PAISAGENS URBANAS

Porta de entrada de muitas cidades, a estação rodoviária é um cartão de visitas. Por ela, entram e saem pessoas e mercadorias, num fluxo que interliga cidades, regiões e até países. A rodoviária é lugar de espera, é espaço de despedidas, de emoções, de ansiedades por um destino que se está deixando para trás em busca de outro que vai aparecer depois de alguns quilômetros.

Algumas pessoas da cidade não usam a rodoviária. Vão e voltam de carro particular, transporte fretado ou até aéreo. Para elas, a rodoviária é um lugar estranho, muitas vezes, até mal visto, por acolher quem não tem lugar ou está somente de passagem. Quando criança, escutava a expressão “banheiro de rodoviária” para se referir a um lugar sujo, fedorento e quase impraticável para sua finalidade. Assim, a rodoviária é um espaço que diz pouco para muitas pessoas que apenas passam por ela, mas não a vivem.

Por outro lado, outras pessoas usam sempre a rodoviária e fazem dela uma extensão do seu trabalho ou daquela viagem para (re)ver parentes e amigos(as). No ano que vim trabalhar em Erechim, eu frequentava a rodoviária duas vezes por semana, como ponto de referência entre meu aqui e meu lá (Porto Alegre). Chegava de manhã bem cedo e voltava perto da meia-noite.

O curioso é que vim trabalhar em uma cidade que tinha duas rodoviárias. Descobri que eu frequentava a estadual, que também era intermunicipal. A outra, que era interestadual, também fazia às vezes de intermunicipal. Na verdade, nesta que tinha ônibus até para São Paulo, eu mais comia no restaurante do que usava as linhas disponíveis. Na minha subjetividade, Erechim ter duas rodoviárias era um exagero que deveria ter alguma questão histórica envolvendo política ou economia no meio. Nunca investiguei, nem para escrever esse texto.

O mais importante é que eu passei a usar menos a rodoviária morando efetivamente na cidade. Também sou um usuário do meu próprio transporte. Fui algumas vezes esperar pessoas que chegavam e levar outras que saiam e notava, mês após mês, a decadência de uma das rodoviárias (e a outra não andava muito bem). Mesmo esse cenário sendo um indicativo que alguma coisa mudaria, confesso que as ruínas da antiga rodoviária e seus prédios novos e área comercial que se esboçam ao redor do que antes era um dos meus pontos de referência da cidade, mexem comigo.

O espaço urbano também é feito de nossas memórias, da arquitetura, dos cheiros e das situações que vivemos. O lugar que tantas vezes cheguei e parti, não existe mais concretamente na paisagem urbana. Ainda há ruínas do que um dia foi. Em breve, nem os restos de concreto estarão ali para lembrar dos táxis, do bosque, do setor de encomendas, dos guichês de passagem, da sala de espera com TV e dos banheiros, bem típicos de rodoviária!

Quem chega hoje na rodoviária – finalmente unificada – de Erechim, já é levado(a) a perceber uma outra paisagem. Ainda penso que a nossa cidade poderia ter uma rodoviária que fosse mais acolhedora, com uma outra estética e com mais vida em seu cinza predominante. Mas, eu faria uma troca agora: em vez de uma nova rodoviária, quem sabe uma estação de trem que nos ligasse a muitos lugares com mais segurança, menos poluição e mais conforto?

Um sonho, que já é realidade em muitos lugares do mundo, poderia nos permitir viver novas experiências e admirar as paisagens que hoje não vemos dos nossos carros ou das poltronas dos ônibus. Fora que geraria empregos, diminuiria acidentes de trânsito e, vejam só, daria até para conversar durante a viagem com as demais pessoas que estariam sobre os trilhos.

Entre aspas

Pense numa história marcante na rodoviária que não existe mais em Erechim. Pode ficar só para ti essa lembrança ou compartilhe ela com pessoas próximas. Lembrar junto e juntas é comemorar.

Thiago Ingrassia Pereira

Professor da UFFS Erechim

Coordenador do Projeto de Extensão “Dizer a sua palavra”: democratização da cultura popular e da comunicação

thiago.ingrassia@uffs.edu.br

 

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