Sinfonia na Cidade e a arte de preservar a história sonora de Erechim

Projeto da UFFS iniciado em 2015 explora paisagens sonoras e constrói memórias através de uma jornada multidisciplinar

O projeto Sinfonia na Cidade, iniciado na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) Campus Erechim em 2015, surgiu como uma iniciativa voltada para o estudo e preservação das paisagens sonoras urbanas. A trajetória desse projeto, desde sua concepção até suas atuais realizações, é marcada por uma busca constante pela compreensão e valorização do patrimônio imaterial sonoro, com foco na cidade de Erechim. Entrevistamos a responsável pelo projeto, professora Marcela Alvares Maciel, que nos conduziu por uma jornada desde a gênese da ideia até os planos futuros, revelando os desafios enfrentados e as conquistas alcançadas ao longo do caminho. Através dessa conversa, exploramos não apenas a metodologia empregada na pesquisa, mas também os impactos sociais, culturais e educacionais gerados pela iniciativa, bem como suas colaborações com a comunidade e instituições locais.

Como surgiu a ideia do projeto e qual foi o principal objetivo que norteou o seu desenvolvimento?

O Sinfonia na Cidade iniciou suas atividades na UFFS em 2015, como um projeto de Bolsa Cultura. As atividades de pesquisa iniciaram formalmente em 2018, com a realização do meu pós-doutorado no Programa de Pós-graduação em Arquitetura da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e, posteriormente, em projetos de pesquisa guarda-chuva e seus subprojetos ainda em execução na instituição. O objetivo geral do projeto é desenvolver métodos e técnicas de análise de paisagens sonoras para fins de inventários de patrimônio imaterial sonoro, a partir do estudo de caso da cidade de Erechim.

Pode nos contar um pouco mais sobre a abordagem metodológica utilizada para realizar a pesquisa? Como foram selecionados os locais e os sons registrados?

A metodologia utilizada envolve pesquisa histórica a partir de literatura local, caminhadas urbanas para escuta e registro dos sons (chamados de passeios sonoros), avaliações da qualidade afetiva percebida das paisagens sonoras urbanas e síntese em cartografias sonoras. No caso das paisagens sonoras contemporâneas, os pontos de escuta da paisagem são selecionados a partir de técnicas de mapeamento afetivo com a comunidade regional, priorizando espaços onde se reproduzem práticas sociais coletivas. No caso do resgate das paisagens sonoras históricas, usamos como suporte metodológico a literatura de escritores da comunidade, sendo documentados os sons presentes nas descrições literárias da cidade de Erechim.

Quais foram os desafios enfrentados durante a execução do projeto e como foram superados?

Até o ano passado, a universidade não contava com infraestrutura laboratorial para a documentação da paisagem sonora contemporânea, por ausência de equipamentos de pesquisa nas áreas de áudio e acústica. Assim, os estágios iniciais da pesquisa até o momento direcionaram o foco para a pesquisa histórica, a partir da literatura disponível na cidade. No ano passado, a aquisição da câmera acústica pela UFFS abriu novas possibilidades metodológicas para os projetos a partir deste ano.

Como a participação dos alunos da UFFS e do colégio contribuiu para o avanço e sucesso da pesquisa?

A participação dos estudantes é central na pesquisa, pois estão envolvidos diretamente na sistematização das coleções sonoras. Eles atuam numa estrutura similar a um clube do livro, onde são indicadas as obras para leitura e catalogação científica dos sons identificados e análise das transformações sonoras. Nesse caso, o projeto também tem um caráter de estímulo ao letramento literário nas escolas e à participação das meninas na produção científica, a partir das bolsas de iniciação científica. É importante destacar ainda a produção da pesquisa com alunos de mestrado do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas (PPGICH), na linha de pesquisa “Saberes, processos e práticas sociais”. Atualmente o projeto tem a participação de duas estudantes de ensino médio do Colégio Haidée Tedesco Reali (anfitrião da pesquisa desde 2019); três bolsistas do curso de Arquitetura e Urbanismo e uma mestranda do PPGICH.

Qual a importância da construção da memória sonora de Erechim para a preservação da história e identidade cultural da cidade?

A análise das paisagens sonoras para fins de estudos de identidade e memória se apresenta como um método interdisciplinar de produção de conhecimento, permitindo a compreensão de saberes locais, expressões culturais e conhecimentos transmitidos oralmente. Os sons cotidianos desempenham um papel fundamental na formação da nossa identidade, refletindo as práticas culturais e sociais de uma comunidade. O patrimônio sonoro não é apenas um conjunto de ruídos aleatórios, mas sim uma construção social que carrega significados e memórias compartilhadas. A paisagem sonora não é apenas um legado do passado, mas uma herança viva na sociedade contemporânea, que reflete nossa cultura e identidade em constante evolução. Compreender e preservar essa paisagem sonora é essencial para uma compreensão mais profunda e sistêmica da sociedade em que vivemos, enriquecendo nossa experiência sensorial e promovendo uma maior conexão com nosso ambiente e nossa história coletiva. A memória sonora também se apresenta como uma ferramenta educacional, permitindo que as pessoas compreendam melhor a evolução da cidade e sua cultura ao longo do tempo. Além disso, pode sensibilizar a população para a importância da preservação do patrimônio cultural. O acervo de memórias sonoras também pode contribuir na preservação e revitalização de práticas culturais e sociais que estão em risco de desaparecimento.

