Em matéria[1] de maio de 2023, ficamos sabendo que Erechim tinha 66 farmácias em seu território, dando algo perto de uma farmácia para cada 1.600 pessoas. Esse número seguramente é maior hoje, o que vai ao encontro da percepção de quem anda pela cidade. Especialmente na área central, parece que tem uma farmácia a cada 100 metros! Grandes redes, outras nem tanto, mas todas vendendo “alívios” para corpos e mentes.
Tem uma série na Globoplay chamada “Sociedade do Cansaço”, nome extraído do livro do filósofo Byung-Chul Han, publicado no Brasil pela Editora Vozes em 2017 (2ª edição ampliada). O terceiro episódio da primeira temporada desta série tem um título sugestivo ao nosso tema: Remédio me cansa.
Não é de hoje que as exigências do mundo desafiam os seres humanos. É inegável que o avanço das Ciências Médicas é indispensável para que possamos viver, em média, mais do que gerações passadas viveram. Sabemos que há uma poderosa indústria farmacêutica que desenvolve drogas – farmácias são também drogarias, lembra? – que enfrentam doenças, permitem melhoria na qualidade de vida, mas, e sempre tem um “mas”, podem causar grande dependência e artificializar a “cura”.
Há certos remédios que se popularizam e passam a ser vendidos quase como balas ou pirulitos. Estou me referindo, por exemplo, a remédios para dores (de cabeça, musculares). As dores “da alma” exigem receituário médico específico. Tem antibióticos que precisam de duas vias, pois uma fica na farmácia. Eu lembro, quando guri, que a tal da “receita azul” me intrigava muito, já que era algo reservado a certos remédios “mais fortes”, como me diziam à época. Eram os de tarja preta.
Um dos grandes debates sobre os remédios é sobre a dosagem, ou seja, sabemos que a diferença, em alguns casos, entre o remédio que nos salva ou nos mata, é a sua dose. Um comprimido pode aliviar minha dor; a caixa toda, bem, também alia a dor, mas para sempre. Farmácias, hospitais, igrejas e cemitérios são conhecidos por um mesmo símbolo: a cruz. E como ela não é fácil de carregar, uma hora vamos parar em um desses lugares.
Levantamentos indicam que o Brasil é o sétimo país do mundo em consumo de medicamentos, sendo que, segundo uma pesquisa do Conselho Federal de Farmácia, “77% das pessoas usam medicamento sem prescrição médica, sendo que quase metade (47%) se automedica pelo menos uma vez por mês e um quarto (25%), todo dia ou pelo menos uma vez por semana”[2]. Diante disso, até o Dia Nacional do Uso Racional de Medicamento (5 de maio) foi criado.
Por mais que a gente associe remédio a farmácia, já faz um bom tempo que não tem apenas remédios nestes estabelecimentos. Até chinelo de dedo eu já comprei em farmácia! Produtos de limpeza, cosméticos, guloseimas, bebidas, entre outras coisas, aproximam as farmácias de lojas de conveniência de postos de gasolina. Pela aplicação de medicamentos e a realização de testes (eu fiz alguns durante a pandemia de Covid-19), parecem clínicas.
A expansão do número de farmácias é um dos sintomas do nosso tempo, constituindo um ramo comercial que, se existe nesta proporção na cidade, deve ser por causa da demanda. Seria estranho ficar abrindo farmácias sem retorno do investimento, não é mesmo? Fora que o remédio é uma mercadoria com bom preço no comércio. De tanta farmácia que vemos em Erechim, até perdi as contas. Tomar remédios e contar farmácias, me cansa. Vou ter que ver um remédio para cansaço.
Entre aspas
Uma provocação: reflita sobre seu uso de remédios, até mesmo dos considerados naturais ou homeopáticos. Claro que ter acesso a remédios e melhorar nossa qualidade de vida é algo muito bom, mas, será que tudo o que tomamos tem nos ajudado? Os remédios foram receitados por profissionais médicos(as)?
Uma última reflexão: tem um bom número de farmácias na área central de Erechim e em alguns núcleos de bairros pela cidade. Mas, será que não temos uma concentração excessiva nestes lugares e uma certa ausência em bairros mais distantes do centro? Como tens visto isso, caro(a) leitor(a)?
Thiago Ingrassia Pereira
Professor da UFFS Erechim
Coordenador do Projeto de Extensão “Dizer a sua palavra”: democratização da cultura popular e da comunicação
[1] https://jornalboavista.com.br/erechim-conta-com-66-farmacias-uma-para-cada-1600-pessoas/#:~:text=Erechim%20conta%20com%2066%20farm%C3%A1cias,e%20R%C3%A1dio%20Cultura%20105.9%20Fm
[2] https://bvsms.saude.gov.br/05-5-dia-nacional-do-uso-racional-de-medicamento-2/#:~:text=De%20acordo%20com%20o%20CFF,menos%20uma%20vez%20por%20semana.