No Brasil, o debate sobre o papel das regiões rurais e da agricultura para o desenvolvimento é um assunto eivado de controvérsias e confusões. Para ter uma brevíssima ideia da problemática chegamos a ter quatro ministérios para tratar dos assuntos rurais: o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) atualmente extinto, o Ministério do Meio Ambiente, (MMA) e ainda o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS). Todavia, não significa afirmar que o país tenha uma política agrícola consistente. Nossa estratégia “funciona” com “programas” pontuais, fragmentados e focados no curto prazo, e ainda assim, a agricultura é responsável por cerca de 5,7% do PIB do país, e se considerar as cadeias produtivas, esse patamar sobre para 24%. Essa importância, por outro lado é polemizada entre os representantes, especialmente, os sindicais, por meio de contínuas disputas políticas entre as denominações de “agricultura familiar” e “agronegócio”, como se a sobrevivência de um segmento dependesse radicalmente da destruição do outro.
O fato é que independente da fragmentação ministerial ou da visão dos distintos representantes, os instrumentos de “política agrícola” disponibilizados pelo Estado e operacionalizados por meio de “planos” anuais são frágeis e insuficientes. Em termos de recursos de orçamento federal, agrupando todos os ministérios que lidam com o “rural”, o percentual não chega a 1%. A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) preconiza que os países deveriam destinar em orçamento, o correspondente ao PIB agrícola, no nosso caso seria em torno de 5%. Do mesmo modo, quando se analisa os recursos alocados pelos Estados e municípios, o montante é igualmente insignificante, quando comparados com a participação do segmento na economia em geral.
A participação dos distintos governos se destina a cobrir parte dos custos de juros, serviços bancários e algumas linhas de crédito rural específicas. No geral, são raros os investimentos públicos em promover melhorias substanciais na infraestrutura social e produtiva nas regiões rurais, afinal, isso rende poucos votos. Além disso, o desenho das políticas públicas (quando existem) se prestam muito mais para ganhar tempo da exclusão social dada como certa, do que para efetivamente criar as condições mínimas para a promoção do desenvolvimento rural.
Diante desse cenário, se torna muito difícil atribuir às regiões rurais, outros papéis em que pese a necessidade de fazer investimentos públicos de apoio e suporte em médio e longo prazos aos agricultores, especialmente, aos mais fragilizados que carecem de aporte de políticas geração e de garantia de renda monetária, ou mais diretamente, de subsídios diretos.
A título de comparação, os Estados Unidos criaram a Lei Agrícola em 1933, reflexo da quebradeira generalizada da economia devido a crise de 1929, e para proteger os agricultores foram instituídos mecanismos de garantia de preços agrícolas tendo como referência o preço médio praticado aos produtos entre 1909 e 1914. Atualmente existem cerca de 2,2 milhões de agricultores nos Estados Unidos, e cerca de 38% deles recebem subsídios diretos por meio de programas específicos. Desde 1995 até 2016, os agricultores norte americanos receberam US$ 353,5 bilhões em subsídios agrícolas, sendo 198,2 bilhões alocados para programas de apoio a produção de culturas (especialmente para o milho, trigo, algodão, soja, arroz, rebanhos, leite, girassol, etc.), 78,1 bilhões foram alocados pra cobrir as despesas com seguro agrícola, 46,2 bilhões em programas de conservação (qualidade ambiental, proteção à áreas úmidas, vida selvagem, conservação e proteção de águas, etc.) e 31 bilhões para o pagamento de desastres ambientais e sanitários.
No caso dos agricultores da União Europeia (UE) entre 2014 e 2020 estão sendo colocados 362,7 bilhões de euros em ajuda, isso representou 39,8% do orçamento europeu do período. Por mais que exista a pressão dos países em desenvolvimento sobre as distorções que os subsídios agrícolas causam no mercado internacional, os Estados Unidos e a União Europeia são muito resistentes em retirar substancialmente esse apoio aos agricultores.
Dessa forma, ao considerar o conjunto de apoio destinado aos agricultores brasileiros, para muito além do apoio residual que recebem, levantam-se um arsenal de argumentos contrários e aguça as discussões sobre os destinatários desses incentivos. O mesmo não ocorre com tanta veemência, quando se trata dos subsídios à indústria automobilística, frigorífica ou petroquímica. O pano de fundo do debate fica estagnado na infindável crise fiscal do Estado, que está preso ao sistema financeiro que historicamente financia o déficit público. A tentativa de buscar a qualidade dos gastos públicos e melhorar a alocação dos investimentos realizados, é um motivo que provoca muitas reações corporativistas e ideológicas e conseguem bloquear qualquer iniciativa de mudanças.
Na verdade, essas dificuldades mostram nitidamente a ausência de um projeto de país que consiga revelar e atribuir com uma certa clareza, qual o tempo e o lugar da agricultura, dos agricultores e das regiões rurais para o desenvolvimento do país. O grande sociólogo José de Souza Martins, quanto a ideia de um projeto expressa poucas ilusões diante do quase incontornável impasse, pois, para ele “Qualquer projeto que baseia na factibilidade é repudiado porque é da direita. De esquerda, é o sofrimento, a penúria, a cegueira, a alienação do conformismo, e do inconformismo meramente verbal e queixoso”. Desse modo, diante do imobilismo, da ausência de oferta de alternativas e da crença irremovível de que o Estado tem a obrigação e a capacidade de tudo acolher e tudo resolver, estamos a mercê de alguma força mediúnica e divina possa surgir em nosso socorro.
Observando o cenário pelo lado do futuro das regiões rurais brasileira e dos agricultores, especialmente, os mais fragilizados, essa é uma aposta incerta. A realidade parece indicar que a opção escolhida pelos inúmeros governos é que a agricultura é um problema de mercado, e que não cabem políticas estruturantes e consistentes que possam garantir a proteção, a geração de ocupações produtivas e renda monetárias aos agricultores, por meio de subsídios nos moldes concretizados pelos norte-americanos e europeus.
Afinal, a visão predominante, mas não defendida abertamente, é que são poucos, (em Erechim eram 5.535 habitantes na área rural, de acordo com o censo do IBGE de 2010), grande parte deles são considerados desnecessários, desorganizados e tem pouca influência na hora de garantir a eleição política de quem quer que seja.
Por outro lado, a população urbana compreende e apoia pouco as necessidades e urgências das populações rurais, ao mesmo tempo, exige cuidados na proteção e conservação dos recursos naturais, a disponibilidade de alimentos saudáveis, seguros e baratos, mas se recusa a contribuir politicamente e monetariamente com o pagamento desses serviços.
Por Eliziário Toledo