SOBRE A FEIRA DO LIVRO DE ERECHIM

Foi um grande evento. A construção foi bonita, uma vez que foi dialogada. Quando a gestão pública ouve as pessoas, fica mais perto de acertos. Desde o lançamento no Centro Cultural 25 de julho, a Feira, na sua vigésima sexta edição, foi ganhando corpo e existência, tanto material, na Praça Jayme Lago, como simbólica, pois, a Feira, talvez, seja um patrimônio imaterial da nossa cidade (fica a dica ao pessoal do Arquivo Municipal).

A Feira do Livro de Erechim já não é mais a mesma. Para um evento que já foi “puxadinho” de Frinape, já teve ato de abertura sem cadeiras, que já foi no meio da rua e até em salas alugadas no centro, chegar a condição deste ano é um avanço inegável. Eu penso, como frequentador da Feira desde 2010, que a edição de 2025 aprofundou o que a realizada em 2023 já tinha assinalado, ou seja, que é possível uma Feira do Livro com livros. Sim, isso mesmo, livros para todos os gostos e idades, não apenas de autoajuda como se fosse uma livraria de aeroporto.

É de se saudar a procura de livreiros, fato novo na história da Feira[1]. Da mesma forma, a iniciativa da Secretaria de Cultura, Esportes e Economia Criativa de inaugurar o programa “Erechim, cidade que lê”[2], tendo na Feira uma referência do conjunto de atividades que estão previstas para o fomento à leitura em nossa cidade. A Feira se manter na praça pública, que vira “Praça do Livro”, é um acerto. Ah, mas se a chuva vier? Bem, é preciso pensar em estruturas mais seguras e em ações preventivas, mas a Feira do Livro deve ser em espaço público, de fácil acesso e perto das pessoas.

Por falar em fácil acesso, é preciso que tenhamos mais sensibilidade com a acessibilidade na nossa Feira. Segundo a Psicóloga e Mestra em Ciências Humanas Vandriane Truylio[3], que utiliza cadeira de rodas, ainda precisamos avançar muito neste quesito. O ideal de um evento para todos e todas é não deixar de lado a pluralidade de necessidades da população. Por isso, outro grande acerto da Feira deste ano foi o “vale livro” no valor de R$ 30,00 que foi concedido a estudantes da rede municipal. Foram 3 mil vales entregues nas escolas e cerca de 50% utilizados.

A subutilização do vale livros é uma advertência para o longo caminho que precisamos percorrer para a efetiva democratização da leitura em nossa cidade. Primeiro, pela questão do hábito e das possibilidades concretas que se tem de ler. Segundo, pela construção junto às famílias da importância de eventos culturais em geral e da Feira do Livro em especial. Dessa forma, mesmo com alguns desafios, estamos caminhando e a 26ª Feira foi, sem dúvida, um marco positivo na consolidação deste espaço cultural em Erechim.

Foi ótima a atuação da “Trupe Literária”, divulgando o evento e durante a realização dele. A presença de trechos de poesias no transporte coletivo da cidade foi outra ação muito legal, pois vai gerando o acontecimento na cabeça das pessoas. A estética da Feira foi algo marcante, com as cores da bandeira do Rio Grande do Sul e a referência a Gildinho dos Monarcas, recentemente falecido. A programação musical e artística da Feira foi muito diversificada, o que é algo muito relevante à natureza do evento.

A abertura pela manhã, com programação voltada a escolas, com foco no Ensino Médio, foi outro acerto que deve ser mantido nas próximas edições. As manhãs na praça foram cheias de movimento e sons, em meio a palestras e visitas aos livreiros. Pelas tardes, as crianças pequenas tomaram conta com a alegria peculiar a essa fase da vida. Cada sorriso de uma criança na praça é um combustível para seguirmos nossa luta pela educação e pela cultura.

