OS LIMITES DA CIDADE

Praticamente todos os dias eu vou e volto de Erechim ao Campus da UFFS. Mas, a UFFS não está em Erechim? Quais os limites – territoriais e simbólicos – de uma cidade? Pensando com um pouco mais de cuidado, uma cidade é um sistema vivo, com história, com presente e com projeções de futuro. Vamos pensar: o que é ser desta ou de outra cidade?

A questão da identidade é algo muito importante aos seres humanos. Somos seres que precisam encontrar seu espaço, buscamos conforto, queremos fazer parte de algo, estar com alguém, nos reconhecer em certo grupo. Por isso, compartilhamos rituais que se expressam em símbolos e celebrações.

Quando vim morar em Erechim em 2010, uma das perguntas mais frequentes que me faziam era “qual a tua família?”. Ora, responder os Ingrassia Pereira, talvez, não significasse nada a quem me perguntava. A linhagem familiar é um dos espaços de reprodução de identidades mais importantes e isso se cultiva a partir de relações que ocorrem em espaço cultural com características de “solidariedade mecânica”, termo que o sociólogo francês Émile Durkheim usou para entender os processos de manutenção da vida social em sociedades simples, com baixa divisão social do trabalho.

A cidade de Erechim é, como toda a cidade, um coletivo de famílias, ainda que nem todas compartilhem o mesmo lugar social. Aqui entram questões financeiras e de prestígio em geral. Também, sabemos que essa “marca” familiar pode gerar certos preconceitos. Aliás, ser da família A ou B não deveria definir ninguém. Essa ideia de que algumas questões de comportamento se propagam pelo “sangue” é algo muito problemático. Temos certas tendências de produção de juízos de valor a partir do que conhecemos, principalmente na infância. Mas isso não é estático e a continuidade de experiências ao longo da vida vai nos definindo num processo que não se esgota.

Então, o que é ser de Erechim? Essa é uma pergunta intrigante. Seria possível fazermos uma lista, como, por exemplo: tomar chimarrão no Seminário Fátima, ir na Frinape, escutar a Rádio Cultura, ler o Jornal Boa Vista. Mas, notem como isso não é algo tão simples. Compartilhamos o mesmo espaço territorial, mas não estamos todos e todas “na mesma cidade”. Há uma Erechim do centro e há outra dos bairros. Há uma cidade para quem tem posses e outra para quem não tem. Uma coisa é andar de carro e outra é ter que esperar o ônibus e fazer baldeação.

Há a cidade das escolas privadas do centro e outra das escolas públicas mais periféricas. Enfim, temos cidades dentro da cidade. E ainda temos o campo. Sim, há uma Erechim rural, das árvores, pastos e animais. Há uma cidade para quem é branco(a), de origem europeia e há outra, bem diferente, para quem não é. Há uma cidade para quem é sócio(a) de clubes e há outra para quem o lazer somente pode ser público e gratuito. Há a Erechim dos proprietários e outra dos que só possuem a sua força de trabalho, geralmente mal paga.

Temos a cidade dos(as) que aqui nasceram e temos a dos(as) que  aqui chegaram, seja de perto ou de longe. Tem lugares e momentos da cidade em que a língua espanhola predomina na atualidade. Temos, enfim, múltiplas cidades dentro de uma só. Esse é o desafio do “campo pequeno”: se alargar para caber todo mundo que, de diferentes formas, se reconhece como parte dele. Mas, inegavelmente, isso tem seus limites.

Entre aspas

O título de capital da amizade é muito bonito. Amizade é uma relação humana preciosa. A quem lê: quais os limites da amizade na capital da amizade? De quem, afinal, somos amigos(as)?

Thiago Ingrassia Pereira

Professor da UFFS Erechim

Coordenador do Projeto de Extensão “Dizer a sua palavra”: democratização da cultura popular e da comunicação

thiago.ingrassia@uffs.edu.br

 

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