Datados do início do século 20 até o final dos anos de 1980, centenas de processos-crime registrados em Erechim, no norte do Estado, serão higienizados e catalogados por acadêmicos do curso de História da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS). São 400 caixas-arquivo com conteúdo que remonta aos tempos de quando a cidade ainda era uma colônia.
Coordenado pela professora de História Caroline Rippe, o trabalho é um projeto de extensão realizado no Campus Erechim e deve se estender pelos próximos cinco anos. Na semana passada, as primeiras cem caixas foram entregues à professora pelo Arquivo Histórico da cidade.
— O material é vital para o entendimento da historicidade criminalística, hábitos e atuação da força policial e judiciária na região, que possui uma condição de imigração tardia peculiar em relação às demais cidades — comenta Caroline.
Nas primeiras folheadas pelos documentos, a professora se deparou com um caso envolvendo violência doméstica, de uma mulher e filhos que costumavam ser agredidos pelo patriarca, ocorrido em 1910. Porém, naquela época, ele só se tornou um processo quando a mulher matou o marido agressor. Outro caso que despertou a atenção de Caroline ocorreu em 1929, quando um imigrante italiano assassinou um imigrante polonês por ele ter nascido na Polônia.
— No que já olhei, encontrei muitos casos envolvendo assassinatos com teor étnico. Erechim é uma região indígena, mas com imigração tardia de italianos, poloneses e russos — conta a professora.
De acordo com Caroline, os processos estavam inicialmente no Arquivo Histórico Municipal, que os entregou ao Fórum da cidade. Porém, por falta de espaço, o órgão só armazena documentos de até 50 anos. O restante é incinerado.
— O curso de História da UFFS, junto com a gestão atual do Arquivo, julgou que o material é interessante e pode proporcionar muitas pesquisas em relação à historicidade do crime e das leis, além de possibilitar a análise da sociedade erechinense e das cidades aos arredores em épocas mais remotas. Então conseguimos a liberação do Fórum para trabalharmos com o material por um período de três a cinco anos — explica Caroline.
Antes de ser incinerado pelo Fórum, o que deve ocorrer daqui a cinco anos, todo o material será selecionado, higienizado, catalogado e escaneado pela equipe da UFFS. Mas o maior desejo da professora é, ao longo deste período, encontrar uma alternativa para manter o material intacto para sempre.
— Estamos tentando vislumbrar possibilidades de permanecermos com esta documentação para não perdermos a história. Porque mesmo que tenhamos os documentos escaneados e disponíveis para pesquisa, a questão da materialidade é importante. O digital tira o aspecto da produção humana, que o próprio documento tem — justifica.
Nos próximos dias ocorre a seleção dos bolsistas que atuarão para recuperar a materialidade da documentação entregue ao projeto da UFFS. Eles também serão responsáveis por ler os processos e interpretá-los. Segundo a professora, as atividades incrementam não apenas a formação dos acadêmicos, mas também repercutem no cuidado com o patrimônio histórico regional.
Neste primeiro mês de trabalho, Caroline repassará aos acadêmicos as práticas de conservação e restauro. A partir da próxima semana, ela e cinco estudantes bolsistas voluntário começarão a mexer no material, iniciando pela higienização dos papéis.
— Na região de Erechim e arredores constantemente são feitas demandas ao nosso curso neste quesito das boas práticas documentais e de acervos tridimensionais. É um elemento importante essa instrumentalização dos alunos, pois não apenas a docência, mas o emprego deles em arquivos, centros de memória escolar ou institucional formam um profissional mais completo. Por falta de mão de obra especializada vemos o descaso com o patrimônio histórico na região — relata Caroline.
Para a professora, à medida que uma educação patrimonial começa a ser feita na universidade e atinge a comunidade, o sentimento de pertencimento histórico dos indivíduos e comunidades se torna mais claro, promovendo boas relações entre o passado e o presente.
Fonte: GZH