O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e lacaio dos exploradores do povo.
O Analfabeto Político, de Bertold Brecht.
Não querer ter uma posição política, lamento informar, é uma posição política! Não gostar de partido político, ter desconfiança de políticos, tudo isso é válido e até certo ponto saudável à democracia. Quantas gerações lutaram para ter o direito de votar, quantas pessoas foram perseguidas, torturadas e até mortas para que a gente pudesse ir neste domingo, dia 6 de outubro, à urna. Antes, o voto no papel, hoje, eletrônico, o que coloca o nosso país como referência internacional a partir de um sistema praticamente impossível de ser fraudado[1].
A desconfiança nas urnas eletrônicas lembra, em certo sentido, a atitude daquele menino que era dono da bola e, quando não gostava de alguma coisa ou o time dele estava perdendo de muito, pegava a bola e ia embora acabando o jogo da turma. Desconfiar das urnas somente quando perdemos a eleição é como reclamar da arbitragem somente quando nosso time é prejudicado. Quando o pênalti duvidoso é a nossa favor, bem, aí tudo certo.
Essas percepções, narrativas e atitudes mostram como há processos que não são apenas racionais e objetivos, mas são altamente emocionais. Uma eleição mexe com nossa razão e com nossa emoção. A eleição municipal, por ser a mais perto de nós, por envolver pessoas que convivemos, que conhecemos a família, que temos laços afetivos, se torna a mais marcante e que nos mobiliza mais.
Afinal, quanto vale o meu e o seu voto, caro(a) leitor(a)? Às vezes, pela burocratização ou pelo desconhecimento, votamos sem saber ao certo as implicações do nosso ato. Não elegemos apenas quem gostamos, mas votamos, também, para evitar que quem não gostamos ganhe. O desencanto com a política institucional leva à escolha do “menos ruim”, à abstenção (não comparecimento) ou ao voto branco ou nulo. A urna tem até botões para que a liberdade de escolha do(a) eleitor(a) seja respeitada como se deve em uma democracia.
No Brasil, o voto é um direito e um dever. Essa dupla face revela a sua importância e, em algumas situações, promove uma “participação alienada”, ou seja, eu vou votar mas não sei ao certo em quem, não entendo o que o cargo de prefeito(a) ou vereador(a) permite[2], enfim, voto, mas não sei bem o que estou fazendo. Isso é algo que prejudica o sistema democrático, pois, o que era para ser uma demonstração de cidadania, acaba sendo uma manifestação da nossa frágil cultura política.
Mas não vamos pensar que isso é “culpa” do(a) eleitor(a). Não podemos esquecer que há todo um cenário que gera essa baixa sofisticação política média, desde as fragilidades do nosso sistema educacional (que exclui, por exemplo, aulas de Sociologia da escola) até a manutenção de cenários “clientelistas”, alimentados por agentes políticos que reproduzem práticas para que as pessoas não sejam, de fato, críticas – como a compra de votos e chantagens eleitorais.
Vale lembrar que não votaremos apenas para o cargo do poder executivo, mas que o legislativo também é muito importante para a administração da cidade. Em Erechim, a Câmara é composta por dezessete (17) cargos que são eleitos em votação proporcional, ou seja, de acordo com a votação de cada partido ou federação. Assim, cada vez que um partido ou a federação chega no quociente partidário a partir do eleitoral[3], que é o cálculo entre o número de votos válidos dividido pelo número de cadeiras da Câmara, tem um(a) vereador(a) eleito(a) para mandato de quatro anos, sem número prefixado de reeleições.
Na eleição municipal, votamos para o cargo de prefeito(a) digitando o número do candidato que, em Erechim, são quatro homens nesta eleição de 2024. Para vereador(a), podemos votar de duas formas: (a) digitando o número do(a) candidato(a) – tem cinco dígitos, ou (b) digitando o número da legenda, tal qual se vota para prefeito. Assim, seu voto não vai para uma pessoa, mas vai para o total de votos do partido ou federação.
O mais importante, que dá valor ao nosso voto, é que que cada pessoa tem a possibilidade de construir a gestão do lugar onde mora. Não há, fora em cenários de golpe ou períodos de ditadura, nenhuma pessoa que exerce cargo político sem que tenha voto. Assim, nos tornamos responsáveis pelo andamento da política em nossa cidade, estado e país. Se achamos que existem políticos(as) corruptos(as), bem, lembre-se de que foram eleitos(as) por um bom número de pessoas.
Então, se o voto direto é algo que foi uma conquista da cidadania brasileira, não podemos tratá-lo de qualquer forma. Deixo uma pequena lista com itens a serem considerados para um voto consciente e que valorize a nossa democracia e a contribuição de cada um e cada uma de nós:
A – Avalie as propostas da pessoa que pretende votar. O que ela defende? Qual o seu programa? Como se posiciona em relações a questão de gestão do município, em áreas como a educação, saúde, mobilidade urbana, meio ambiente, entre outras?
B – Procure informações sobre a formação de seu/sua candidato(a). Não apenas formação escolar/universitária, que é importante, mas, sobretudo, formação política, experiências profissionais e comunitárias. Procure saber das filiações ideológicas (direita, centro, esquerda) e da coerência ao longo do tempo (se mudou ou não de partido, de ideias, de grupo político).
C – Não negocie o seu voto, não se venda. Precisamos nos valorizar, afinal, quem decide a eleição somos nós, a sociedade que participa. Não caia em conversa fiada, não se deixe iludir por propostas ilusórias. Não alimente o sistema que afasta a política das pessoas. Tente não votar apenas pela emoção ou pelos laços afetivos. O nosso voto vale muito, acredite.
Agora, se quiser votar em branco ou anular, tudo bem, é direito de cada pessoa. O voto não será computado como válido, mas ele vale sua posição, podendo ser um sinal de sua rejeição a todos(as) candidatos(as), ou uma crítica ao sistema como um todo ou uma transferência de responsabilidade para que outras pessoas decidam por ti. Caso não consiga ir votar por algum motivo, fique de olho nos prazos de justificativa da Justiça Eleitoral.
Entre aspas
Vá votar. Organize o seu título eleitoral e seu documento de identidade. Confirme o local de votação. Não perca o horário: das 8h às 17h. Quem sabe baixe o aplicativo no celular: “e-Título”. Participe da festa da democracia e, principalmente, ao votar consciente, deite-se e durma tranquilo(a). Independentemente do resultado, a política não deve ser apenas assunto de eleição a cada dois anos, mas é um tema que deve atravessar nosso cotidiano. Participe, se informe, cobre das pessoas eleitas e acompanhe as ações de quem não se elegeu. Afinal, como escreveu o poeta, “o pior analfabeto é o analfabeto político”.
Thiago Ingrassia Pereira
Professor da UFFS Erechim
Coordenador do Projeto de Extensão “Dizer a sua palavra”: democratização da cultura popular e da comunicação
[1] Vide matéria no site do TRE/SP: https://www.tre-sp.jus.br/comunicacao/noticias/2024/Fevereiro/entenda-por-que-nao-e-possivel-fraudar-a-urna-eletronica
[2] Saiba o que a Lei permite a prefeitos(as) e vereadores(as): https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2024/Junho/tire-suas-duvidas-sobre-as-funcoes-do-prefeito-e-do-vereador
[3] Sobre os cálculos eleitorais na eleição proporcional (Câmara de vereadores/as), ver: https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2023/Julho/quocientes-eleitoral-partidario-e-sobras-por-media-entenda-como-funcionam-esses-calculos-eleitorais