Onda de frio provoca colapso energético na Argentina

Comércios fechados, escolas com aulas suspensas, indústrias paradas e moradias sem aquecimento são efeitos da crise da falta de gás pela onda de frio

Em meio a temperaturas mínimas históricas e consumo recorde, residências, indústrias, comércios e até serviços essenciais enfrentam dificuldades para manter o funcionamento. Na cidade de Mar del Plata, no litoral da província de Buenos Aires, o cenário é crítico. Mais de 20 bairros ficaram completamente sem gás a partir da noite de quarta-feira, em meio à madrugada mais fria do ano. As temperaturas caíram abaixo de zero, com sensação térmica de até -10 °C em algumas áreas da periferia.

Sem aquecimento e sem água quente, muitos moradores recorreram a estufas e chuveiros elétricos. Houve uma correria às lojas para compras de aquecedores elétricos.  Isso provocou uma sobrecarga no sistema elétrico e cortes de energia em diversos bairros.

As ruas da cidade de Mar del Plata amanheceram desertas nesta quinta, com escolas fechadas, comércio paralisado e transporte público limitado. A cena foi comparada pelos próprios habitantes aos dias mais duros da pandemia.

A distribuidora Camuzzi, responsável pelo fornecimento na região, informou que a queda brusca da pressão nos gasodutos forçou o desligamento automático do serviço. A empresa iniciou o processo de reconexão, que será feito gradualmente, casa por casa, com apoio de mais de 150 técnicos nas ruas. A prioridade, segundo a companhia, são hospitais, geriátricos e centros de saúde.

O município decretou o fechamento de todas as atividades noturnas. Restaurantes, shoppings, academias, bares e centros comerciais foram obrigados a encerrar o expediente. Estações de gás também suspenderam o atendimento ao público. A medida busca aliviar o consumo e redirecionar o gás remanescente para os domicílios.

O impacto da crise vai além da cidade litorânea. Em quase todo o país, as distribuidoras foram instruídas a cortar o fornecimento de gás a usuários com contratos “interrumpibles”, ou seja, que aceitam interrupções em troca de tarifas mais baratas. Isso afetou diretamente indústrias, comércios, shoppings e postos de combustível.

As províncias mais atingidas são Córdoba, Mendoza, San Juan, La Pampa, Neuquén, Río Negro, Buenos Aires, Tucumán, Salta e Jujuy. Em La Plata, cerca de 80% das estações de gás foram desativadas. Em outras cidades, como Rosario e Santa Fe, o fornecimento foi mantido, mas com alerta máximo.

Segundo dados da Associação de Gás Natural (AGN), a demanda prioritária — que inclui residências, hospitais e escolas — superou os 100 milhões de metros cúbicos diários pela primeira vez na história. O sistema nacional de gás não conseguiu atender à demanda total, que chegou a 156,6 milhões de metros cúbicos por dia. O déficit estimado é de 6 milhões de metros cúbicos.

Em anos anteriores, o consumo no mesmo período do inverno raramente ultrapassava os 95 milhões de metros cúbicos. No inverno de 2024, por exemplo, a média foi de 80,6 milhões. A combinação de temperaturas extremas e infraestrutura insuficiente colocou o sistema sob um estresse inédito.

Parte do problema também está na oferta. Houve queda na produção de gás em campos de shale em Vaca Muerta, principal reserva energética do país. Problemas técnicos temporários em duas unidades de produção — La Calera e Aguada Pichana Este — reduziram a injeção diária em cerca de 7 milhões de metros cúbicos.

Além disso, a usina nuclear Atucha II está fora de operação, o que compromete ainda mais a estabilidade do sistema energético. Para compensar, o governo argentino aumentou o uso de combustíveis líquidos — como gás óleo e fuel oil — nas termelétricas, além de importar eletricidade do Brasil, Uruguai e Paraguai.

A Secretaria de Energia declarou estado de emergência energética e ativou o Comitê Executivo de Emergência, que reúne o Enargas, Cammesa e representantes das transportadoras e distribuidoras de gás. Em menos de 24 horas, o grupo se reuniu três vezes e determinou cortes obrigatórios para indústrias, estações de GNC e comércios de grande porte.

As exportações de gás para o Chile também foram restringidas. O país vizinho, que depende do fornecimento argentino para parte da sua geração elétrica, ativou planos de contingência e passou a usar estoques de gás armazenado no terminal de Quintero.

Apesar da gravidade da situação, o governo de Javier Milei responsabilizou administrações anteriores pela crise. Em nota, a Secretaria de Energia afirmou que o país sofre com “problemas estruturais”, como falta de investimentos em infraestrutura, congelamento de tarifas e ausência de políticas de longo prazo.

O impacto também é sentido na indústria. Fábricas com contratos firmes de fornecimento foram forçadas a parar temporariamente ou a adaptar suas operações com uso de combustíveis alternativos. Setores que dependem do gás, como o transporte de passageiros e cargas, enfrentam prejuízos. Muitas empresas tiveram que suspender serviços ou migrar para o diesel, mais caro.

A crise do gás expõe com clareza os limites da infraestrutura energética argentina diante de fenômenos climáticos extremos. Com a continuidade do frio, não há previsão concreta de normalização total do abastecimento. Técnicos alertam que, mesmo após a recuperação da pressão nos gasodutos, o processo de reconexão será lento e dependerá de equipes em campo.

Enquanto isso, milhares de argentinos enfrentam o frio com janelas fechadas, aquecedores desligados e a esperança de que o gás volte a circular. A crise deixou de ser apenas energética: virou também social e humanitária.

Matéria no site: https://metsul.com/onda-de-frio-provoca-colapso-energetico-na-argentina/

destaque