Penso que esse modelo iniciado em 2023 e aprofundado agora em 2025 deve ser mantido nos próximos anos. Com o desenvolvimento projetado do programa “Erechim, cidade que lê”, é possível que a médio prazo seja necessário rever a estrutura da Feira, inclusive seu local. Por hora, consolidar no imaginário da população que a Feira é na Praça Jayme Lago me parece o melhor caminho. Para isso, seria interessante que a praça pudesse passar por um nova revitalização. Além dos brinquedos do parque infantil e do próprio palco permanente que precisam de manutenção, os banheiros, também permanentes, precisam de melhorias. Nesse sentido, uma zeladoria permanente e campanhas públicas de conscientização da população poderiam ser pensadas.

Nessa linha, quem sabe algum monumento na praça pudesse demarcar os livros e o incentivo à leitura? Talvez, até uma kombi ou geladeira de livros, como acontece em outras cidades, possa ser uma boa ideia. Outra possibilidade, é manter a Feira de Economia Criativa durante o ano, com periodicidade mensal ou bimestral, também incentivando a compra e troca de livros, como acontece com Sebos.  Talvez, a Academia Erechinense de Letras pudesse assumir essa ação ou executar outras nesta área, pois é muito tímida a presença dessa entidade na vida da cidade.

Por falar em timidez, a presença de lideranças políticas da cidade no evento é muito reveladora do lugar que ainda a Feira possui. Na cerimônia de enceramento da Feira, por exemplo, quantos vereadores(as) estavam na praça? Essa ausência contrasta com a presença operativa do secretário Wallace Soares que, além do seu envolvimento pessoal, teve a expertise de montar uma equipe qualificada. Universidades, escolas e parceiros comerciais, que poderiam ser mais numerosos, também são parte desta engrenagem que deu vida ao evento.

É preciso reconhecer a presença permanente da patrona, Maria Lúcia Carraro Smaniotto, que foi incansável durante toda a Feira. Eu estive muitas vezes ao longo do evento e em todas as oportunidades lá estava a patrona. Esse seu exemplo deverá ser seguido por quem tiver essa honra nos próximos anos. Talvez, possamos gerar a cultura da presença da patrona até a próxima Feira, ajudando a construir a edição do ano que vem, mobilizando escritores(as) locais e a comunidade em geral.

Sempre podemos avançar. Mas é muito bom constatar que a nossa Feira do Livro de Erechim cresce, fica mais bonita, envolve mais gente e passa a ser, assim como outras coisas, uma demanda da cidade, de tal modo que nenhum governo municipal possa reduzi-la de tamanho sem a resistência da nossa comunidade.

 

Entre aspas

Livros impressos são insubstituíveis. Temos que ter sempre, pelo menos, o número de livreiros que tivemos na Feira de 2025. Contudo, precisamos pensar nos livros digitais e de sua presença na atualidade. Por isso, quem sabe colocarmos no horizonte já da Feira de 2026  a existência de totens digitais na praça, mostrando o catálogo de algumas livrarias?

Um exemplo concreto: algumas editoras universitárias, como é o caso da Editora da UFFS (https://www.uffs.edu.br/uffs/editora), trabalham em grande parte com livros digitais. A existência de um totem poderia estimular a participação na Feira também desse segmento.  Fora que poderia ser mais atrativo ao segmento jovem que é nativo digital.

Thiago Ingrassia Pereira

Professor da UFFS Erechim

Coordenador do Projeto de Extensão “Dizer a sua palavra”: democratização da cultura popular e da comunicação

thiago.ingrassia@uffs.edu.br

[1] https://www.pmerechim.rs.gov.br/noticia/20218/26-feira-do-livro-de-erechim-tem-recorde-de-livreiros-inscritos

[2] https://www.pmerechim.rs.gov.br/noticia/20413/erechim-cidade-que-le-iniciativa-visa-incentivar-a-leitura-no-municipio-de-erechim

[3] Vide depoimento em vídeo em sua rede social: https://www.facebook.com/reel/1153524269863601

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