“A pior barreira mesmo é a autoestima, tá ligado? É porque mano, sem maldade, quando você nasce num lugar como esse aqui mano, as pessoas te empurram pra baixo mesmo, a sociedade inteira te empurra pra baixo pra você não acreditar mesmo, a gente tem que ir pro mundo e mostrar nossa verdade, contar a nossa história, tá ligado?”
(MC Guimê, Emicida, 2014)
Enquanto meninos e meninas que ainda iam à escola, sonhávamos com tudo que poderíamos ser. Uma coisa é certa: nascidos(as) no País do Futebol, muitos meninos e meninas sonhavam (e ainda sonham) em ser jogadores profissionais.
No final das Olimpíadas de Paris (2024), o Brasil terminou em 20º posição no ranking geral de medalhistas, ganhando medalhas memoráveis como o ouro de Rebeca Andrade no solo da Ginástica Artística, o ouro de Beatriz Souza no Judô, o que torna o ouro mais significativo ainda por serem duas mulheres negras no pódio.
No tocante ao futebol na Olimpíada de 2024, tivemos como destaque a medalha de prata para a seleção feminina, na qual a jogadora Marta participou e segue sendo uma referência. No que tange o futebol masculino, infelizmente não passamos das classificatórias, todavia, em 2016 levamos o ouro para casa, tendo a figura do Neymar, nome que está na boca de muitos dos nossos meninos.
Esses atletas inspiram meninos e meninas a alimentarem o sonho de serem atletas e jogadores(as) profissionais, e essa inspiração com certeza chega até as nossas crianças e jovens de Erechim, uma cidade mais interiorizada e fora do eixo Rio-São Paulo[1], o que traz uma certa falta de visibilidade, por conta dos grandes clubes e competições do sudeste.
No período vespertino, estava eu observando o recreio das crianças e dos jovens de uma escola pública daqui quando me deparo com o “Robson”. O Robson nada mais era do que uma bola feita de bastante jornal amassado, fitado, com dois olhos enormes e uma boca sorridente. Era uma bola improvisada, o porquê daquilo? “Jogar bola é proibido no recreio, eles não liberam a bola”, me disse o menino-artesão-de-bolas, por isso, teve que criar a obra intitulada de Robson.
A aula mais esperada (a única que os educandos são permitidos mexer seus corpos, aparentemente na sala não pode), era a de Educação Física. Muitos dos que sonhavam (e sonham) não tinham condições para escolinha de futebol, ou extra classe de ginástica, ou para uma arena (paga por hora) de vôlei. Os que tinham (e têm) que tipo de incentivo têm quando ouvem dos pais, professores ou parentes que “futebol não é profissão”, ou “ser atleta não ganha dinheiro”, ou “você não tem talento suficiente pra fazer sucesso igual tal atleta, isso é só um passa-tempo”.
Assim, ensinamos que os atletas no pódio das olimpíadas devem ser aplaudidos, mas também que os meninos e as meninas de Erechim só podem aplaudir, não sonhar em ser (e treinar) para estar lá, participar das olímpiadas, ser um medalhista, ser um atleta profissional e ser uma das próximas inspirações, para serem aplaudidos. Tirar a bola, limitar seus movimentos físicos à aula de Educação Física e não estimular também significa que não estamos pensando nos próximos representantes atléticos.
Mas sempre vai existir um “Robson”, embora a escola proíba milhões de vezes a bola, vai enfitar um tanto de jornal, fazer dois olhos e uma boca e ir pro jogo, movimentar seu corpo (porque o movimento também é uma linguagem, um jeito de dizer a sua palavra) e aprender sobre a coletividade na atividade física, porque “Esteja ou não a força do/a gaúcho/a no sangue, fato é que ela continua impulsionando muitos/as de seus/suas atletas a fazerem história, inclusive nos Jogos Olímpicos”[2].
Ao ver essas pessoas que marcam a história do esporte, isso inspira. Mas não é o bastante. Nós, enquanto família, escola e sociedade erechinense devemos acreditar e potencializar futuros atletas, é isso que os diversos eventos atléticos nacionais e internacionais dizem a respeito. Sempre me pergunto quando piso em uma sala de aula, “Quem será o próximo?”, é uma pergunta realmente instigante e curiosa, nossa cidade com certeza tem muitos sonhadores e sonhadoras em potencial.
Entre aspas
Você sabia que no Brasil nós temos o “BOLSA ATLETA”? O programa conta com mais de 815 atletas beneficiados, com 2.605 bolsas desde 2013 e a bolsa tem diferentes valores dependendo da sua categoria (estudante ou pódio). Os/As atletas podem, assim, dedicar-se com exclusividade aos seus treinos. Você pode ver mais sobre no link: https://www.gov.br/esporte/pt-br/acoes-e-programas/bolsa-atleta
Kaylani Dal Medico.
Discente do Curso de Licenciatura em Pedagogia da UFFS Erechim.
Bolsista do Projeto de Extensão “Dizer a sua palavra”: democratização da cultura popular e da comunicação
kaylanidalmedico@hotmail.com
[1] GOMES, William Charles Osório; CROS, Juliana Prado; DOS ANJOS, Luiza Aguiar. Ser atleta no Rio Grande do Sul: as dificuldades de estar fora do eixo Rio-São Paulo. A PARTICIPAÇÃO GAÚCHA NOS JOGOS OLÍMPICOS: GARIMPAR MEMÓRIAS PARA PRODUZIR HISTÓRIAS, p. 13, 2016.
[2] Idem, p. 21.