coexistência.

A solenidade, melancólica, trouxe inúmeras referências à crise santinária, e precisou enfrentar seus próprios problemas. Precisou ser refeita três vezes, inclusive necessitando de ajustes de última hora pela demissão do diretor artístico Kentaro Kobayashi, demitido a menos de 24 horas do event por causa de uma “piada” realizada por ele há mais de duas décadas sobre o Holocausto. No fim, os japoneses entregaram um show singelo, capaz de emocionar e impressionar.

 Foto: Kazuhiro Nogi / AFP

Resiliência, a palavra de ordem

Dividido em nove segmentos, o evento começou com um vídeo com uma trilha sonora orquestral, com o tema de uma semente germinando, seguida da escolha da cidade como a sede dos Jogos. A alegria do anúncio foi contrastada pelo efeito que colocou as imagens em preto e branco, destacando a agonia da pandemia, que chegou a colocar em xeque esta edição da centenária celebração esportiva: gravações de atletas em casa por conta das medidas restritivas contra a Covid-19.

Depois disso, a tradicional contagem regressiva deu como aberta as Olimpíadas. Ela culminou na explosão de fogos de artifício que iluminou o estádio e o céu da capital japonesa, seguida de uma apresentação capitaneada pela boxeadora Arisa Tsubata, representando aqueles que tiveram que se adaptar à vida pandêmica e a luta contra o coronavírus. Inclusive sua própria trajetória, pois, além de atleta, é enfermeira e chegou a dividir seus treinos com o trabalho no hospital, onde cuida de pessoas com câncer. Ela não se classificou para os jogos em casa pois as classificatórias, que seriam realizadas em junho, foram canceladas.

Tsubata correu em esteira no estádio quase vazio, com poucos dançarinos. Fizeram uma performance íntima e empática, que levou elásticos emulando os nervos e músculos de atletas e as novas formas de comunicação. Nas arquibancadas, o silencioso vazio completava o tom sóbrio da cerimônia. As autoridades presentes eram poucas, entre elas o ​​Imperador Naruhito e o Presidente do Comitê Olímpico Internacional, Thomas Bach, apresentados antes de um grupo carregar a bandeira japonesa de um lado ao outro para a execução do hino. A responsável pela honra foi a cantora Misia.

 Foto: Jewel Samad / AFP

O momento foi seguro por uma homenagem “àqueles que não estão mais entre nós”, conforme anunciado pelo locutor oficial. Destaque para as vítimas da Covid-19 e os membros da comunidade olímpica mortos nos Jogos de Munique. O minuto de silêncio foi rompido por sons tradicionais japoneses, em mais uma valorização da cultura local. Não faltaram elementos tradicionais na grande festa, tingida majoritariamente pelo vermelho e o contraste entre o preto e o branco do jogo de luzes.

Num retrato do que é o hoje o Japão, uma amálgama entre a milenar história e a tecnologia, os populares videogames também tiveram destaque. Foi ao som das trilhas de jogos como Sonic, Nier, Final Fantasy e Dragon Quest que começou o desfile das delegações. Tradicionalmente inaugurada pela Grécia, berço das Olimpíadas, a parada segui​u​ a mesma lógica neste ano, mas a sequência ​das nações foi dada no alfabeto japonês e com menos atletas do que de costume.

O evento, desde a sua concepção autodeclarado um marco pela igualdade, teve diversas nações com homens e mulheres dividindo a guarda da bandeira. Foi o que ocorreu em países como Irã e Arábia Saudita. O Brasil,​ 151° a desfilar e​ representado pelo jogador de vôlei Brunei e pela judoca​ Ketlyn Quadros​. Eles representaram os 301 atletas do Time Brasil, de 35 modalidades, que foram preservados em função do risco de contágio pela pandemia. Ao entrarem no Estádio Olímpico, usavam chileno sambaram para os presentes e para as câmeras.

 Foto: Odd Andersen / AFP

Drones dão show tecnológico

Os anfitriões chegaram às centenas com Yui Susaki (luta livre) e Rui Hachimura (basquete) carregando a bandeira do país anfitrião. Com todos em campo, uma coreografia terminou com o símbolo desta edição dos jogos, quando, no chão, a mensagem ​iluminou-se o lema olímpico​:​ “​Mais alto​s​​ / ​​​​​​​Mais rápid​os / Mais Fortes​ Juntos​”. A última inscrição é uma novidade.

As luzes então foram apagadas para mostrar uma faceta mais moderna da sociedade japonesa, com um show de tecnologia: 1824 drones voaram sobre o Estádio de Tóquio e formaram o planeta Terra, que girava. Ao fundo, um grupo de crianças cantava “Imagine”, de John Lennon. A elas se juntaram Angélique Kidjo, Alejandro Sanz, Keith Urba​n​ e John Legend, de forma remota.

 Foto: Charly Triballeau / AFP

Discursos destacam superação

Seguindo os protocolos, Seiko Hashimoto, presidente do Comitê Organizador de Tóquio 20​0​2, ​discursou​​​​​​. Sem tradução, um dos pontos fracos, uma vez que todas as delegações haviam sido apresentadas em japonês, inglês e francês. Depois, foi a vez de Thomas Bach​. O​ chefe do COI cumpriment​ou​ os dignatários reunidos e ​atletas “Hoje é um momento de esperança”, começ​oa. “Sim, é muito diferente, mas vamos valorizar este momento. Estamos todos aqui juntos.”

“A pandemia nos separou, nos obrigou a manter distância uns dos outros. A nos manter afastados até mesmo de nossos entes queridos. Esta separação tornou este túnel tão escuro. Mas hoje, onde quer que você esteja no mundo, estamos unidos para compartilhar este momento juntos. A chama olímpica torna esta luz mais brilhante para todos nós”, afirmou, agradecendo aos japoneses por terem organizado o evento.

Ele continuou convidando o imperador Naruhito para declarar os Jogos abertos. Ele falou brevemente, e a bandeira olímpica com seus cinco anéis foi levada ao estádio, carregada por um atleta de cada um continentes, junto com um membro da equipe Olímpica de Refugiados. A bandeira foi hasteada, e cinco atletas japoneses de diversos esportes leram o juramento.

 Foto: Franck Fife / AFP

Naomi Osaka acende a pira olímpica

Ao final, um comediante japonês foi mostrado brincando na sala de controle com um ex-patinador artístico, enquanto ele acendia as luzes de várias sedes dos jogos pela cidade e pelo país. Houve ainda tempo para uma apresentação teatral dramática, com o protagonista vestido como Samurai – ao fundo, uma pianista trazia ritmos mais modernos – e uma performance com os pictogramas representando cada um dos esportes a serem disputados. Os símbolos ganharam vida por meio de bailarinos.

Então, a chama olímpica emergiu das entranhas do Estádio, carregada por dois atletas japoneses: o ex-lutador Saori Yoshida e o judoca Tadahiro Nomura. Eles o passam para uma seleção de outras lendas do esporte japonesas aposentadas, com o Bolero de Ravel como trilha sonora. A tenista Naomi Osaka, japonesa negra e de origem haitiana, pegou a tocha de um time de crianças e correu até o cume de um Monte Fuji temporário que foi erguido no estádio.

 Foto: Antonin Thullier / AFP

Ao topo, a Pira olímpica, desenhada por Oki Sato e inspirada no sol. A esfera se abriu como uma flor simbolizando a vida. Naomi passou as chamas para a estrutra, acendendo fagulhas de esperança.

 Foto: Odd Andersen / AFP

Fonte: Correio do Povo 
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