Depois de encerrarem 2022 no campo positivo, os três principais setores da economia se descolaram do ambiente de retomada após os momentos mais críticos da pandemia por covid-19, em 2020 e 2021.
No acumulado de janeiro e junho deste ano, o movimento de recuperação virou uma imagem que se distancia no espelho retrovisor e, com a atividade econômica, outra vez, no controle exclusivo do ritmo, a indústria gaúcha despenca 6% – uma variação bastante abaixo da média nacional, que é de -0,3% –, enquanto comércio e serviços se mantêm no terreno do crescimento. O primeiro, com alta de 1,2%, em linha com a do país (1,3%), e o segundo com um avanço de 7,5%, que supera em 2,8 pontos percentuais o desempenho do Brasil em idêntico período.
Os dados tomam por base pesquisas mensais, realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), até junho, divulgadas na semana passada. Em resumo, há uma palavra que define o atual momento e, na avaliação dos economistas, deverá permanecer em voga ao longo de todo o segundo semestre: desaceleração. Isso acontece mesmo com a melhora das perspectivas, caso da inflação mais contida e do reinício de um ciclo de redução para a taxa de juros.
A partir daqui cada segmento reassume suas próprias dinâmicas e, nesse contexto, restringir a análise ao descontrole de preços e encarecimento do crédito, tal qual ocorria antes, pode deixar algumas lacunas sem respostas. É o que afirma Patrícia Palermo, economista-chefe da Fecomércio-RS, ao alertar que nos serviços, por exemplo, há uma parcela da prestação que corresponde à demanda das empresas e outra que se alinha ao que representa a totalidade do desempenho do comércio, ou seja, o consumo das famílias.
— No Brasil e no RS esses setores não conseguem sustentar crescimentos prolongado no decorrer dos meses. Significa que alteramos, altos e baixos, ao mesmo tempo em que há um quadro de desaceleração. Essa volatilidade nos leva para taxas menores do que as do passado — argumenta.
A economista lembra: não se deve achar que avanços de 7,6%, no RS, e 6,2%, no Brasil, no acumulado de 12 meses seja algo “desprezível”, mas pondera, pela mesma base de comparação, a esta altura do ano passado, as altas eram de 16% no Estado e 10,5% no Brasil. Ela sustenta que o exemplo evidencia o argumento que sustenta a percepção de que existe menor efeito da demanda reprimida e recuperação do consumo, o que acabou por determinar uma concentração maior nos serviços do que nos bens (indústria e comércio).
Oscar Frank, economista-chefe da Câmara dos Dirigentes Lojistas de Porto Alegre (CDL-Porto Alegre), Oscar Frank concorda com o efeito migração, mas pondera que o fenômeno ainda reflete o choque provocado pela pandemia. Ou seja, na medida em que houve melhora do quadro sanitário e as pessoas se sentiram mais confiantes, a demanda “naturalmente” acabou direcionada para os serviços, em detrimentos dos bens.
Produção industrial do RS só caiu menos do que o Ceará
Um setor que em passado nem tão distante ocupava as primeiras posições do ranking nacional de produtividade, a indústria gaúcha, em cada nova divulgação dos dados do IBGE, aprofunda as suas dificuldades. Não são poucas e dividem a carga entre fatores estruturais e pontuais.
No que se refere ao primeiro aspecto, o economista-chefe da Fiergs Giovani Baggio afirma que, por ser caracterizada pela produção de bens de capital (equipamentos e instalações que servem para a produção de outros bens ou serviços), a indústria gaúcha é “duplamente penalizada” pelo atual patamar da taxa Selic, pois nessas condições também sofre efeitos relacionados com a demanda interna, que deixa de realizar novos investimentos.
Já ao comentar os impactos de momento, destaca três fatores que ajudam a explicar o desempenho que coloca o setor no RS à frente apenas do Ceará entre as unidades da federação com as piores quedas do país. O principal: a paralização da refinaria Refap, em Canoas, ao longo de quase todo o primeiro semestre, que responde, informa ele, por 3,2 pontos percentuais – mais da metade – da composição do índice cheio em 6% negativo no acumulado até junho.
O que impacta cada setor
Serviços
- No momento: mesmo com o desempenho positivo, a sensação é de desaceleração do curso, ainda que com intensidade diferente da verificada no comércio. No primeiro semestre foi o setor que mais se destacou no Estado com taxas acima das nacionais, analisa Oscar Frank, economista-chefe da Câmara dos Dirigentes Lojistas de Porto Alegre (CDL-Porto Alegre).
- No futuro: houve desaceleração generalizada dos indicadores do RS nos primeiros semestres, mas serviços segue com um desempenho superior ao de bens, ofertados pela indústria e pelo comércio. Esse fenômeno ainda deve permanecer, pois desde a pandemia, na medida em que houve melhora do quadro sanitário a demanda naturalmente acabou direcionada para os serviços em detrimentos dos bens.
Comércio
- No momento: ainda é possível notar diferença considerável, porque uma parcela sensível ao comportamento da renda como, supermercados, farmácias e combustíveis tiveram performance melhor do que a os segmentos mais associados às condições de crédito, o que demonstra que os juros pesados e a inadimplência elevada acabaram por retrair as atividades de maior valor. É o caso de móveis, materiais de construção e eletrodomésticos, explica Oscar Frank, economista-chefe da Câmara dos Dirigentes Lojistas de Porto Alegre (CDL-Porto Alegre).
- No Futuro: o comércio varejista é reflexo de varáveis que impactam o consumo das famílias. Ainda que a inflação esteja reduzindo, o processo de alta dos preços foi muito elevado nos últimos anos, houve grande aumento do endividamento e o comprometimento do orçamento das famílias com o pagamento de dívidas ficou bem alto. Esses fatores determinam que melhorias mais expressivas devem ocorrer apenas a partir de 2024, comenta a economista-chefe da Fecomércio-RS, Patrícia Palermo.
Indústria
- No momento: o cenário econômico pouco favorável, escassez de demanda interna, por conta da desaceleração da economia, juros elevados, incerteza no campo fiscal, todo o desdobramento da troca de governo trouxe muita insegurança para os empresários que ficaram reticentes em realizar novos investimentos. Como se não bastasse, o cenário externo prejudica as exportações, aponta o economista-chefe da Fiergs, Giovani Baggio.
- No futuro: após, primeiro semestre bastante difícil, foi possível agregar ao cenário alguns elementos favoráveis, pois a inflação entrou em trajetória de queda o que permitiu que o Banco Central começasse a redução da taxa de juros e as incertezas no campo fiscal diminuíram. Esses elementos somados às cadeias produtivas já ajustadas e menores custos de insumos podem fazer a confiança do empresário melhorar. Ainda assim, as expectativas permanecem voláteis e tornam o segundo semestre desafiador e dificilmente o setor terá alta, por conta da queda já verificada no primeiro semestre, explica o economista-chefe da Fiergs.