O site do projeto (www.sinfonia-na-cidade.com) funciona como um museu do som on-line. Como foi o processo de organização e disponibilização desses materiais para o público?

O acervo de memórias sonoras do projeto está sendo estruturado em períodos históricos, definidos a partir dos dispositivos de gravação e reprodução do som. Assim, temos cronologicamente: o período sonoro do gramofone, rádio, fita magnética, disco óptico e, atualmente, está documentando uma coleção sonora para o período do streaming. Os fragmentos sonoros são disponibilizados diretamente no site e, de forma complementar, organizados em e-books gratuitos, na coleção “A menina que colecionava sons”.

Além do site, foram adotadas outras formas de divulgação e disseminação dos resultados do projeto?

O projeto tem atuado de forma transversal em ações de ensino, pesquisa, extensão e cultura, em espaços de ensino formais e não formais. Destaca-se, neste caso, a ministração de oficinas, em campanhas anuais de educação sonora, que têm na temática do patrimônio imaterial uma das suas ênfases. As oficinas são ofertadas gratuitamente para a comunidade, em parceria com escolas, feiras, universidades, secretaria de cultura etc.

Como as ações de extensão em educação sonora têm impactado a comunidade?

As ações são desenvolvidas numa agenda local que integra programações de campanhas nacionais e internacionais sobre o tema, a exemplo do Dia Internacional de Conscientização sobre o Ruído, sendo uma das atividades o Manifesto do Silêncio. Essas atividades são promovidas, por exemplo, em articulação com a Sociedade Brasileira de Acústica (Sobrac), com o INAD Brasil e parceiros locais. As iniciativas do projeto também já foram organizadas em formato de disciplina do curso de Especialização em Teoria e Prática na Formação do Leitor, em acordo de cooperação técnica da UFFS com a Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs). No ano passado, destacamos a participação do projeto na Feira do Livro de Erechim, com as oficinas “Leitura da Cidade” e “Era uma vez o silêncio”, e também em uma oficina no Seminário de Extensão Universitária da Região Sul (Seurs), realizado na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Em 2021, o projeto foi convidado pelo patrono desta edição da Feira do Livro de Erechim, o maestro Gleison Juliano Wojciekowski, para uma palestra sobre paisagem sonora, música e literatura.

De que maneira a pesquisa se articula com ações de cultura na cidade? Existem parcerias ou colaborações com instituições culturais locais?

O portfólio atual de projetos do Sinfonia na Cidade inclui ações articuladas de ensino, pesquisa, extensão e cultura. Atualmente, estamos como convidados da exposição artística “Jardim de Silêncios”, que integra uma exposição coletiva do projeto “Pequenos Sinais Poéticos”, com fomento da Prefeitura Municipal de Erechim proveniente da Lei Paulo Gustavo. Também está prevista a participação do projeto em atividades na Feira do Livro de Erechim, com as oficinas “Jardim de Silêncios”; um convite de parceria com a Uergs – Unidade de Erechim, e a oficina proposta pela UFFS “Passeio sonoro literário pela obra Cágada”, do escritor erechinense Gladstone Osório Mársico. Recentemente tivemos a participação na programação de atividades formativas para os professores do Centro de Belas Artes Osvaldo Engel, discutindo aspectos interdisciplinares das relações entre arte, ciência e tecnologia.

Quais são os planos para o projeto? Há novas etapas programadas?

Wagner Lenhardt
JornalistaA pesquisa continua estudando as paisagens sonoras digitais do período do streaming e com planos para continuidade, com destaque para os estudos das paisagens sonoras pós-digitais em ambientes metaverso, com exploração do acervo em ambientes imersivos. O projeto também prevê registros das paisagens sonoras da cidade explorando técnicas de holografia acústica, que é uma ferramenta avançada usada para visualizar e estudar ondas sonoras tridimensionalmente. Para explicar de forma simples, pense em como uma câmera comum capta imagens, mas em vez de capturar luz para formar uma imagem, uma câmera de holografia acústica captura ondas sonoras para criar um holograma sonoro. A agenda de atividades do Sinfonia na Cidade do primeiro semestre de 2024 inclui as seguintes atividades confirmadas: em março, exposição artística coletiva Pequenos Sinais poéticos, com a obra Jardim de Silêncios; em abril, participação com oficinas na Feira do Livro; em maio, participação no 9º Congresso Internacional de Arte, Ciência e Tecnologia, que será realizado em Belo Horizonte, coordenando mesas de trabalho e participação de residência artística. Para o segundo semestre, o projeto busca parcerias para fomentar a publicação da versão impressa da coleção de memórias sonoras de Erechim, para fins de distribuição do acervo para as escolas públicas da cidade, e realização de oficinas formativas em alusão ao Dia Estadual do Patrimônio Cultural.

Assessoria de Comunicação 
Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) – Campus Erechim