Quando histórias de um século se encontram

Em homenagem ao centenário de Erechim, Unimed traz ao município o psicanalista, jornalista e escritor João Gomes Mariante – que completou 100 anos em fevereiro. Em palestra com grande presença de público, ele revelou o lado oculto do ex-presidente Getúlio Vargas, deu dicas para uma vida longa e pediu aos acadêmicos de Medicina da URI que “valorizem mais o afeto do que a técnica”.

O médico psicanalista, jornalista e escritor João Gomes Mariante é o tipo de pessoa que não precisa fazer força para se transformar numa companhia agradável – seja em cima do palco, como na palestra que fez na Unimed Erechim na noite de terça-feira, 10 de abril; seja com seus livros; ou num bate-papo casual, regado invariavelmente a memórias, ensinamentos e tenacidade.

Aliás, é na força viva das lembranças casada a um olhar atento do presente que Mariante desenha o futuro, e empresta seu carisma a quem priva de sua companhia. Aos 100 anos, o médico se permite falar o que quer, sem papas na língua, recato ou rodeios. Felizmente, ele tem muito a dizer.

Foi assim que encantou a todos durante sua passagem pela Capital da Amizade – momento em que celebrou ao lado de quem chamou de ‘irmã gêmea’ (Erechim), o centenário de ambos. Na verdade, Mariante, nascido em Porto Alegre em 26 de fevereiro de 1918, é ligeiramente mais velho do que o município que o recebeu, eis que enquanto ‘Campo Pequeno’ era fundado, em 30 de abril de 1918, o bebê Mariante já mamava no peito da mãe.

A história de ambos, Mariante e Erechim, no entanto, só veio se cruzar agora – um século depois. A espera valeu a pena, pois o encontro promovido pelo presidente da Unimed e Diretor do Instituto Unimed/RS, Alcides Mandelli Stumpf, foi memorável.

Durante mais de uma hora, Mariante fez do auditório Dr. Sérgio Benito Maccagnini uma grande (e lotada) sala de aula. Um espaço único de saber e troca, quando tratou de revelar os detalhes da vida e as dores que acompanharam o ex-presidente suicida Getúlio Vargas – tema, aliás, que inspirou seu livro ‘Getúlio Vargas – O lado oculto do presidente’.

A obra, escrita com a propriedade do psicanalista e o olhar de quem dividiu momentos ímpares com Getúlio, dentro e fora do Palácio do Catete, trouxe traços inéditos da personalidade do ‘Pai dos Pobres’, a quem Mariante conheceu nos idos da década de 1940, depois de arrebatar o título de orador da turma da Faculdade Fluminense de Medicina – quando desbancou do posto um ‘oponente’ paulista, que dissera que São Paulo era uma locomotiva puxando 20 vagões vazios; ao que ouviu a réplica de Mariante, lembrando que o maquinista era de São Borja e o carvão de São Jerônimo. Tão logo o acurado raciocínio chegou aos ouvidos do presidente, o jovem Mariante foi chamado à presença do caudilho em almoço que fez nascer uma relação duradoura.

Numa bem humorada interação com a plateia, Mariante também respondeu a questionamentos de todos os tipos – de dicas para uma ‘vida longa’, no caso, o segredo seria “não se cansar de viver, nem tampouco se deitar na esteira do tempo”; passando pelos amores secretos de Getúlio; até chegar a um recado final dado aos estudantes de Medicina da URI presentes em grande número ao evento: “jamais esqueçam: ser médico é utilizar menos técnica e mais afeto”.

Prestigiaram a palestra, ainda, médicos cooperados e diretores da Unimed, imprensa, prefeitos, vereadores, membros do Rotary, acadêmicos de História da UFFS, de Letras, Psicologia e Medicina da URI, professores e comunidade em geral.

O evento foi uma realização da Unimed Erechim e prefeitura de Erechim, com patrocínio da Uniair e apoio da Academia Erechinense de Letras (AEL).

A seguir, algumas das tiradas de João Gomes Mariante em sua passagem por Erechim:

“Tenho um paciente esquizofrênico que mora no Chile e vem a cada dois anos me ver que recentemente me disse: para se chegar aos 100 anos tem que ser muito sem vergonha. E quem não é?”.

“Ao brincar com facas e adagas por volta dos 6 anos de idade Getúlio Vargas já indicava traços suicidas”.

“Em 24 de agosto de 1954 Getúlio não se matou; ele estava matando algo dentro dele: Carlos Lacerda, a UDN, a paixão alucinante (a amante) que havia lhe deixado”.

“Getúlio Vargas foi gênio. Na política atual, não há gênios”.

“Getúlio Vargas viveu sempre em função da eternidade”.

“Nos tempos do meu padrinho, ministro do STF Armando de Alencar, o Supremo era de fato um tribunal”.

“Jamais vou esquecer a recepção que o povo de Erechim me deu, cidade que considero minha irmã gêmea”.

“Para mim, a Lava Jato é a Lava Jeito. Estamos sempre dando um jeitinho brasileiro nas coisas”.

“No Brasil, a política de hoje é um pau de sebo daqueles de festa de São João com uma nota falsa na ponta”.

“Quando o prazer triunfa, a virtude se acaba”.

“Continuo escrevendo regularmente – e até estes dias meu horário habitual para a escrita era de madrugada, por volta das 4h. Enquanto a morte não chega, vou produzindo coisas”.  

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